Memórias de Sirius Black escrita por Shanda Cavich


Capítulo 1
Capítulo 1 - Sangue Puro




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Eu preciso disso. Sei que preciso. Juízo, responsabilidade, coerência. Mas para que servem as virtudes se não houver os defeitos? De que adianta ter um lustroso nome quando ninguém te enxerga através dele? É preciso ter paciência.

Sou Sirius, apenas Sirius. E ainda que eu seja um bom homem, nasci na família Black. Uma família tão indigesta, extremamente antiga e muito bárbara. Até mesmo os bons bruxos que pertenceram a esta altiva linhagem já foram tachados de assassino. E foi o que aconteceu comigo... Há alguns anos atrás.

Era o ano de 1970, se me lembro bem. Naquela tarde de 21 de Agosto, a Mui Nobre e Antiga Casa dos Black estava infestada da mesma praga que eu era obrigado a suportar todos os anos: meus parentes e seus convidados. Em dias como esse, meu maior desejo era sumir daquele inferno que um dia eu chamei de lar. Meu irmão, Régulo, fazia sua festa de aniversário, completando nove anos de idade. Eu tinha dez.

"Mããããããeeee! O Sirius roubou meus brinquedos!" – berrou Régulo, com sua voz de pirralho mimado. Quando ele dizia 'brinquedos', se referia ao seu kit de poções, crânios em conserva, e dardos enfeitiçados.

"Devolva, Sirius." – disse nossa mãe, com aquele olhar seco que eu jamais conseguiria esquecer.

"Eu não roubei nada."

"Devolva!" – ela repetiu, desta vez furiosa. E o pior era que eu não tinha roubado os malditos brinquedos. Mas naquela casa a palavra de Régulo era lei. Para os Black, o fato de ele ser o filho que desde aquela idade já demonstrava esperança em seguir o caminho das Trevas, o tornava alguém melhor do que eu.

Os convidados e parentes escandalizavam suas supostas riquezas, de tal modo que eu chegava a sentir nojo. "Eu tenho isso, eu tenho aquilo". Todo o ano, o quadro era sempre igual ao anterior. Pessoas com sobrenome e aparência viviam dentro de uma mesma rede social. Era assim na família Black, e em todas as outras que condiziam com a pureza do sangue. Se naquele dia eu soubesse que um grupo significativo de Comensais da Morte estava em minha casa, rindo, bebendo e conversando despreocupadamente, algo poderia ter sido diferente. Mas não foi. Naquela época, eu era apenas um garoto enlouquecido. Nada pude fazer. Nem mesmo pensar.

Eu estava sentado na beira da janela, especulando se havia alguém decente com quem eu pudesse conversar do lado de fora, o que era muito raro de acontecer no Largo Grimmauld. Eu era proibido de brincar com os outros meninos do bairro, pelo único e simples fato de eles serem não-mágicos. Então o que eu presenciava era a mesmice. Meus pais, liderando um psicótico diálogo anti-trouxa, apoiados pelos cunhados Rosier. Meu irmão sendo paparicado pela vovó. Avery explicando qual era a melhor forma de utilizar a maldição Imperius, Mulciber com suas piadas sem graça, Yaxley reclamando da comida e Abraxas Malfoy fumando dispendiosos charutos. E não era só isso.

Bellatrix, tomando um gole de absinto, oferecido pelo babacão do Lestrange mais velho. Já o Lestrange mais novo não era tão babaca assim. Narcisa sentada em frente ao espelho da grande sala de estar, olhando de esguelha através dele para o arrogante e insuportável Lúcio Malfoy. Andrômeda, recatada em seu canto, abatida, conversando com si mesma através de sua consciência. Era a única das filhas do tio Cygnos que tinha uma. A mãe delas, tia Druella, dava ordens à Monstro, e Monstro obedecia maravilhado.

Era o aniversário de uma criança, sem outras crianças. Apenas bruxos mais velhos, subordinando os mais jovens a serem como eles. A casa dos Black era a única em que ocorria este tipo de coisa. Já era de se esperar que nem eu, e nem Régulo seríamos normais. A diferença é que eu soube escolher um bom caminho. Ele não.

"Saia da janela, garoto! E feche as cortinas! Não quero ninguém nos espionando!" – berrou meu pai, paranóico, apontando-me a varinha com severidade. Eu detestava quando me chamavam de 'garoto'. "Não venha me dizer que estava conversando com aquele trouxa sarnento que você chama de amigo! O tal do Rimo!"

"O nome dele é Remo! E eu não estava falando com ele, pai. Aliás, se o senhor não sabe, o Remo não é trouxa."

"Não quero saber. Volte para a festa e finja que está feliz, ou Régulo ficará chateado."

Fingir felicidade. Fingir contentamento. Isso era moleza. Para meus pais, não havia pessoas no mundo, apenas máscaras. Não havia caráter, apenas sangue-puro. Merlin, como eu fui infeliz naquela casa! Logo em meu aniversário de nove anos pedi de presente um super-herói de plástico e uma bola. Acabei ganhando uma Penseira Mágica. "Servirá como um diário, filho. Você está precisando. Assim poderá refletir sobre as bobagens que você anda dizendo.", disse meu pai, com um sorriso mortiço, "Muito melhor do que um brinquedo estúpido para crianças trouxas." Guardei exclusivamente as más lembranças naquele presente. Em muitas delas meu pai estava lá.

É difícil dizer o motivo pelo qual eu me tornei tão frio nos últimos anos. Frieza já se tornara uma característica genética em minha família. Durante a festa, comentei com minha prima Andrômeda que às vezes eu penso que nasci na família errada. Então ela me contara seu segredo. Havia se apaixonado por Ted Tonks, e estavam prestes a fugir. Antes que eu pudesse abraçá-la como forma de despedida, suas duas irmãs apareceram. Ambas com olhares desdenhosos.

"Sobre o que estão falando?" – a voz grave de Bellatrix me soava como um canto.

"Não é da sua conta, Bella." – respondi astuciosamente, o que pareceu ridículo naquele momento, visto que eu era anos mais novo do que ela. Um tremendo moleque.

"É Sra. Lestrange pra você, garoto!"

Droga! Novamente me chamaram de 'garoto'. Narcisa riu junto da irmã.  Seus olhos extremamente azuis se estreitaram.

"Nossa, prima, já estão de casamento marcado? Você e Rodolfo?" – Embora, por algum motivo, a notícia me irritasse, eu ri com gosto. Minhas gargalhadas começaram a chamar a atenção dos convidados. – Agora só falta a Ciça se casar com o Malfoy! Pronto! Aí sim eu queria ver o que vocês quatro iriam aprontar!

Não que eu fosse um profeta, ou coisa do tipo. Mas a situação parecia tão óbvia que era fácil perceber. Eu precisava de novos ares. Nova vida. Só não digo nova família, por respeito. Uma guerra estava iniciando bem debaixo do meu nariz. Até então, eu era o único dos Black que ainda não estava preparado para ela.


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