Ponto de vista da Brea

Ok… isto é estranho… Não é que seja esquisito dormir ou algo do género, mas estar a dormir, ter consciência disso e não conseguir acordar? Isso sim é muito estranho. Não vos posso dizer muito do meu estado… só me lembro de duas luzes fortes e muito brilhantes e, de repente, tudo ficar escuro. Ah, e sim… antes de tudo ficar escuro, uma dor intensa me venceu; Mas, a minha mente parecia, neste momento, o caos dos 7 mares e não algo calmo para que possa pensar em condições. Tudo está tão estranho…

É como se estivesse em algum espaço, dentro da minha cabeça… Estou sentada numa cama e tudo está escuro; Não sei onde estou… Não é um sonho… E não, não é um pesadelo… Sinto um cansaço terrível apoderar-se de mim, como se fosse dormir por muito tempo, como se nem tivesse forças para sequer manter a consciência na minha mente. No entanto… antes que tudo se desvanecesse, outra vez, surgiu alguém… Do meu lado esquerdo, emergiu… o John!? E o Alex! A minha mãe… o meu pai! O Thiago… o Matheus, o Brian, o Andrew, a Molly, a Kate, a Mellanie, o Jasper, o Jake, o David, a Marie e a Myriam… todos eles, surgiam e desapareciam, como aquelas luzinhas das árvores de natal que piscam alternadamente; as figuras deles também apareciam assim… e pareciam trazer-me energia… como se fossem lembranças… lembranças… e então, do meu lado direito, formou-se um cenário diferente, como se fosse uma cena a ser projectada, e surgi eu e o Thiago, no primeiro ano, quando nos conhecemos… depois desaparecemos e eu voltei a surgir com o John… eu devia ter 3 e ele 7 anos; estávamos a… fazer algo parecido com o que deveria ser cantar, talvez… depois desaparecemos de novo e surgimos eu, o John e os meus pais… estávamos de férias na Islândia, num frio desgraçado e o John cismava que queria ir nadar com golfinhos! Depois, um monte de lembranças foram indo e vindo: quando conheci o Josh; as nossas discussões; os nossos beijos; o Andrew; o Matheus; a noite com a Molly, o Brian, a Kate, a Mellanie, o Jasper, o Jake e o David; Tudo o que me fazia bem, estava aqui.

Então, uma nova força apareceu; a força de querer voltar; de querer vê-los, nem que fosse só mais uma vez; de ver os meus pais juntos; de ver o John desesperado a tentar descobrir onde é que eu escondi a toalha; do Thiago a chuchar no dedo e a dizer: “eu sou o gostosão do pedaço!”; da paixão pegajosa da Molly e do John; das parvoíces e vergonhas dos meus amigos; até daquele idiota eu tinha saudades… sim, até dele… para dizer a verdade, é mais dele que eu sinto falta… daquele egocentrismo que o rodeia que o faz pensar que “todas me querem!... Se eu fosse rapariga, queria-me!”, mas não vou entrar em detalhes…

E então, como se essa súbita “força” me desse poderes, deu-me a capacidade de poder… não, não é acordar… ainda não, mas de poder ouvir; Ouvir tudo à minha volta, mas ainda assim, sentia todos os meus outros sentidos como acessos bloqueados.

Porém, ainda antes que eu pudesse recobrar totalmente esta capacidade, flashbacks começaram a surgir, rápidos e desbotados, sons que estavam muito distantes; como se surgissem do fundo de uma rua, mas ainda assim, eu podia distinguir o que diziam… “Brea!”… Josh!?... “Eu… eu amo-te”… Não, este não pode ter sido o Josh. “Brea, cuidado!”; “Está com lesões na zona torácica”; “Está com pulsação baixa!”; “Mais rápido…”; “O que aconteceu? É a filha do Leonardi!”; “Estamos a perdê-la”; “Sala de cirurgia!”; “Chamamos o pai?”; “São muitas lesões!”; “Não reage aos estímulos!”; “Não está a respirar!”; “Liguem-na à máquina, agora!”; “Filha!? Estou aqui!”; “Sai dessa, maninha!”; “Desculpa, não te ter dito antes, mas ainda és a minha melhor amiga, Brea… volta!”; e depois… algumas palavras sem nexo…: “Quando te irritei… para te ver suja de tinta”; “queria que perdesses o controlo”; “eras fácil”; “quando estava com outras raparigas ou quando estava com uma rapariga diferente todos os dias era porque nenhuma delas eras tu”; “para te esquecer”; “quando te beijei… querer… ficar noutro lugar”; “estava com a Keira… ciúmes”; “fui ao cinema com outras raparigas…” MAS POR QUE RAIO É QUE QUANDO TINHA QUE SER ESTE A FALAR, A CONVERSA VINHA EM FRAGMENTOS? De qualquer forma, foi o suficiente para perceber que ele é um idiota… Que nunca gostou de mim; que fui fácil… Que ficava com todas; Que de quem ele gostava era da Keira… eu nem sei porque é que ele veio para aqui dizer estas coisas! Não era suposto ele deitar-me mais abaixo… Idiota! Idiota! Idiota! Mil vezes Idiota! Se é assim, porque é que ele não vai lá ter com a Keira!? Mas, eu também não quero saber… eu… eu… e, mais uma vez, tudo se apagou, mas agora um manto branco cobria as minhas lembranças, parecia fumo ou nevoeiro, ou um grande grupo de gases opacos, que iam desaparecendo muito lentamente, como se fossem arrastados pelo vento; Mais sons surgiram. Agora não eram recordações… eram sons presentes.

- Filha? – A voz, apesar de nítida, era ainda distante – Ó Meu Deus… - O quê? O que foi? Estou assim tão horrível? Tenho alguma coisa na cara? Se aquele idiota do John fez alguma coisa… - Lamento tanto, minha pequena… - Lamentas? Oh, que curioso… não parecia… - Eu sei que sempre fui muito ausente… um “estranho”, mas nunca quis que nada disto acontecesse… - Ele fez uma pausa – Eu sei que nem sempre estive lá… quando me querias mostrar aqueles desenhos que fazias ou quando escrevias algum artigo interessante no teu blog ou quando me querias mostrar os comentários e as recomendações… eu sei que nem sempre estive lá para dizer “vai passar” ou “vai tudo ficar bem”, mas agora estou aqui para isso e eu sei que ainda não é tarde; sê forte, estamos nisto juntos e vamos superar juntos. Bem, vou indo porque parece-me que o teu irmão está um pouco ansioso… Ele, com o Thiago e o… Josh. – OK! ALTO E PÁRA… não, não é o baile, mas sim… PÁRA TUDO! Ok, Meu Deus! Eu, com certeza fui uma menina muito má ou uma assassina numa outra vida, porque para além de estar em coma, a única capacidade que Deus me concedeu foi ouvir e parece que até os meus ouvidos estão enferrujados… ou isso, ou DEFINITIVAMENTE, O MEU PAI PERDEU A CABEÇA! COMO ASSIM, O JOSH ESTÁ CÁ? PARA QUÊ? Para me dizer mais algumas coisas do género que ele me disse, anteriormente? Dispenso. E então, fragmentos voltaram: “meu amor”; “eu amo-te”; “não me deixes”… Ok, estou a boiar nesta história, gente! Estou confusa… Vários fragmentos da mesma voz, mas a dizer coisas completamente diferentes e contraditórias, chegavam a mim… Mas, isto não está bem! Eu conheci outro Josh, ou o Josh-galinha virou Josh-aparoladamente apaixonado!? Naaa, o meu pai DEFINITAVEMENTE, perdeu o juízo.

E os meus devaneios mentais sobre como o meu pai deve estar para lá de maluco foram interrompidos por uma voz… Na realidade, não é bem uma voz; são três vozes de três imbecis! Não, não me levem a mal por lhes chamar isso, mas… o que é que queriam que eu lhes chamasse quando ouço a seguinte conversa do lado de fora:

- Eu vou primeiro, porque sou o irmãozinho dela e ela adora-me… - COMO? O JOHN ANDOU A BEBER, DE CERTEZA… ESTE MUNDO NÃO ANDA BEM, EU DEVO TER DORMIDO POR LONGOS ANOS… Primeiro o meu pai, que não diz coisa com coisa e agora este tolo!

- Não! Primeiro vou eu, porque eu sou o melhor amigo dela e ela gosta muito de mim e preza-me muito! – COMO É QUE O JOHN TEVE CORAGEM DE EMBEBEDAR O MEU MELHOR AMIGO? Toda a gente sabe que o Thiago não aguenta nem com meio copo de um shot!

- Não! Primeiro vou eu, porque ela ama-me! – Ok… Gente, é oficial: O MUNDO FICOU DOIDO! ESTE DEFINITIDAMENTE ACHA-SE O REI DA COCADA PRETA! SÓ PODE! Eu amo-o!? Pois… ele deve ter apanhado uma “baita” de uma bebedeira! Na verdade, ele já diz porcaria quando está lúcido, então nem sei o que pensar…

É no meio destas surpresas que ouço mais umas frases e palavras soltas e depois silêncio e alguém entra no quarto, devagar, como se corresse algum risco de me acordar… E então uma voz para lá de irritante, destrói o silêncio desconfortável. Era sim irritante, mas naquele momento, ouvi-la era uma das coisas que mais queria.

- E aí, baixinha? – O meu irmão disse sem jeito… ESPERA! BAIXINHA!? EU DOU-TE O BAIXINHA! Para tua informação é um metro e sessenta e dois e MEIO! Ok? – Ai maninha – Espera… ok, definitivamente, eles beberam… ele está a chorar? – Desculpa – Ele disse, limpando as lágrimas – Eu devia estar mais confiante, não? – Ele fez uma pausa – Tenho tantas saudades tuas… Tenho saudades de ter medo de acordar por causa de alguma partida tua; Passei noites sem dormir… a pensar quando é que irias acordar; Tenho saudades de apanhar com um balão de água na cara e de ter que andar atrás de ti para exigir vingança… Tenho tantas saudades tuas, maninha… - E, novamente, voltei a sentir que ele chorava… - Ahh – Ele deu um sorriso triste – Estou muito emotivo hoje… é melhor deixar o Thiago entrar…

Mas… ESPERA UM MOMENTO! “NOITES!?” FOI O QUE O MEU IRMÃO DISSE? Ok… eu vou tentar ser o mais calma possível… HÁ QUANTO TEMPO É QUE EU ESTOU A DORMIR?

- Como é que estás, Brea? – COMO É QUE TU ACHAS QUE EU ESTOU? ACABEI DE DESCOBRIR QUE ANDO A DORMIR HÁ DIAS! E, para além do mais… tu sabes, perfeitamente, que eu não vou responder… - Estou com saudades… - Eu também… Thiago, eu também. Depois de o Thiago ter-me posto a par das novidades, mas mesmo assim SEM MENCIONAR O NÚMERO DE DIAS EM QUE EU ESTIVE A DORMIR, algo a mais chamou-me à atenção… - O Josh não vai entrar hoje… - Como assim? Não me digas que ele costumava entrar… - Eu sei que ele é o que fica mais tempo… Sabes, na verdade, ele é o mais forte de todos nós… Ele fica aqui sempre que pode… às vezes, até vem com uma guitarra e toca músicas para ti… tu sabes… - NÃO! EU NÃO SEI! ELE VEM TOCAR MÚSICAS PARA MIM? Thiago… tens a certeza que não estás com febre? Estou preocupada… - Não interessa o que ele vem fazer aqui, mas sempre sai triste e cabisbaixo, como se deixasse toda a alegria e confiança dele contigo… Mas, hoje está cá a Keira e… - O QUE É QUE ESSA VACA ESTÁ AQUI A FAZER? Upss, desculpem, acho que estas novidades deixaram-me um pouco ansiosa… O QUE É QUE ESSA… COISA… ESTÁ A FAZER AQUI? NO MEU HOSPITAL? COM O MEU… digo… COM O JOSH? Sabes que mais? Ele que fique com a Keira! Que fique com ela, que se casem, tenham uma ninhada de cobras que saiam à mãe e outra de galinhas que saiam ao pai e que nunca mais entrem na minha vista! AI QUE ÓDIO! COMO É QUE ELE SE ATREVE? COMO É QUE ELE VEM PARA AQUI CONTAR CANÇÕES E DEPOIS SAI-ME COM AQUELE TRASGO? AHH, MAS EU MATO ALGUÉM HOJE! AH, SE MATO!

E foi no meio desta gritaria interior, somado com a raiva e o ódio que deram origem ao meu… despertar… pelo menos, de uma certa forma… Com todo este ódio pela cabritinha, eu comecei a agarrar os lençóis daquela cama de hospital, sem dar por tal facto… só descobri isso porque o Thiago parecia que ia ter um filho! É sério! Começou a gritar e a correr e a chorar… parecia uma menina! Depois devem ter entrado uns 5 médicos, porque ficou tudo muito abafado…

- Dá-me aquele frasco, William! – Pai!?

E, de repente, um cheiro horroroso (atenção, não era álcool), invadiu-me e eu pensei que ia desmaiar e dormir mais um pouco, porque aquilo fez a minha cabeça girar umas 100 000 vezes!

- Gente… não é por mal… nem nada pessoal, mas algum de vocês precisa, URGENTEMENTE, e quando digo URGENTEMENTE, digo na melhor das intenções para a comunidade… DE TOMAR UM LONGO E DEMORADO BANHO! – Depois disto, gargalhadas, suspiros de alívio e sorrisos, substituíram os rostos de preocupação…

É, minha gente! ESTOU DE VOLTA!