Eu adormeci entrelaçada em meus lençóis, a brisa da manhã invadindo meu quarto. Meu camisola completamente rasgado, meus pés descalços, minhas unhas malfeitas, meu cabelo desarrumado. Lágrimas secas no rosto.

Pisei no chão ainda gélido pela manhã. Desci as escadas, e abri  porta do quarto de Duda. Ela estava dormindo como um anjo. Linda, como sempre. Visitei também o quarto de Victor, e me assustei ao encontrar Demétria dormindo ao seu lado, enrolada completamente nua em um lençol branco, que ano passado era dos meus pais. Ela dormia com a mão sobre o peitoral do meu irmão, enquanto o mesmo dormia, com um sorriso no rosto, acariciando o cabelo de sua amada Demi.

Eu não aguentaria ficar dentro de casa com aquela coisa por muito tempo. Então decidi sair.

Entrei no banheiro de meu quarto, e fechei a porta, e o box. Coloquei na água gelada, e sentei no chão do banheiro, deixando finalmente as lágrimas, as dores, os sorrisos, as alegrias, todas saírem e escorrerem por ralo abaixo. Eu não aguentava mais de tanta depressão. Aquela Demi me dava muitos arrepios.

Meu celular começou a tocar na melhor parte do banho. Número desconhecido. Ousei atender.

_ Sim? - perguntei, enquanto enxugava minha mão.

_ Oi, linda. - eu tinha certeza que tinha ouvido a voz de Victor. Quando me dei conta, Victor estava dormindo, e eu imaginando uma cena, achando que era mesmo real. Balancei a cabeça, tentando me livrar de minha ilusão.

Assim que saí do banho, me aprontei. Coloquei uma roupa muito comum. Saí de casa, deixando um recado na cozinha. Fui pra meu escritório de música.

O trânsito ainda estava um inferno. Barulhos muito altos. Resolvi me apressar, e fui de bicicleta mesmo.

Vi Elisabete, Aninha, Caroli e Maria, minhas amigas do colegial. Tratei de conversar um pouco com elas. Lhes falei da morte de meus pais, de Elisander, de Victor e de Duda. Elas ficaram empolgadas, mas eu logo disse que teria que ir.

Cheguei ao meu escritório. Meu velho piano de calda empoeirado, minha flauta transversa guardada. Minha flauta doce bem limpa. Meu clarinete e meu saxofone em ótimo estado. Meu violino perfeito. Eu estava pronta para começar a ouvir música.

Comecei a tocar "SEM AR", by D'Black, no piano. Depois, comecei por "My Heart Will Go On", by Celine Dion, na flauta doce. Depois, iniciei por "Perfect", by Pink, na flauta doce. No saxofone, D'Javan. No clarinete, peguei umas partituras estranhas. E no violino, a música "Concerto".

Em perfeito estado, comecei a tocar imediatamente. Infelizmente, meu violão estava em casa. Eu cantava e tocava ao mesmo tempo. Era gratificante, principalmente quando eu apresentava e ensinava meus alunos a tocarem todos esses instrumentos. Um aluno meu, foi para os EUA porque ganhou uma bolsa de piano, e sua única professora havia sido eu. Me orgulho muito. Rafael. Meu pianista, esposo de Alice.

Quando me dei conta já eram 5:19 da tarde. Me apressei em guardar meus instrumentos. Eu estava ansiosa para tocar violão em casa.

Fechei a porta do meu escritório, e peguei a minha bicicleta, e fui pedalando pra casa. Quando fui perceber, Duda, Victor e Demi estavam chegando junto comigo, só que eles foram com o meu carro. Eu olhei para Victor aborrecida, e ele disse que tinha que ir levar Demi em casa, e que provavelmente iria ficar lá, e deixou Duda comigo.

Fiz uma lasanha, e aluguei um filme para eu e Duda assistirmos. Sentamos no sofá, e vimos o filme no escurinho, sem ninguém perceber. Quando me dei conta novamente, eram nove horas da noite, e Duda adormecera no meu colo. Eu a levei para o quarto, e a deixei em sua cama. Ela acordou ao ouvir meus ruídos, e isso levou-a a perguntar aonde estaria Victor. Eu disse que ele estava com a Demi.

Ela me contou em detalhes o seu dia maravilhoso no parque com a Demi e com o Victor. Eu quase chorei ao ouvir as palavras de minha irmã menor, falando sobre como os dois se amavam, e tal. Por fim, dei boa noite a ela, e apaguei as luzes. Fui para o meu quarto.

Abri o meu guarda-roupa, e lá estava meu violão, intacto. O peguei, e ajustei suas cordas, sentei na cama, e dobrei as pernas. Tirei meu suéter, e comecei a tocar.

(PLAY)

Meus dedos deslizavam pelo violão, enquanto a minha voz saia de minha boca.

_ When I was younger I saw, my daddy cry, and curse at the wind - e as lágrimas saiam sem tirar nem por, somente minha dor transbordando, olhando a foto de meu irmão, e chorando chorando e chorando. Aliás, eu não conseguia fazer mais nada naquele momento.

Cheguei no coro com o coração na mão, e quase morrendo de tanta dor, comecei a cantar lentamente...

_ You, are, the only exception... You, are, the only exception, you are the only exception, you are the only exception - e fui cantando, deixando o som me levar, envolvida pela melodia e entrando na onda - Maybe I know, somewhere, keep in my soul, that love never lasts - e as palavras iam saindo da minha boca, assim constantemente as minhas lágrimas iam saindo quando eu piscava os olhos. Ouvi os passos de Duda indo pro meu quarto. Ela caminhava, sorrindo, e pulando, apurando seus ouvidos, prestando atenção na letra, decifrando, cada palvra que eu dizia. E ela cantava com sua vozinha...

_ You, are, the only exception, you are thw only exception, you are the only exception, oh - e eu sorri, a abracei, e a sentei no meu colo. Ela enxugou as minhas lágrimas. - Porque choras, Ane? - seus olhos cresceram.

_ Eu o amo - e apontei para a foto do meu irmão. Ela sorriu, e repousou a cabeça sobre meu colo. 

E eu cantava.

_ I've got a tight grip on reality, But I can't, let go of what's front of me here! I know you're leaving in the morning, when you wake up, leave me with some kind of proof it's not a dream! Whooa...

E eu ouvi a voz do meu irmão:

_ You are the only exception, you are the only exception, you are the only exception - e ele deu aquelas voltas perfeitas e maravilhosas.

E eu o ajudava a cantar, e me viu chorando.

_ You are the only exception, you are the only exception, and I'm on my way to believing...Oh.

E ele terminou a música, enxugando mais uma vez minhas lágrimas.

_ And I'm on my way to believing... hei...                
                                                           Continua