Havia certa vez um reino distante. Nele habitavam as mais fantásticas criaturas, de naturezas tão diversas que poderia descrevê-las durante dias e mesmo assim a justiça não seria feita. E elas viviam em equilíbrio, porque naquelas terras o mal não existia. Humanos compartilhavam seus grandiosos salões com seres que lhes eram muito parecidos, mas que nutriam uma irmandade com animais e plantas que poderia ser percebida pelas suas aparências fantásticas. Como humanos falavam e com os humanos andavam. Os dias naquele lugar eram especialmente luminosos e belos, fartos como plantações carregadas pela bondade de estações amenas. E a bondade enchia seu governante, o rei, e era ela que se estendia pelas terras através de suas ações.

     Então aconteceu o Mal. Nenhum daqueles seres se lembraria de como tinha surgido, mas a verdade era que certo dia amanheceu e o que se levantava diante dos olhos do bom rei era o caos. As canções lentamente morriam nos quatro cantos do reino, os seres fabulosos já não dançavam ao redor de fogueiras e suas vozes desentoaram até cessar. O Mal cobria a terra com seu manto de desespero e era ele que crescia nos corações dos habitantes daquele lugar. Ainda havia aqueles que lutavam pela sombra dos dias gloriosos, mas quando o grande rei caiu nos braços da loucura ela parecia cada vez mais trêmula. A única saída para aquelas almas que insistiam em acreditar era encontrar uma pessoa cujo coração as garras daqueles acontecimentos não havia tocado. E a busca foi iniciada.

      Homens, mulheres e seres inumanos percorreram todo o reino, a cavalo, levados pelos seus próprios pés ou voando, caso asas tivessem e quando parecia que apenas a escuridão os flanqueava, eles a encontraram. Aquela garota a primeira vista não parecia ter nada de extraordinário, provavelmente era até pequena para sua idade. E mesmo assim era dela que o destino daquelas vidas e terras dependia. O mal seria aniquilado pela invocação de um grande poder e mesmo que as conseqüências daquilo para quem o realizaria eram desconhecidas a garota abraçou a oportunidade de bom grado, porque dentro dela a vontade de ver aquele reino restaurado queimava intensamente. O encontro aconteceu no antigo castelo onde antes o trono residia, agora ofuscado pelos sucessivos ataques daqueles tomados pela ganância, cujas mentes foram perdidas para a fúria. A chegada não foi fácil. Batalhas foram travadas, homens caíram e no final aqueles que guardavam as costas da garota conseguiram fazer com que ela alcançasse a fonte do grande Mal. Antes que fosse apunhalada por aquela personificação horrenda, se refugiou e em seu interior implorou para que pudesse ter acesso ao poder e acabar com tudo aquilo. E foi atendida. Foi dito que repentinamente o ar parecia mais leve e uma pressão imensa fez o piso tremer, dando fim a todos aqueles que tinham escolhido ser tomados pelo ódio. O júbilo daqueles que levantaram lanças e espadas contra a sombria ameaça encheu os céus e só foi interrompido quando, com um arquejo de surpresa, já não viam mais sinal daquela garota que havia salvo seu reino, e suas vidas. Durante muito tempo a felicidade não estava completa mesmo que a glória de outrora tomava aquelas terras novamente. Os companheiros da garota nunca a esqueceram e a menção a seus atos ainda lhes causava uma dor aguda no peito e um breve momento de silêncio.

      O que eles não sabiam era que a garota não havia morrido, tampouco havia se esquecido das aventuras e inimigos que enfrentara. Apenas se via agora em outro lugar, um lugar com seres menos fabulosos, é bem verdade, mas se observar com afinco é possível ver pessoas dignas de heróis de contos antigos no caminho para a universidade, ou no supermercado, ou mesmo em casa. Basta que o coração seja sincero e um pouco de coragem para não se deixar desestimular por eventuais obstáculos do cotidiano. E quando se deu conta, eles estavam ali, ao seu lado. Os companheiros prontos a talvez não arrancar a cabeça de um inimigo com um golpe de espada, mas a permanecer ali, ao seu lado, impedindo que seja flanqueada por tristeza ou sentimentos menos otimistas. A garota ainda sente dentro de si a urgência por aventuras e seres fantásticos, mas agora já não anda entre eles e para contorná-lo usa sua mente fértil, o que torna qualquer evento possível. Desde vôos em dragões até o uso de magias capazes de moldar a seu bel-prazer elementos da natureza. Todo o necessário é um lápis e uma folha em branco. E voilà!