Hetaoni: The Very Last Moment escrita por Kyra_Spring


Capítulo 2
II - Rússia, China, França


Notas iniciais do capítulo

Nota da autora: Esse capítulo será dividido em quatro partes, narradas pelos três protagonistas. Está sendo um projeto interessante, sem dúvida. Tentar ver através dos olhos deles é tão legal... xD Aliás, eu vou tentar narrar cada capítulo de forma diferente do anterior.
Enfim, espero que gostem, beijos a todos e até mais! ;D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/134653/chapter/2

            Não tivemos chance nenhuma contra aquela criatura demoníaca.

            Cada um de nós fazia o que podia, mas era como se o monstro fosse blindado aos nossos ataques. Nem toda a nossa força combinada parecia surtir algum efeito, e naquele momento não tínhamos a ilusão de realmente detê-lo. Tudo o que queríamos era... atrasá-lo, mesmo que por pouco tempo.

            E em algum momento percebemos que nem isso éramos capazes de fazer.

            Aquele cano já não estava ajudando em nada. Mesmo a lâmina que eu havia escondido nele já estava gasta e cheia de dentes. E, mesmo se estivesse afiada, não adiantaria muito quando a mão que a portava já não tinha a mesma força de antes. França e China estavam ao meu lado, também visivelmente exaustos. Eles observavam o monstro do lado oposto da sala com uma teimosia raivosa nos olhos.

- Os outros vão passar por aqui logo, aru – murmurou China – A gente só precisa agüentar firme até lá. Se atacarmos juntos, podemos detê-lo.

- Olhe em volta, mon ami, quanto mais acha que suportaremos? – replicou França, enxugando um filete de sangue da testa – Temos que dar um jeito de sair daqui e achar os outros.

            Eu não dizia nada. Tinha um pressentimento de que não havia mais outros.

            Mas sabia que ele não iria simplesmente nos deixar ir. Que, se quiséssemos sair de lá, teríamos que passar por cima dele. Ou isso, ou ele passaria por cima de nós. Naquele momento, eu me perguntava qual era o objetivo daquilo tudo. Será que era como num dos filmes do Japão ou do América e ele só pararia quando estivéssemos todos mortos? Ou... havia mais?

- FRANÇA, CUIDADO! – o alerta de China não foi rápido o bastante. Quando percebemos, o monstro estava logo atrás dele. E, antes mesmo que ele pudesse se virar ou que nós pudéssemos nos aproximar, ele cravou uma de suas garras nas costas dele. Tudo o que eu e China pudemos fazer foi assistir, em meio a um choque que pouco a pouco cedia lugar ao pânico, a expressão de França se congelar numa careta muda de dor e surpresa.

- F-fujam – ele balbuciou, a garra ainda em seu corpo, os olhos arregalados e vazios – Vão... rápido...

- DE JEITO NENHUM! – China berrou, numa voz encolerizada como eu nunca havia visto – EU VOU É ENSINAR UMA LIÇÃO PRA ESSA COISA FEIA, ARU!!!

            E, no segundo seguinte, ele correu para cima do monstro, que soltou o corpo de França no chão com um baque abafado. Olhei para ele, seus olhos reviravam com a dor, e corri até ele, amparando-o. O ferimento em suas costas era enorme e sangrava profusamente.

- Você... precisa... parar o China – ele me encarou, uma chama aflita nos olhos – Ele não tem chance... faça-o parar, por favor...

- Shh, não fale – murmurei – Descanse. Eu... eu vou tentar pensar numa forma de sairmos daqui, da?

            Ele apenas deu um meio-sorriso deformado, e murmurou:

- Que pena que o Anglaterre não está aqui... ele adoraria me ver assim...

            Com o máximo de delicadeza possível, envolvi-o com meu casaco, e o coloquei apoiado na parede num lugar que parecia mais confortável. Depois, voltei minhas atenções ao outro, que naquele momento despejava sobre a criatura toda a sua fúria, sob a forma de uma rajada de golpes de artes marciais. De onde ele estava tirando tanta energia? Ele não parecia estar cansado ou ferido, e seus chutes e socos não abriam margem para uma reação.

            Mas éramos humanos, agora. E aquilo não duraria muito.

            Foi preciso apenas um deslize, um passo em falso, para que o monstro o jogasse contra a parede. China arquejou, caindo no chão entre gemidos abafados de dor. Me levantei, em pânico, observando o monstro se aproximar lentamente, como se estivesse saboreando o momento. Minhas pernas estavam paralisadas, e eu só podia observar, enquanto China se apoiava sobre os braços e o encarava, tentando se arrastar para longe.

            Não... não na minha frente... não se eu pudesse evitar...

            A certeza do que eu devia fazer me impulsionou. E eu consegui tirar forças suficientes para correr até ele. Eu não o deixaria morrer na minha frente sem fazer nada. Não ele. Não ali.

            E, no segundo seguinte, veio o impacto.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------

            De onde ele havia vindo?

            Eu não acreditei quando vi Rússia parado entre o monstro e eu, como uma muralha. Ele o empurrava para trás, num embate de forças tão surreal quanto assustador. Por alguns segundos, fiquei observando aquela cena, em choque.

- O QUE ESTÁ ESPERANDO? – ele berrou – SAIA DAÍ AGORA MESMO!

            Tentei me levantar, mas não consegui. Meu corpo parecia ter sido atropelado por um trator. Ele continuava segurando o monstro, mas já começava a ser empurrado para trás. Por fim, consegui me arrastar para longe dali, indo para o lado de França.

            Foi então que percebi uma coisa que me deixou sem ar.

            Uma mancha de sangue começava a se formar no chão em frente a Rússia. Eu só via as costas dele, então não sabia bem o que estava acontecendo. Mas a apreensão e o medo começavam a tomar conta de mim. Ele continuava contendo a criatura, mas já não conseguia mais segurá-la.

            E então, eu vi o que aconteceu.

            Por um segundo, eu pude vê-lo. Segurando uma das garras do monstro, parcialmente fincada em seu peito. O ar fugiu dos meus pulmões nesse momento, enquanto eu só pude assisti-lo sendo jogado longe e chocando-se contra um armário.

            Então era isso. Estávamos completamente perdidos.

            Estranhamente, a única coisa que eu sentia era uma decepção enorme. Éramos tão fracos assim? Se não conseguíamos nem enfrentar um monstro, como poderíamos ditar os rumos do mundo? Éramos fracos demais para isso, fracos demais...

            E, Rússia... por quê? Por mim? Ou por simples desespero? Para pôr um fim rápido naquilo?

            Aquela era a parte mais dolorosa, definitivamente. Mas, mesmo assim, ele levantou a cabeça e olhou na minha direção. E sorriu, como sempre. Aquilo fez com que eu me sentisse ainda pior.

            Então, senti uma pressão esmagadora sobre as minhas costas, triturando meu corpo ainda mais. Não consegui respirar, flashes vermelhos e negros passavam em frente aos meus olhos. Era tão... doloroso... em pouco tempo a falta de ar fez minha cabeça girar. Mais um pouco, e ele me sufocaria. E eu podia sentir meus ossos quebrarem.

            E então, o monstro desapareceu.

            E deixou para trás três nações derrotadas e feridas.

            Três nações moribundas.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------

            Depois que o monstro desapareceu, ficamos nos encarando em silêncio.

            Respirar estava sendo um desafio cada vez maior. Eu sentia frio, e tentava apertar o casaco de Rússia contra o meu corpo. Mas não conseguia me mover, e não tinha forças para isso.

- Espere, eu te ajudo – Rússia se aproximou de mim, os movimentos travados pelos ferimentos espalhados pelo seu corpo, e reposicionou o casaco. Ele exibia o sorriso de sempre, aquele sorriso assustadoramente gentil – Está melhor assim?

- Sim, está – acabei sorrindo também – Merci.

            Um pouco à nossa frente, China tentava se levantar. Podíamos ver suas pernas tremendo, enquanto se apoiava na parede. Tentou uma vez. Duas. Três. Sempre tentando se levantar, sempre se desequilibrando e caindo. Era uma cena triste. Ele tentava manter a última faísca de orgulho e se levantar uma última vez. E eu não podia culpá-lo por isso.

            Ouvimos, então, o som de passos. Duas pessoas, pelo menos. E uma voz...

- Mein Gott... o que aconteceu aqui?

            Olhei para a porta. Prússia e Itália estavam lá, olhando para o cômodo semidestruído com choque estampado no rosto. Itália, por sua vez, estava mortalmente pálido, e seus olhos arregalados estavam inundados de lágrimas mudas. Minha visão já começava a escurecer e a se turvar, mas os olhares dos dois eram expressivos demais para que eu não os percebesse. Da mesma forma que eu podia ver o sorriso falso de Rússia, ou os esforços de China em ficar de pé pelo menos mais uma vez, como a nação altiva e orgulhosa que era.

            Estávamos perdidos, mas eles ainda tentavam manter quem realmente eram.

            Era uma boa forma de morrer. Uma forma de partir sem arrependimentos.

            E eu soube que Prússia e Itália entenderam isso no momento em que entraram ali. E que eles teriam que seguir em frente, já que nós não poderíamos. E, de qualquer forma, ainda havia alguma relação entre nós, alguma coisa de família, mesmo. Percebi que Prússia observava a cena com o olhar desolado e confuso de alguém que tentava inutilmente manter a racionalidade em meio ao caos. E Itália... céus, onde havia ido parar o homem que entrou naquela casa conosco? Na minha frente, eu só via uma criança perdida, com cicatrizes profundas demais.

- D-desculpem-me – China era realmente teimoso, e continuava de pé, mesmo sabendo que, quando caísse, provavelmente não conseguiria mais se mover. O sorriso no rosto dele era quase um esgar – Eu termino por aqui...

- Estou contente por conseguirmos fazer.. pelo menos uma ruptura nova - Rússia, ao meu lado, mantinha a expressão de antes. A sensação de frio aumentava, meus braços e pernas estavam dormentes, mas pelo menos ele, ao meu lado, me ajudava a me aquecer.

            Senti os olhos de Itália pousados em mim. A minha aparência devia ser mesmo deplorável, a julgar por aquele olhar. Eu precisava dizer algo.

- Vamos, não chore - tentei sorrir, numa tentativa falha de ao menos uma vez agir como um verdadeiro irmão mais velho - Se você ficar aqui, esse monstro vai aparecer de novo...

- Mas... - ele tentou protestar, a voz débil. Eu tive que cortá-lo, dirigindo-me ao outro:

- Prússia, você vai cuidar do Itália? Ele corre rápido, mas é difícil brigar com aquilo.

- Eu sei... - a voz dele ainda era a de alguém que tentava manter-se firme, mesmo no fundo também querendo desmoronar.

            "Que bom", eu quis dizer. Mas não consegui, minha voz não saiu. Mas eu confiava em Prússia. Ele era teimoso, e forte. Ele acharia os outros, e tiraria todos dali... e eles ficariam bem... sim, eles ficariam bem. E, se no futuro se lembrassem daquele dia, se lembrariam também que, pelo menos nessa hora, lutamos juntos.

            Sim, lutamos. E perdemos. Mas perdemos juntos. E não nos arrependíamos disso.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------

            Eu soube que França havia partido quando sua cabeça pendeu sobre meu ombro.

            O olhar de Itália se alternava entre ele e eu. Os olhos dele estavam carregados de tristeza, mas não havia surpresa neles. e isso me partiu o coração. Quantas vezes ele já havia visto cenas semelhantes àquela? Quantos de nós ele havia visto morrer?

- Rápido. Não deixe nossos esforços serem em vão - eu disse - Realmente, você é muito lento para entender, Itália.

- Se vocês ficarem aqui, só vão atrapalhar - China tentava fazer parecer que ainda tínhamos condições de litar - Apenas saiam logo daqui, aru.

- Vamos, Itália - Prússia o puxou pelo braço, se afastando. Antes de sair, porém, ele se virou para nos encarar uma última vez. Acenei com a cabeça, e ele acenou de volta, a resignação e a dor no olhar.

            E, alguns segundos depois, ouvi o baque do corpo de China contra o piso.

            Coloquei o corpo de França no chão, da melhor forma que consegui, e me aproximei dele, tentando ignorar a dor e o formigamento que irradiavam do meu peito. Ele se virou na minha direção, os olhos baços. Eu estava exausto, tão exausto... deixei meu corpo cair ao lado do dele.

- Você é realmente perfeito para o papel do bandido - ele sussurrou, com uma nota de deboche na voz.

- E você é um completo ator - respondi no mesmo tom. Ele deu uma risadinha muito fraca, um fantasma da risada alta e cheia de vida que era tão própria dele. Depois ele sussurrou:

- Eu tenho que achar... Japão... - suas pálpebras oscilaram - Enquanto... tenho tudo... devagar aqui... - pude perceber uma lágrima solitária correr pelo seu rosto, enquanto sua voz baixava ainda mais - Eu esqueci... outra vez...

            E, quando seus olhos se fecharam, eu sabia que o rosto que ele levava consigo no último momento não era o meu. E eu não o culpava por isso.

            ...mas, mesmo assim... era justo ele me deixar para trás?

- ...China? - até tentei chamá-lo, mas eu sabia que era inútil e que não conseguiria alcançá-lo mais. Mas o silêncio foi mais doloroso do que todo o resto.

            Sozinho. De novo. Isso era triste.

- Mesmo... nessa casa... - fechei os olhos, por fim, cansado de ver tudo aquilo e de ter que ser o único a encarar aquela realidade - ...fiquei sozinho outra vez...

            Mas, quando fechei os olhos, eu os vi. Todos eles. E eles sorriam para mim.

            E, enquanto a dor desaparecia e o mundo se dissolvia ao meu redor, eu corri na direção deles. Sorrindo, também, caminhando sob o sol cálido de um mundo que, mesmo que fosse apenas uma última e abençoada alucinação antes da minha morte, era muito mais belo e agradável do que a realidade.

            Um mundo em que todos estavam, também. Em que meus amigos sorriam para mim.

            Um mundo em que eu não precisava mais estar sozinho.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Hetaoni: The Very Last Moment" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.