Memórias de Sirius Black escrita por Shanda Cavich


Capítulo 4
Capítulo 4 - Dementando




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/137530/chapter/4

"Foi Rabicho. Sei que foi ele!" – gritei para Remo, que insistia em me tratar com desgosto, e até mesmo raiva. Afinal, como ele poderia adivinhar? Apenas os Potter, Pedro e eu sabíamos quem realmente havia sido o Fiel do Segredo. Na visão de todos, o traidor era eu.

"Não sei mais em quem confiar, Almofadinhas. Juro que não sei." – Remo fez suas malas e deixou o quarto como se a minha presença o fizesse sentir mal.

Passei o dia todo procurando por Rabicho. Não o encontrei em lugar algum. Tendo como última esperança, fui até o Largo Grimmauld a fim de obter respostas, e para minha sorte ou azar Bellatrix estava lá, acompanhada da irmã e dos Lestrange. Minha mãe já estava doente, mal saía do quarto. Meu pai, dificilmente aparecia em casa durante a tarde, motivo pelo qual eu resolvi ir durante aquele horário. Narcisa estava sentada na espreguiçadeira, segurando seu filho de apenas um ano. Os olhos do bebê eram idênticos aos do pai, frios e cinzentos. Foi a primeira vez em que parei para pensar no jovem Draco. Não sei dizer o que será deste garoto. Se a loucura dos Black ou a malícia dos Malfoy o atingiu, desejo-lhe a máxima sorte numa vida que certamente será difícil, apesar da fortuna.

"Como ousa vir até aqui, Sirius?" – disse Rodolfo, demonstrando indignação. Segurou a cintura de Bella assim que reparou meu olhar agudo em direção a ela. Mesmo sendo um momento de angústia, até consegui rir. De que adiantava ele ser ciumento, afinal? Se Bellatrix não me amava, era evidente que não o amava também.

"Parece que interrompi uma conversa muito importante." – continuei, tendo a certeza de que só estavam na casa de meus pais por conveniência. Eram foragidos, criminosos. Tinham mesmo que se esconder em algum lugar. – "Por que estão reunidos? O que pretendem fazer agora? Valdelort morreu! Vocês já eram."

Bellatrix se desprendeu dos braços do marido e sentou-se ao lado de Ciça. Fez carinho nos cabelos louro-brancos de Draco, que logo parou de chorar.

– "Sirius, Sirius... Ainda temos assuntos a resolver com uns amigos seus. Só estamos esperando Bartô chegar."

Maldito seja Bartô Crouch Júnior. Mesmo antes de se tornar Comensal, jamais gostei do rapaz. Já não mais me admirava o fato de ele ser tão próximo de Bella. Minha impulsividade e nervosismo eram tão grandes naquele momento, que não percebi que tramavam alguma coisa. Subestimei o orgulho dos Comensais da Morte. Achei que depois da queda de Tom Riddle, seus seguidores se sentiriam humilhados, ou talvez acovardados a continuar lutando. Enganei-me feio. Devia ter imaginado que Bellatrix jamais se renderia, bem como os Lestrange. Algo nos olhos de minha prima dizia que ela não acreditava e nem suportava a morte de seu mestre.

Saí da casa antes que meu pai chegasse. Olhei de relance assim que saí do portão, e pude notar Crouch subindo as escadas. O garoto, um pouco mais novo que eu, olhou para mim, sorrindo estranhamente. Um sorriso que condizia com o de Bella, demonstrando paranóia. Ignorei a todos eles, ingenuamente, pois meu objetivo não era caçá-los e sim encontrar Rabicho. Dias depois fiquei sabendo que Bellatrix, seu marido estúpido, Rabastan e Bartô foram presos de uma só vez, após torturarem os Longbottom. Surpreendeu-me o fato de Narcisa não ter sido presa. Sempre achei que ela fazia tudo igual à irmã. E mesmo que fizesse só a metade, já teria motivos para ir pro inferno. Será que o fato de ela ser casada com Malfoy-Cheio-da-Grana tem alguma coisa a ver com a liberdade do casal? Não sei. Não me importo. Não haveria justiça de qualquer forma. Nunca houve.

Desesperado, fui novamente até a região onde Pettigrew morava, a fim de tentar resolver o inacabado. O sentimento de amizade ainda existia. Sempre foi algo forte, e que sempre preservei. Uma parte de mim ainda se recusava a acreditar no pior. Ah, como eu queria que Rabicho não tivesse nada a ver com a morte dos Potter. Cheguei até aquela ruazinha deserta com doze casas enfileiradas, de cores frias. Meu pai se referia a ela como "A rua dos sangues-ruins". A última casa, verde, era a de Rabicho. O garoto tinha passado a morar sozinho desde que sua mãe morrera no ano passado. Bati na porta com certa aversão. Algo me dizia que eu não devia estar ali. Quando pus meu olho no buraco da fechadura, enxerguei um vulto, coberto por uma capa. Apontava sua varinha para frente da porta, por onde eu espiava.

"Incendio Maxima!" – disse ele. Em poucos instantes o feitiço se expandiu por toda a casa. Em menos de um minuto, tudo estava em chamas. Pessoas começaram a surgir das casas vizinhas, confusas e assustadas. Afinal, os trouxas não são acostumados a ver coisas explodirem sem um motivo científico. A casa de Pedro explodiu com facilidade. Coisa que só uma varinha verdadeiramente mal intencionada poderia causar. O curioso vulto saiu correndo pela rua, incendiando as outras onze habitações. Tudo tão rápido, tão inexplicável. Eu fazia de tudo para apagar o fogo na rua toda. Tentei de tudo para salvar os trouxas do fogaréu que se formava pela vizinhança. Ouvi gritos agudos, lamentações, pedindo por socorro. Entrei em pânico quando pararam de gritar. A partir daquele momento, era possível ouvir apenas o barulho da carbonização da madeira. O silêncio das vozes me fez dar conta de que estavam todos mortos. Todos.

O assassino correu em direção ao bosque, deixando cair seu capuz. Seu rosto perturbado e maltratado demonstrava raiva, ou algo pior.  Os olhos comumente gentis de Pedro Pettigrew, agora não passavam de fendas frias e sem vida. Deu um sorriso fraco e virou de costas. Fez um gesto com as mãos, o qual não pude ver direito. Como o covarde que é, Rabicho transformou-se num rato. Logo sumiu dentre a fumaça, deixando-me sozinho naquele fim de mundo com mais doze mortos.

Minha danação deu partida neste dia. Não demorou muito até que as autoridades do mundo trouxa aparecessem e me vissem na cena do crime. Os trouxas são ágeis, logo já vinham com câmeras de filmagem, testemunhas. O Ministério da Magia já devia estar a caminho para dar um basta e fazer com que o sigilo da comunidade mágica permanecesse, fazendo-me passar por um assassino qualquer. Até entendo a todos aqueles que acreditaram nessa versão da história. Afinal, eu tinha tudo para ser um doido criminoso. Acima de qualquer coisa, sou um Black, não sou? Infelizmente.

Sem ter muito tempo para pensar, corri o mais rápido que pude e aparatei para minha casa. Não havia ninguém lá a não ser minha mãe, sentada na poltrona de meu avô, pálida, soando frio. Estava visivelmente com febre. Suas pálpebras arroxeadas se abriam vagarosamente, enquanto seu pulmão respirava com dificuldade. Desnorteado, ajoelhei-me em sua frente, deixando escorrer um choro. Segurei a barra de seu vestido negro, e pela primeira vez implorei.

"Por favor, minha mãe, diga a eles que eu não fiz nada! Diga que fiquei aqui o tempo todo com a senhora! Só assim me pouparão! Só assim terei tempo de encontrar Rabicho e provar que sou inocente! Eu imploro, mamãe! Por tudo que é mais sagrado!"

"Não existe mais nada de sagrado em você, Sirius." – Walburga Black deixou escapar um soluço de tristeza. – "Saia da minha casa."

"Não, mãe! Mãezinha! Não diga isso! – agora eu chorava com vontade. – Eu te amo, mãe. Eu te amo!"

"Como te atreves a dizer uma mentira como essa?" – minha mãe tossiu inúmeras vezes, até quase perder o fôlego. – "Você me deixou, Sirius! Deixou seu pai, que tanto o cuidou. Deixou seu irmão menor quando mais precisou de você! Agora exige ajuda? Agora exige a ajuda dos Black, meu filho?"

Não consegui pensar em nada para responder a ela. Eu apenas chorava, gritava. Não só por ter a certeza de que seria acusado por traição e assassinato, mas também por minha mãe, que até então se mostrava incapaz de me amar. Incapaz de perdoar seu próprio filho, ajoelhado diante de seus pés.

Não demorou muito até que seis aurores, muito disciplinados por sinal, chegassem a minha casa para me buscar. Dois deles faziam parte da Ordem. Seus rostos demonstravam dúvida, ou até mesmo tormento. Talvez não tivessem certeza se estavam sendo justos ao obedecer à ordem de minha prisão, incumbida pelo próprio Ministro da Magia. Segurei a mão de minha mãe o mais forte que pude e encarei-a diretamente nos seus olhos, pedindo novamente por auxílio. Walburga pareceu não se importar, mas no fundo se importava, e muito. Seu queixo tremia com vontade de chorar, seus braços transpareciam a vontade de me segurar e impedir que me levassem embora para sempre. Eu, como o traidor do sangue que era, não merecia sua compaixão. Oh, como ela é orgulhosa! Não se moveu, nem mesmo se levantou da poltrona para me dar um ultimo abraço.

Tentei fugir de todo o jeito. Ataquei todos a minha volta, sem me dar conta de que agindo daquela forma só dava ainda mais ênfase a um comportamento violento, insano, digno de um verdadeiro assassino. Talvez se eu tivesse estado calmo, disposto a me defender sem a varinha, poderia ter conseguido explicar alguma coisa, ou pelo menos convencê-los a seguir com um julgamento apropriado. Mas na hora não consegui evitar. Logo depois de um curto e doloroso duelo, um dos aurores me estuporou com toda a força, fazendo-me cair contra a cômoda. Pode ter sido alucinação, mas estou quase certo de que vi e ouvi minha mãe gritar assim que caí. "Sirius!". Depois daquele dia, nunca mais pude vê-la.

Então só me lembro de acordar numa carruagem. Havia mais dois rapazes nela, acorrentados assim como eu. Um deles eu já conhecia de longe. Era Comensal e se chamava Willian Mulciber. Cuspiu em minha direção assim que notou que eu já havia acordado. Deu uma longa e rouca risada para o outro rapaz.

"Veja só quem está aqui, Selwyn!" – Mulciber olhou novamente para mim, e sorriu com o canto da boca. – "Tenho certeza que é inocente, Black. Tenho absoluta certeza! Nem sei como puderam crer que você seria digno de servir ao Lord das Trevas!"

O outro rapaz, Selwyn, riu ainda mais que o amigo.

"Logo entraremos nas celas. Espero ter vista para o lado norte e uma boa dose de gin durante as noites. – Mulciber continuou, de modo sarcástico, ainda olhando para mim com falso dó. – Você terá um destino ainda pior do que o nosso, Sirius. Pois você, ao contrário de nós, foi preso por nada. Por nada."

Se não fossem as correntes, que me causavam uma dor cruciante nos braços e costas, eu teria achado que talvez já estivesse morto. Só não tinha certeza se meu estado podia piorar. Realmente, Azkaban era pior do que a morte. Hoje eu sei do que estou falando. Levaram-me até uma cela, que ficava no canto, exatamente o lado da cela de Rodolfo Lestrange. Quando cheguei, ele riu da minha cara, incrédulo. Como era estúpido, o Rodolfo! Sua situação não era melhor do que a minha, logo ele não tinha o direito de me rebaixar.

"Não acredito! Não acredito!" – Lestrange ria histericamente, enquanto tomava o líquido de uma garrafa. Seus cabelos geralmente sedosos e ondulantes, agora estavam secos e desgrenhados. Suas olheiras demonstravam um aspecto alucinado, doentio. – "Só vou lhe avisando, garoto... Só porque está ao meu lado, não significa que seremos amigos. Ah! E Fique o senhorzinho sabendo que não vou dividir o meu gin. Portanto, nem peça."

E não é que tinha mesmo garrafas de gin em Azkaban? Mulciber não estava inventando. Até hoje não sei como elas vem parar aqui, e ainda por cima nas mãos dos Comensais da Morte. Estou nesta cela há mais ou menos seis anos e ainda não entendi muito bem a loucura que é este lugar. Tão vazio e tão triste. Bárbaro! O pior mesmo é quando mandam dementadores a minha ala. Eles vêm inteiramente em minha direção, sugando-me quase que toda a energia. É como se adivinhassem que ainda tenho esperança na liberdade, e como fico feliz ao pensar em meu afilhado, que sobreviveu. Nas poucas vezes em que se ascende alguma luz em meu coração, eles vêm e apagam.

Durante todo o tempo, faço o possível para esquecer Bella. Bellatrix Black, minha tão amada e odiada prima que está acomodada um andar acima do meu. Contudo, é dificílimo deixar de pensar nela. Eu ouço seus gritos e risos todas as noites, escandalosos e desvairados, debatendo com alguma autoridade. Nesses últimos anos a vi apenas duas vezes. Uma delas foi quando planejou fugir, e ao tentar abrir a cela de Rodolfo foi capturada novamente, e arrastada até seu antigo aposento. E por mais estranho que pareça, eu torci para que ela conseguisse ter fugido. Acima de tudo, eu odiava ter que ouvi-la sofrer. Odiava perceber o silêncio que ocorria quando a deixavam sem comida, em função de seu mau comportamento. Muitas das vezes em que chorei, foi por causa dela. Como se não bastasse a minha agonia, eu agonizava por ela. Pois Bellatrix era pedra. E pedras não sentem nada.

Então me resta apenas o sentimento de raiva, quando a ouço gritar "Milorde". Sei que Bella só está viva porque tem esperanças de um dia revê-lo. Lord Voldemort, Rabicho, Comensais da Morte... Todos são culpados. Mas Bella não. Afinal, Bellatrix é como eu. Só é o que é, porque os Black a fizeram assim. Sei que ela não conseguiria deixar de ser má. Mas às vezes penso que se eu tivesse tido mais espaço em sua vida, poderia tê-la mudado de algum jeito. Para melhor, ou para pior.

A cada dia que passa, eu morro um pouco mais. A esta altura já estou cheio de tatuagens dos mais diversos símbolos. Como a âncora que expressa esperança, ou o leão que simboliza força e coragem. Logo me lembro que não sou o único. Aqui há outros iguais a mim. Inocentes, e ainda assim condenados. E que condenação! Viver sem vida, sem vontade de estar vivo. Desde que cheguei, não posso dizer que fiz amigos. Mas já compadeci por meus companheiros que também sofrem. Às vezes ainda mais do que eu, por não terem em quem pensar. Acordo todas as manhãs com as lamúrias dos recém-chegados, ou com os delírios de Lestrange, que me aponta um graveto qualquer dizendo "Crucio", acreditando ter sua varinha novamente. No começo eu ria, agora tenho pena, até medo. Pois no fundo, sei que também vou enlouquecer. É só uma questão de tempo.

"Sirius! Você ainda está vivo?" – a voz de Bellatrix vindo de cima era inconfundível.

"Estou, Bella." – falei olhando para o teto, tendo a certeza de que ela estava atirada sobre o chão, quase dormindo, como sempre fazia. Se ela não estava gritando ou cantando, era porque suas forças haviam esgotado. – "Ficará sabendo quando eu morrer. Não se preocupe. Por ora, sonhe comigo."

"Sonharei com Milorde." – Bella falou com arrogância e um pouco de meiguice. Fato que me fez dar conta de um pensamento um tanto cruel. Se algum dia, por algum motivo, Lord Voldemort voltasse, e eu conseguisse sair de Azkaban, não levaria Bella comigo. Pois sei que ela iria atrás dele. Isso eu não poderia permitir. Pelo menos enquanto estivesse na prisão, ela não poderia estar perto dele. Maldito seja Tom Riddle. Maldito seja este falso Lord que estragou minha Bella, que matou meus amigos, destruiu minha vida. Se ainda não morreu, como alguns dizem aqui, tenho certeza que chegará a sua vez.

"Lumus."

Novamente noite, e terei que dormir quase sem acordar no dia seguinte, como se meu próprio corpo se recusasse a despertar. Então rezo mais uma vez por Harry que está tão longe de mim, e por meus pais que nem sei se já estão mortos. Rezo também por Aluado, que deve ter sofrido muito sem a companhia dos seus velhos e únicos amigos. Por Frank e Alice, que se obrigaram a deixar o pequeno Neville com a avó, depois de tanto sofrimento. Rezo ainda mais pela alma de Régulo, que segundo rumores, partiu tão jovem deste mundo. Rezo por todos aqueles que amam ou são amados por alguém. Sejam bons ou maus. Pois quem ama merece viver. E não em uma vida de prisão. Mas sim viver para desfrutar todos os momentos da vida pensando na pessoa adorada, fazendo de tudo para que os dias se tornem cada vez mais felizes com a presença dela. Dormirei acreditando estar longe daqui, unindo todas as minhas forças e boas lembranças para proteger-me dos dementadores.

Malfeito Feito.

"Nox." – e assopro minha vela.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram da minha fic? =DSe sim, gostaria de pedir humildemente para que comentassem, e se possível indicassem.Obrigada!P.s.: Para quem ainda não leu minha outra fic, ela está no meu perfil. Se chama "Memórias de Bellatrix Lestrange".