Melancolia Branca escrita por Kichi
“Ao cruzar caminhos que podem facilmente sucumbir deste modo
Então isso é mais frágil do que eu posso expressar
Vagarosamente eu estou sendo embalado pela tristeza
Isso não é refletido nos sorrisos que eu sempre retribuo
O que eu farei com essa melancolia?”
Shiroki Yuutsu – the GazettE
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Reita se esgueirou entre as portas brancas da sala de cirurgia e suspirou pesadamente, a vontade antiga de fumar retornando numa onda quase dolorosa. Encarou o relógio de pulso e logo se dirigia à própria sala, já sem máscara, luvas ou o avental que usava antes de operar um paciente. Sem bisturis ou materiais de sutura. Mas havia outra coisa que também perdera ao deixar o ambiente de trabalho. E esta era irrecuperável.
Pela primeira vez em oito anos de uma promissora carreira, Reita via-se sem calma.
Oito anos em que tivera tantas vidas nas mãos, tanta esperança e tanto sangue, que era fácil se esquecer dos números e das sensações. Apenas o vazio sentimental ondulante e os comandos que surgiam prontos, assim como o movimento preciso das mãos e os olhos atentos, vendo sem ver, confirmando os acertos. E assim permanecia.
Mas isso foi antes, quando não era Aoi deitado sobre uma maca de hospital, lhe pedindo num suspiro de fragilidade irreconhecível que fosse ele a operá-lo. Ele a retirar o tumor que descobrira no cérebro há algum tempo. Ele que antes lhe rasgava as roupas e puxava os frios negros em prazer, raspando e esterilizando, cortando e abrindo, quebrando e buscando o mal. O mal que fizera do sedutor Aoi o menino Yuu, o mesmo mal que o forçara a deixar de ser amante para se tornar Suzuki Akira, cirurgião chefe.
Mal este que via em si próprio ao deixar a sala cirúrgica, completamente hesitante depois de muito tempo. Sentia-se um universitário ingênuo, de toque trêmulo e inexperiente, temeroso pelo próximo erro a ser cometido. Só que a força com que a realidade o atingia era quase cruel demais. E Reita sabia que, se houvessem falhas, as conseqüências seriam muito mais sérias do que a expressão reprovadora de um professor.
Ele perderia Aoi, e com o mesmo, todos os sorrisos divertidos, as palavras e gestos ousados e os toques tímidos contraditórios.
Perderia o ar. E tinha plena consciência de que, por mais que os médicos afirmassem que sem ele o ser humano fosse capaz de sobreviver alguns segundos, Akira não se deixava iludir.
Morreria no mesmo instante.
Sentou-se na poltrona macia e manteve a expressão impenetrável, encarando os próprios sapatos enquanto se dava conta de que a calma perdida não cedia lugar à raiva, mas ao branco asfixiante da nulidade. Fizera o que havia de ser feito como profissional, mas agora, como amigo e amante, esperar que a cirurgia tivesse um resultado positivo, que o tumor houvesse sido completamente removido e que o moreno logo se recuperasse era assustador.
Sentir, sentar, chorar e esperar, ao invés de agir. O branco da confusão, não o preto da ordem.
Aquela era mais uma das primeiras vezes da vida de Reita, e o loiro esperava que estas parassem por ali. Porque afinal, estava acostumado a lidar com os problemas dos outros, não os seus próprios.
E a melancolia, que se infiltrara em seus ossos como um vírus, era verdadeira demais para que pudesse ignorá-la.
Branca como as paredes do hospital.
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Owari
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Review, ok?A kichi lhe oferece todo o amor do mundo em troca e ♥