O Continente das Trevas escrita por Narsha


Capítulo 10
Os Sagrados Cristais de Ashiva - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo concluído! E com ele a segunda parte da busca pelos Sagrados Cristais de Ashiva!
Agradeço aos amigos que têm me apoiado e incentivado a seguir em frente, e a todos as pessoas que acompanham e apreciam minha fanfic!
De igual forma agradeço, de modo especial, aos leitores que enviaram as skills aqui apresentadas:
Ao caro leitor e colega escritor Hareupe, pelas skills Espírito do Trovão (Arme) e Cascata de Luz (Lire); e ao grande amigo e assíduo leitor KCoyote, pela skill Dragão de Hipérion (Ryan).
Tenham uma ótima leitura!

*Este capítulo dedico ao amigo e leitor Renan. Que com certeza vai se emocionar ao ler o mesmo! Sua esperada cena está aí!



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À medida que caminhavam e iam se aprofundando no comprido túnel, Ronan e Arme, começavam a sentir que a temperatura ia baixando gradativamente. E as paredes rochosas, assim como o solo por onde pisavam, foram se tornando esbranquiçadas e cobertas por uma fina camada de neve. A qual, aos poucos, se tornou bastante espessa. E isso fez com que tivessem certeza de que de fato não haviam se enganado sobre a direção tomada. Estavam no Território de Juriore, a oeste de Xênia.

Mais quinze minutos de caminhada, e o túnel deu lugar a uma construção esculpida em finas estruturas de gelo; algo que fez com que tivessem de calcular minuciosamente cada movimento, pois um passo em falso e o gelo do chão, teto e paredes poderiam se romper e lançá-los numa espécie de lago, cuja superfície estava congelada, — o qual de onde estavam podiam ver através da fina camada de gelo sob seus pés, e que poderia levá-los a uma morte certa por hipotermia em poucos minutos, caso  viessem a mergulhar em suas gélidas águas.

Por isso mesmo procuraram seguir cautelosamente, e evitaram movimentos bruscos, até finalmente chegarem a uma espécie de rochedo congelado, de base larga, que desembocava numa abertura em forma semicircular, com tijolos de pedra adornando suas bordas — uma espécie de portal. E, ao transpassarem o mesmo, chegaram a um grande salão, onde o gelo firme ornava cada pequeno vão das paredes rochosas e de onde, espalhadas em diversos pontos, colunas de gelo erguiam-se do solo ao teto da construção refletindo uma estranha luz opaca. Dentro de um dos pilares, numa cavidade esculpida no mesmo, brilhando de modo discreto e em tom de anil, o Cristal Sagrado de Ashiva estava disposto.

O frio era extremado, e o casal movimentava-se sem parar para tentar amenizar os efeitos do mesmo em seus corpos. Mas não era só a baixa temperatura que os trazia desconforto, algo naquele local e no reflexo das pilastras, fazia com que parecessem estar o tempo todo sendo observados. E sabiam que o Guardião deveria estar ali – em algum lugar a espreitá-los. O estranho era que, por mais que olhassem, não viam sinais do mesmo, embora seus corações sentissem a sua gélida e sombria presença.

Com olhos atentos, foram adentrando no salão, e Ronan mantinha sua Bastarda em punho.

Um movimento à esquerda dos jovens fez com que se voltassem naquela direção rapidamente, mas nada viram. E, ao tornarem a olhar para frente, depararam com uma monstruosa criatura de aparência translúcida, com face e tronco femininos e corpo — cintura abaixo — sob a forma de uma enorme cauda de serpente, coberta por escamas em tom azul prateado. O rosto era envelhecido e os cabelos grisalhos, lisos e muito longos; sendo que suas mãos tinham a forma de duas enormes garras de gelo. Os olhos da criatura eram foscos e sua pele acinzentada.

— Intrusos... — disse, com voz que saiu mais parecendo um chiado. — Luruzya vai matá-los...

— Cuidado Arme! — gritou Ronan, empurrando a jovem para trás, evitando que a garra gélida a perfurasse. Como que desperta de um transe, a moça então o fitou.

— Acho que fiquei presa numa espécie de magia, não conseguia me mover. Melhor não olhar diretamente nos olhos dela, Ronan.

— Entendi.

 Eles moveram-se, e por um fio, não foram presos pela rajada mágica e congelante da criatura que tornava a atacá-los. Arme deu um passo à frente, e bateu seu cajado ao chão.

— Espírito do Trovão! — gritou, e seu cajado foi envolto por uma forte corrente elétrica, que emitia estalidos à medida que o poder ia intensificando-se. Um ruído forte, semelhante ao som de trovões em meio a uma tempestade, retumbou fazendo tremer a câmara.  A Gram Maga com determinação bateu seu cajado ao solo frio, e inúmeras ondas repletas de eletricidade saíram na direção de Luruzya com devastadora força, eletrocutando-a.

A tétrica criatura emitiu um grito agudo, e Ronan segurando fortemente sua Espada Bastarda, a qual estava envolta por uma forte aura azulada, impulsionou-se para frente e saiu em disparada, saltando e girando a espada no ar, de modo que o brilho azulado pareceu formar um feixe de luz ao traçar um corte que, para surpresa do Guerreiro de Canaban não atingiu a Guardiã, e sim ao piso frio da câmara —  abrindo uma cratera —, uma vez que Luruzya havia desaparecido diante de seus olhos, evitando seu poderoso golpe Espada Restauradora.

Ele olhou aturdido em todas as direções, e uma névoa fria começava a formar-se e tomar conta de todo salão rapidamente.

— Não se afaste de mim! — disse Ronan, com ar protetor, aproximando-se de Arme e ficando recostado às costas dela, com sua arma em punho.

A jovem Gram maga sentiu-se feliz com o modo dele agir, mas, contudo seu coração se mantinha em alerta, assim como sua mente que insistia em lhe trazer a lembrança de algo que ouvira há muito tempo. E que, de repente, com extrema clareza voltou-lhe fortemente à memória. Algo que seu avô — que fora também seu mentor no estudo da magia desde quando tinha apenas cinco anos de idade — lhe contara logo que havia ingressado na Escola de Magia Violeta.

 — “O estudo da magia é importante — dizia ele — mas o conhecimento sobre a natureza dos desejos desenfreados é muito mais relevante. Vou contar sobre uma mulher de nome Luruzya, cujo desejo de se tornar imortal e a própria vaidade lhe cegaram profundamente e a tornaram um dos seres mais egoístas e frios de todos os tempos.

 A pequena Arme o fitava com olhos brilhantes, os quais refletiam toda alegria que sentia por haver ingressado na escola de seus sonhos.  Ele prosseguiu:

 — Luruzya, por longos anos, vasculhou toda Ellia em busca de artefatos, poções, e o que supusesse pudesse vir a lhe conceder a tão sonhada imortalidade; mas sua busca era sempre frustrante. Foi quando um misterioso Espírito do Submundo a procurou e lhe fez uma tentadora proposta: daria a ela um objeto que a tornaria imortal, mas, em troca, ela teria de derramar um frasco de um líquido escuro na nascente mais importante de Ellia. A mulher prontamente aceitou a proposta e fez o que o Espírito lhe pedira.

— E o que aconteceu? — Indagou a jovem aprendiz Arme.

— Morte, pequena Arme… Morte. –— disse o velho homem com seriedade, evitando chamá-la de “minha neta” para não demonstrar nenhum tipo de favoritismo para a menina em relação as outras crianças da Instituição. — O líquido era uma toxina mágica, constituída por forças sombrias muito antigas, e era tão poderosa que todos que beberam das águas por ela infestadas, durante dez longos anos, adoeceram e morreram rapidamente. E para cada ser vivo que morria, o Espírito das trevas ganhava um novo corpo. No entanto, Luruzya não ganhou sua imortalidade. Ele havia a enganado. O objeto mágico que ele lhe dera não passava de uma pedra sem poder algum.

Revoltada, ela, então, foi atrás do Ser das Trevas a fim de cobrar sua paga, e este, vendo-a, apenas riu e escarneceu de sua ingenuidade.

Sentindo-se desnorteada, num gesto de loucura, Luruzya deu fim à própria vida, indo parar seu espírito nos confins do Inferno. E foi de lá que Thanatos a retirou com seu grande poder, e lhe fez reviver imortal, como tanto desejara quando era uma humana comum, porém concedeu a ela um corpo monstruoso, ao qual ela repudiou de modo que, em sua loucura, passou a viver na ilusão de ver-se como uma mulher bela ao olhar para seu semblante refletido em qualquer superfície não opaca.  A ela, o Deus Governante confiou um importante artefato sagrado, que Luruzya teria de zelar por toda eternidade, e sobre o qual um dia contarei a vocês…”

A voz do saudoso avô, que Arme pareceu ouvir tão nitidamente em sua breve lembrança, desapareceu num súbito, enquanto pequenas lascas de gelo começaram a cair violentamente por sobre ela e Ronan — como alfinetes —, ferindo-os superficialmente nos rostos.

Arme ergueu seu Cajado, e a Rara Pedra Mágica Elemental Vulcana reluziu na ponta deste fazendo com que feixes luminosos atravessassem a penumbra formada pela névoa, a transpassando como raios em meio a nuvens carregadas de um céu tempestuoso. E a luz fez com que Luruzya se retraísse incomodada com a claridade, que lhe cegou momentaneamente os olhos. Ela emitiu um longo chiado, e desse modo puderam saber com exatidão onde a traiçoeira criatura estava.

Ronan fechou os olhos e cerrou o punho esquerdo; concentrou seu poder de forma grandiosa, e ao abrir novamente a mão, esta se mostrou envolta por uma intensa chama. Pronunciou palavras em uma linguagem antiga, e na mesma hora sua poderosa Espada Bastarda foi rodeada por chamas vívidas, cujas labaredas começam a elevar-se ao alto.

— “Círculo Flamejante” — gritou, abrindo os olhos, os quais possuíam um estranho brilho incandescente. E desferiu por sobre a Guardiã um poderoso ataque mágico formado por chamas circulares que a envolveram, enquanto que velozmente partiu para cima da mesma e a atacou com um forte e preciso corte com sua longa Espada.

Luruzya cambaleou, e um líquido esverdeado escorreu por cada um de seus ferimentos, mas este logo se cristalizou. Apercebendo-se disso, o Guerreiro de cabelos azulados se postou diante da guardiã, tendo sua Bastarda ainda rodeada pelas chamas, e com parte da lâmina cravada ao piso frio do local.

Ergueu seu punho esquerdo e, depois, desceu o braço, o fechando num movimento brusco enquanto voltava a pronunciar estranhas palavras.

As chamas imediatamente tornaram a elevar-se em torno da Guardiã formando uma espécie de globo incandescente sobre uma estranha mandala. O qual explodiu violentamente em poucos segundos, fazendo com que a criatura fosse estilhaçada em mil pedaços.

A névoa havia diminuído, e a luz tímida do Cristal Sagrado se tornou visível mais uma vez. Tornando-se muito mais viva assim que Arme o trouxe para suas mãos, após um movimento rápido com o cajado que o fez levitar até si.

Dos fragmentos da Guardiã, porém, uma fumaça começava a erguer-se, e antes mesmo que o casal chegasse à metade do caminho para a entrada do salão, foram surpreendidos por um ataque traiçoeiro de Luruzya, que havia se regenerado por completo.

E, sob o impacto do golpe desferido pela certeira estaca de gelo contra as mãos de Arme, o Cristal voou longe e caiu próximo ao Portal de Entrada. A mão de Arme sangrou, pelo talho que se fez em sua pele, e ela levou a outra mão ao ferimento rapidamente, sentindo muita dor.

Vendo isso, Ronan enfureceu-se, e voltou-se para a Guardiã com olhos cheios de ódio.

— Espectral!!! — bradou, erguendo a Bastarda — em cuja aura azul sombria a envolveu — e, conjurando uma poderosa magia, fez com que feixes erguessem-se do solo sob a forma de uma pirâmide de energia escura, a qual deixou Luruzya totalmente presa em seus domínios, e que a congelou dentro, formando um esquife. Arme o olhou impressionada, pois ele estava dominando plenamente os poderes sombrios, e ela admirou-se com isso.

O casal então se afastou saindo apressados até o Portal de Entrada, e Ronan juntou o Cristal Sagrado entregando-o a Arme. Estalidos, porém, começaram a ecoar pelo salão atrás deles, e o esquife partiu-se libertando a Guardiã – que, fora de controle, se deslocou em incrível velocidade na direção dos jovens.

Eles correram, e Arme apontou seu cajado na direção da Guardiã! E, enquanto corria ia lançando por sobre a mesma seu “Bola de Fogo” — atingindo-a com esferas incandescentes de chamas escuras que lhe provocaram um dano imenso; ao mesmo tempo em que retardava seu avanço.

Estavam novamente em terreno frágil, e a fuga tonava-se acima de tudo também extremamente perigosa; sob o fino gelo, a poucos metros abaixo, o lago congelado reluzia, e à medida que avançavam em velocidade o gelo começou a estalar e a romper-se em incontáveis rachaduras, fragmentando-se. Luruzya estava a menos de um metro de alcançá-los e era surpreendente sua mobilidade naquele tipo de solo.

— Devolvam o meu Cristal! — sua voz chiada ecoou pelas finas paredes, que, diante do ruído, começaram a ceder mais rapidamente.

—— Ronan! — disse Arme com aflição, ao perceber que Luruzya perigosamente se aproximava e que o gelo não suportaria tanto peso.

O rapaz a compreendia; embainhou rapidamente sua Bastarda e puxou a Tryffing, com a qual voltou-se para trás desferindo contra a criatura seu “Raio Místico” — que provocou pequenas explosões sob Luruzya e precipitaram o rompimento total do fino gelo, que desmoronou levando a Guardiã numa queda rápida rumo ao lago congelado.

O gelo da camada superior deste, sob seu impacto, se partiu e ela mergulhou nas profundas e congelantes águas do mesmo. Porém, Ronan e Arme não tiveram tempo de olhar para baixo, pois com a ruptura do gelo e a queda da Guardiã, todo local começou a desmoronar rapidamente.

As fissuras se espalharam, e foi por milésimos de segundo que os dois também não imergiram nas gélidas águas, ficando a segurarem-se na beira do abismo que se formou, e tendo de se arrastarem até ficarem seguros.

— Foi por pouco... — disse Ronan, respirando ofegante. — Por um momento cheguei a pensar que não iríamos conseguir.

— Eu também Ronan.  Ele a fitou, e então notou que a mão direita de Arme ainda sangrava muito.

— Deixe-me ver isto. — falou, segurando com cuidado a mão da jovem.

— Apenas um arranhão, não foi nada demais... — retrucou ela, com voz baixa.

— Sim, mas um corte um tanto fundo... Deixe-me cuidar disso. — disse com sincera preocupação, enquanto derramava um pouco de água no local, a qual retirou de seu cantil, limpando o ferimento, depois enrolou a mão da jovem numa faixa.

— Obrigada. — disse a moça com timidez. Ele a olhou, e seus olhos mergulharam na luz violeta daqueles puros olhos.

Certo clima pintou entre os dois nesse momento, e Arme sentiu seu coração pulsar tão forte, que mais parecia querer saltar de seu peito. Ele tocou seu rosto gentilmente, sentindo-se hipnotizado pela beleza e meiguice daquele olhar. E quando percebeu estava já a sentir a maciez e a doçura dos lábios dela junto aos seus, em um beijo suave, tímido, apaixonado...

O frio intensificou-se, e começava a afetá-los de forma perigosa novamente. Eles se afastaram tendo os rostos corados.

— Melhor irmos antes que viremos dois picolés aqui! — disse Arme, tentando esconder o embaraço e a emoção que estava sentindo.

— Cla... Claro. – ele respondeu, ainda sentindo-se inebriado e confuso sobre o que havia acabado de ocorrer. Seu coração batia acelerado.

— Arme... — ele fez menção de dizer algo, mas calou-se, ainda muito corado. E o casal deixou apressadamente o local.

No sudoeste de Xênia, no subterrâneo abaixo das grandes montanhas e dunas do Deserto de Periett — região do Altar da Destruição —, Ryan e Lire caminhavam apressados, e o caminho aos poucos foi tornando-se cada vez mais arenoso, sendo que pelas paredes rochosas do túnel uma areia fina escorria através das inúmeras fissuras existentes.

O ambiente era abafado, e, depois de poucos minutos a mais de caminhada, aperceberam-se de que gradativamente as paredes de rocha foram ficando para trás, dando lugar a uma construção antiga com fileiras imensas formadas por blocos de pedras, tais quais os encontrados nas pirâmides do Continente de Aton.

E à medida que foram se aprofundando no interior da mesma, chegaram a um corredor estreito que os levou diretamente a um imenso labirinto, o qual, segundo o pergaminho, chamava-se Labirinto de Delevon.

Um nome que para o casal Elfo não era nada estranho. Ambos conheciam bem a lenda de Delevon — um homem que nos primeiros tempos do mundo fora responsável por incomensuráveis crimes e barbáries, massacrando vilarejos e torturando homens e mulheres, em sua sede louca por poder e domínio.

Ele, como Seralong, foi um Rei Maldito. E suas crueldades, muitas vezes, eram contadas pelos Sábios Elfos, através de relatos ou canções, para mostrar aos mais jovens os perigos da ambição e do orgulho para a alma dos seres — especialmente os nascidos na raça dos homens.

Embora, para tristeza do Povo Elfo muitos de sua raça também houvessem se deixado seduzir por tais forças com o decorrer dos tempos, e, em função disso, tendo praticado coisas não menos graves. Tribos banidas pelos Reis Elfos de Eryuell, e também de outros Reinos Élficos — de modo que tais povos, espalhados em vários continentes, passaram a viver isolados e mergulhados no próprio ódio.  Ryan e Lire sabiam muito bem disso.

— Não fosse por esse traçado indicando o caminho a seguirmos, e certamente nos perderíamos aqui nesse Labirinto. –— disse Ryan, enquanto mergulhavam no mesmo, e observava as paredes altas que formavam os estreitos corredores, onde qualquer descuido, ao seguirem por uma entrada não correta, poderia lhes aprisionar para sempre.

— Eu sei, contudo, mesmo com o pergaminho ainda sinto certo receio de que nos percamos... É estranho, mas sinto isso... Esses infindáveis corredores e seus desvios... Isso me traz certo desconforto.

— Fique calma, querida, não iremos nos perder. Não se seguirmos esses símbolos rúnicos aqui. Veja, eles indicam o caminho. — ele disse, enquanto tocava o rosto dela com ternura. Lire sorriu.

— Você está certo, meu amor. Não devo ter receios.

Os dois falavam em élfico, como habitualmente faziam quando sozinhos, e então seguiram pelo corredor estreito que se findou num ângulo reto, dobrando à esquerda.

Á medida que adentravam no labirinto a penumbra parecia ficar mais intensa, assim como a atmosfera que parecia nebulosa. Ruídos furtivos aqui e acolá ecoavam pelas paredes do mesmo vindo de diferentes partes. Sons melancólicos e profundos, que pareciam transmitir sinistras mensagens repletas de ódio e sofrimento; e que a sensibilidade do casal Elfo fez com que as interpretassem sem dificuldade.

— É triste... E perverso ao mesmo tempo... — disse Lire olhando para todos os lados, e mal conseguindo ver além de pouco mais que dois metros à sua frente

Apesar da alta capacidade visual de sua raça, a escuridão ali era tamanha que nem mesmo seus olhos podiam vislumbrar mais longe. Sua mão direita segurava firme o arco feito com o mais puro cristal oriundo da Terra Abençoada de Eryuell, e em suas costas bem acondicionadas, na aljava, as inúmeras flechas prateadas, feitas do mesmo material, estavam à espera de um possível combate.

— Sim... É um lamento. — concordou Ryan prestando atenção aos sons. — Devem ser das criaturas amaldiçoadas que ouvimos tanto falar nessa lenda. Seres criados a partir da alma dos humanos, cujo mal transcendeu os limites de toda crueldade, e que os Deuses condenaram à escuridão eterna em corpos monstruosos.

— Eles clamam por vingança... — prosseguiu Lire, sombria, após ouvir mais um sussurro que ecoou alto.

Com velocidade, num movimento brusco, puxou a flecha dupla e a atirou, precisa, atingindo a fronte de uma miriápode que do meio das sombras veio hostilmente em sua direção.

Enquanto que Ryan, machados em punho, já partia também para o combate, acertando uma espécie de tarântula gigante que descia por uma das paredes do local. Gritos ecoaram pelo gigantesco labirinto como em represália ao ataque do casal.

E em pouco tempo, à medida que foram correndo pelos corredores, e seguindo aos sinais para deixarem o local, várias criaturas, sob a forma de insetos gigantescos começaram a atacá-los de modo mais incisivo. Eles, porém, não se intimidaram e, com bravura, as destruíram mantendo-se firmes em seu objetivo.

Foram longos minutos de uma travessia árdua, pelos aparentemente infindáveis corredores do labirinto, até chegarem à saída do mesmo; foi quando depararam com um grande salão, cujo piso era feito todo em mármore, e onde estranhos símbolos estavam tingidos à pedra opaca e fria, parecendo ocultar alguma sinistra mensagem.

Pilastras erguiam-se nas laterais do mesmo e iam até o cume do teto, o qual era plano, e onde também os estranhos símbolos se faziam presentes. Não havia esculturas e nenhum tipo de objeto a decorar o salão — que, em função disso, parecia ainda mais solene e sombrio.

Ao fundo, apenas penumbra, quebrada pelo reflexo de uma tênue luz em tom vinho. Uma luz que parecia apresentar movimentos sutis, ao mesmo tempo em que se fazia ouvir o ruído forte de algo que começava a se deslocar rapidamente.

A misteriosa luz se aproximou, deixando para trás a penumbra existente no fundo do vasto salão, e eles puderam vislumbrar, nitidamente, o brilho cor púrpura que provinha do Sagrado Cristal de Ashiva — o qual estava fixo como um belo adorno no imponente peitoral da armadura do Guardião, cujo rosto humano, em seu aspecto severo e envelhecido, com barba longa e olhos cinzentos, lembravam a magnificência de um monarca.

Seu dorso era coberto por uma armadura talhada em ouro e cravejada com rubis, e, ao centro dela, o Cristal estava fixado também como um ornato. Seu corpo, no entanto, na extremidade inferior era tal qual ao das demais miriápodes que haviam enfrentado pelo caminho, assemelhando-se a uma imensa centopeia.

O preço pago por seus crimes e atrocidades, através da maldição que o prendera eternamente àquele corpo monstruoso. Em seu tórax, duas garras de escorpião se salientavam, e por todo seu corpo espinhos pontiagudos e venenosíssimos emergiam de sua pele, e se faziam visíveis mesmo de longe. Os ombros eram largos, e os braços musculosos passavam ar de rudeza e poder. Em sua mão direita ele segurava fortemente uma imensa e afiada lança.

— É Delevon. — disse Ryan em élfico, fitando a criatura e segurando com força seus machados. — E o Cristal está com ele! — prosseguiu franzindo o cenho. Lire nada disse, e, igualmente, se posicionou mantendo o Arco Cala com a corda esticada, a flecha prateada reluzindo pronta para ser lançada.

— Seres insolentes que invadem os meus domínios! Preparem-se para terem o fim que merecem por seu atrevimento! — vociferou Delevon, empunhando hostilmente sua lança na direção dos jovens Elfos.

— Teremos de ter cuidado, não podemos correr o risco de destruirmos o Cristal durante nossa luta com ele. — disse a Elfa, de modo prudente, e seu marido assentiu com a cabeça.

— Você está certa Lire, mas pode deixar, serei cuidadoso. — retrucou ele fitando a criatura que se aproximava em grande velocidade, e que se preparava para impetrar seu primeiro ataque. Havia um brilho diferente nos olhos do Guerreiro Elfo, e ele posicionou seus machados, enquanto observava seu oponente.

Um zunido agudo ecoou pelo local, seguido de um urro de dor. Lire havia disparado seu arco e a flecha élfica transpassara a pele escamosa de Delevon, atingindo-o entre seu braço e sua garra. E este, enfurecido, partiu em velocidade para cima dos jovens, irradiando um brilho sombrio em torno de si e de sua arma.

Ryan o deteve cruzando seus machados diante da lança do Guardião e prendendo-a entre os mesmos. Houve um choque de energia entre as armas, e o jovem Elfo sentiu a pressão imposta pelo guardião a fim de desvencilhar sua lança e atacá-lo. Havia ódio nos olhos dele e sua energia maligna era sufocante.

— Dragão de Hiperion! – disse Ryan, com voz firme e alta, fitando o Guardião com determinação e concentrando seu poder. Sob o Guerreiro Elfo, abaixo de seus pés, surgiu um círculo com um símbolo élfico escrito em chamas; sendo que das bordas do círculo começaram a se elevar cortinas incandescentes, sob a forma de grandes ondulações de fogo, que giravam e que se cruzavam ao redor de Ryan, para depois se elevarem ao alto e fundirem-se numa única torrente, a qual desceu com impressionante força por sobre Delevon, fazendo com que o mesmo fosse arremessado ao longe, envolto pelas chamas.

Sem hesitar, a bela Elfa deu um duplo salto, girando em torno de si, e apontou seu Arco Cala para o alto, verticalmente, esticando bem sua reluzente corda.

— Cascata de Luz! — gritou, disparando sua flecha, a qual alçou velozmente ao alto, desaparecendo em meio à escuridão. Mas em frações de segundos uma verdadeira cascata de flechas, sob a forma de cristais afiadíssimos, desceu com grande força por sobre o Guardião que ainda ardia em chamas.

Um golpe preciso — porém ela havia reduzido seu dano, pois teve receio em função do Cristal. Mesmo assim, o efeito foi sentido por Delevon, que sentindo também a dor das inúmeras flechas tocando-lhe o corpo — como verdadeiras agulhas gélidas — nas regiões não cobertas por sua armadura, desestabilizou-se e quase tombou ao chão não fosse apoiar-se em sua poderosa lança. Ele tinha a pele em carne viva e urrava de dor.

Apesar disso, não tiveram nem tempo para alegrar-se, pois em torno do perverso Guardião uma forte energia sombria começou a condensar-se, e as chamas da técnica utilizada por Ryan foram se extinguindo rapidamente, assim como as flechas de Lire, que foram se fragmentando.

Vendo isso, Ryan adiantou-se na direção do Guardião atacando-o violentamente, com uma sequência rápida de cortes triplos com seus machados, até cruzá-los diante de Delevon. Este, com renovado ânimo, rebateu a todos os golpes do Guerreiro Elfo com incrível destreza, e empurrou-o para trás com uma forte onda energética.

Cerrou com agressividade o punho esquerdo e, com ambas as mãos, cravou sua lança na pedra fria do solo fazendo com que o mármore se partisse lançando fragmentos por todos os lados. Uma fissura se formou e tudo pareceu começar a tremer; enquanto uma energia escura e borbulhante começou a jorrar do solo, fumegando.

— Morram!  —Bradou com fúria Delevon, totalmente tomado pela energia sombria, a qual lançou sobre o casal Elfo sob a forma de um turbilhão fervente. Lire saltou alto, na tentativa de esquivar-se ao ataque, mas a intensidade das chamas envolveu a tudo de forma incondicional, e tanto ela como Ryan foram envolvidos pelo turbilhão sem terem chance de escaparem. E não fosse pelo poder de seus anéis e de seus colares, assim como de suas armaduras, teriam sucumbido diante do mesmo.

Mesmo assim a força do impacto fez com que eles fossem arremessados à boa distância, caindo de bruços ao solo, e com inúmeros ferimentos de queimaduras espalhados por seus corpos. Lire, com a queda bateu fortemente a cabeça contra o piso e perdeu os sentidos, e Ryan arrastou-se até ela apreensivo. Tocou-a, e, após, se ergueu — deixando junto de sua amada um Totem de Cura.

Ele tinha os olhos convertidos em furor. E em torno dele uma luz surgiu emitindo faíscas, à medida que o poder nele ia se concentrando incomensuravelmente. Ele deu um passo à frente, e a luz em torno de si se intensificou tornando-se ofuscante. Sua voz tornou-se profundamente grave e severa, ao mesmo tempo em que toda sua musculatura começou a expandir-se: seu corpo cresceu e revestiu-se por penas; surgiram garras enegrecidas e longas em seus dedos e pés, sendo que, em suas costas, enormes asas alaranjadas abriram-se imponentes. Em sua cabeça um elmo dourado reluziu, assim como os braceletes em seus pulsos.

Delevon o fitou sem demonstrar nenhuma emoção ou surpresa, e ele, como Nephirim, partiu para cima do Guardião atacando-o impiedosamente, atingindo-o com muitos ataques diretos e violentos com os punhos cerrados. Delevon defendia-se dentro do possível, e tentava ao mesmo tempo revidar ao ataque tentando atingir Nephirim com sua lança. No entanto, ele era muito ágil e o Guardião não conseguia ter êxito em seu intento.

Nephirim saltou alto e começou a lançar por sobre Delevon esferas de energia que caíam por sobre ele certeiras, causando profundo dano.

— Destruir! — ele gritava enquanto proferia os disparos e, Lire despertou ouvindo seus gritos guturais. Estava meio tonta e sua visão custou a firmar-se, mas quando finalmente pode visualizar melhor a tudo, percebeu que Delevon — já bastante ferido — erguia sua lança perigosamente ao ar tencionando lançá-la contra Ryan, sob a forma de Nephirim, e caso tivesse sorte em seu ensejo a mesma o atingiria mortalmente no peito.

 Sem hesitar, levou rapidamente o braço para trás e puxou duas flechas de sua aljava. Esticou a corda de seu Arco, e um som agudo ecoou num zunido quando ela disparou-o. O guardião parou estático, e a lança escorregou por sua mão caindo por sobre o mármore, emitindo um ruído metálico e seco. Em sua testa e em sua garganta, profundamente mergulhadas, estavam as duas flechas élficas; era o fim para o ambicioso e perverso Delevon, que tombou caindo lentamente para o lado.

Nephirim pousou e riu, fitando a Elfa antes de Ryan reaver seu corpo. Lire, vendo o marido, o abraçou, e ele correspondeu, trazendo-a bem para junto de si.

— Você está bem Lire? Fiquei tão preocupado quando te vi desacordada. — ele disse a fitando nos olhos.

— Estou sim. Não se preocupe. — disse sorrindo, e ele a afagou. Os dois então se voltaram para Delevon que parecia estar desintegrando-se, sob a forma de uma areia fina. Lire se apressou e apanhou ao Cristal que estava preso ao peitoral do Guardião e, segurou-o com cuidado. Ryan dela se aproximou e fitou o objeto Sagrado.

— Precisamos ir... — disse pensativo e com ar bastante sério. A Elfa assentiu e guardou com cuidado o Cristal.  Em seguida o casal partiu apressado afastando-se do saguão por uma abertura numa lateral do mesmo.

Longe dali, oculto pelas milenares árvores e a bela paisagem da Floresta da Vida, olhos sábios observavam a água límpida, que havia ficado retida em uma pequena concavidade na base de uma frondosa árvore.

O homem agachou-se, e uma luz intensa irradiava de seu corpo, de modo que a energia parecia envolvê-lo por completo.

Na água parada um estranho brilho prateado deu lugar a formas e imagens. E ele, depois de observar demoradamente as mesmas, se ergueu; os cabelos negros e longos esvoaçando com a brisa que soprava vinda do leste.

Seus olhos negros agora tinham um estranho brilho, e seu longo cajado reluzia em tom azulado pela energia da pedra em sua extremidade mais alta. Ele afastou-se, e desapareceu em meio à densa Floresta.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Para quem está ansioso pela chegada do personagem Dio na minha fic, preparem-se, pois no próximo episódio ele vai entrar em cena!
Obrigada por terem lido a mais um capítulo de minha história!



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