Alterego escrita por Gavrilo, Drablaze


Capítulo 11
Capítulo 11




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Chocada pela acusação feita por Daisuke, Natt nem teve tempo de se defender quando algo surgiu de seu corpo. Era si própria, ou ao menos parecia ser. O clone fitou ambos demoradamente, voltando-se ao garoto com um sorriso aprovador:

— Muito bom, você me pegou mesmo. Então, pronto para a segunda fase do jogo?

Em um estalo de dedos, a segunda Natt provocou a destruição não apenas da cidade, mas do cenário como um todo: casas desabavam, o chão tremia e rachava-se, o céu partia-se em estilhaços e caía e logo constatou-se um total vazio. Após um novo estalo, Daisuke e Natt, a verdadeira, despertaram em uma espécie de câmara.

Não sabiam onde estavam nem como foram parar ali, mas com certeza queriam deixar o local o mais rápido possível. Era um quarto enorme, que com sua imensidão branca configurava um cenário absolutamente assustador. Isso desconsiderando o cadáver jogado em algum canto, o qual inicialmente nenhum dos dois havia notado.

Naquele mundo, o mais assustador era definitivamente a luz. Mesmo antes daquela loucura toda, Daisuke desejava apenas passar sua vida inteira no escuro, nas trevas da ignorância. Na escuridão o homem só precisa preocupar-se com o que está imediatamente à sua frente, a fim de não tropeçar nem esbarrar em nada. O resto é pura especulação.

Assim vivia a maior parte da população: enclausurados em seus pequenos domínios, eram como reis. Contanto que tivessem três refeições por dia e entretenimento, não tinham motivos para questionar o estado do mundo. Há tempos haviam perdido a visão e agora restavam apenas buracos no lugar dos olhos, matando à pauladas qualquer um que ousasse profanar o abismo com o menor resquício de luz.

Imagine se de repente o homem fosse levado a um lugar onde a luz reinava e impiedosamente revelava tudo o que nunca sonhou em ver? Onde milhares de caminhos abriam-se e não havia respostas certas ou erradas? Onde todos podiam vê-lo e investigar seus defeitos? Seus olhos não estariam acostumados e ele cairia em desgraça, cobrindo o rosto em reflexo à dor e tentando criar uma nova escuridão.

Aquela era a luz, a verdade por trás das trevas, e bem mais assustadora.

— Sem dúvidas estamos em algum centro de pesquisas da Aliança; reconheceria esta estrutura e mecanismos a milhas de distância... — apontou Natt, olhando ao redor até um certo ponto no chão chamar sua atenção — não que fosse preciso muito para saber.

Daisuke só se deu conta do cadáver após a observação feita, estando com a mente em outro lugar. Precisavam sair de lá, mas estava sem ideias. Natt pareceu adivinhar e disse:

— Às vezes você parece se esquecer de quem está ao seu lado, Daisuke. Isso é meio perigoso, sabe? Por exemplo, eu sugiro não se mover nem um centímetro.

Natt sacou sua pistola e atirou repetidamente em um ponto no chão à frente de Daisuke, revelando uma grande estaca de madeira que emergiu perfurando o piso branco. Alguém — ou algo — pareceu ter notado a comoção e se aproximava rapidamente da sala na qual estavam.

— Legal, é nossa chance de sair daqui — anunciou Natt, apesar de não haver nenhuma porta ou meio aparente de saída —. Acha que podemos sincronizar nossos campos de novo? Vai ser mais conveniente de conseguirmos fazer o mínimo de barulho possível.

Sem objeções, o garoto obedientemente seguiu as instruções e ambos expandiram seus campos simultaneamente, com as vibrações distorcendo o ar e produzindo um ruído não muito agradável. Logo em seguida ouviu-se uma pancada, seguida de um "crack", outra pancada e outro "crack", outra pancada e... dessa vez não teve "crack". A parede simplesmente se abriu e através da fissura passaram estranhas máquinas.

Não eram oponentes particularmente formidosos, mas foram construídos de forma que pudessem ser produzidos em massa e rapidamente esgotassem os oponentes. Para fugir da maneira mais eficiente, seria necessário economizar o máximo de energia possível até chegar à sala de controle central e desativar as máquinas e armadilhas. Ou seja, nada de alterego.

Daisuke captou a mensagem e junto com Natt pulou sobre os robôs e passou pela fissura, avistando um corredor branco com inúmeros caminhos. Imediatamente correram em direção a qualquer um deles, pois todos levavam à sala central em última instância. Perceberam estar sozinhos, mas não se descuidaram e mantiveram-se atentos até chegarem a uma nova sala, repleta de brinquedos e bugigangas espalhadas.

Natt aproximou-se da porta oposta e notou um dispositivo com um visor e botões implantado na parte inferior dela, provavelmente a fim de liberar a saída apenas com a senha correta. Estranho, não se lembrava disso. Ouviu-se então o ruído de alguma coisa vinda do alto e a porta posterior se fechando. Ao olhar para cima, os jovens viram o teto espinhoso lentamente descendo em suas direções. Ah, disso se lembrava.

Sem perder um segundo sequer, começaram a procurar por pistas em todo canto, revirando e examinando cada detalhe. Logo já havia passado muito tempo — embora tenha parecido apenas poucos segundos — e em breve virariam queijo suíço se não tentassem algo diferente. Nesse momento Daisuke decidiu olhar para cima mais uma vez e percebeu um espaço liso, sem espinhos, em um ponto.

Correu desesperadamente junto à garota e achou uma espécie de código escrito no local, para a infelicidade de Natt, que presumiu tratar-se de uma linguagem de programação antiga e de baixo nível. Daisuke conhecia a linguagem e sabia que não era de baixo nível, mas no tempo atual a programação era tão automatizada que o programador dificilmente se preocupava com qualquer questão relacionada ao computador a nível operacional e tinha apenas o trabalho de pensar.

De fato, a promessa para o futuro era automatizar inclusive o raciocínio, produzindo softwares complexos a partir das especificações do usuário; não mais programador. Daisuke não gostava dessa ideia, apesar de antigamente ter pouco interesse em computação. Masaru, entretanto, obrigou-o a aprender uma linguagem de programação para "ajudar em um projeto"... que nunca foi concretizado aliás.

Como a figura de Masaru era sempre obscurecida pela de Evige, Daisuke simplesmente ignorou a lembrança e rapidamente determinou o retorno da função escrita. Agachado devido ao pouco tempo restante, decidiu arrastar-se ligeiramente e inseriu o resultado no dispositivo, que acionou a porta e permitiu a estreita passagem dos fugitivos por baixo.

Sem olhar para trás, ambos viram-se em um corredor cujas paredes estavam repletas de buracos dos quais emergiam e se ocultavam lanças pontiagudas, repetidamente. Bem à sua frente estavam máquinas, que pareciam mais sofisticadas que as anteriores e os fitavam, aguardando por alguma coisa. Natt observou que, embora sem dúvidas estivessem em terreno da Aliança, foi modificado por alguém.

Seja lá quem fosse, provavelmente gostava bastante de jogos sem graça, a começar pelo fato de os primeiros robôs não os terem seguido, como se fossem apenas inimigos de fase. Aliás, lembrou-se daquela frase anterior: "Então, pronto para a segunda fase do jogo?". De qualquer forma, tinham tempo para descansar e elaborar algum plano antes de tentar passar pelo corredor.

Como no desafio anterior, observaram um dispositivo fixo em uma parede, próximo às máquinas. Já que seus oponentes eram mais formidáveis e dificilmente podiam ser derrotados com armas, Natt voluntariou-se a cuidar deles enquanto Daisuke tentava acionar o dispositivo. Assim que tomaram um passo à frente, foram atacados pelo grupo.

Natt corria agachada pelos inimigos, com movimentos rápidos que de alguma forma pareciam danificar suas bases de sustentação, seguidos por golpes potentes que lhes arrancavam a cabeça. Mal terminou o serviço e outra horda surgiu sem aviso, pegando-a desprevenida e obrigando uma postura mais evasiva. Enquanto isso Daisuke tentava descobrir a senha; em vão, pois ela já estava inserida.

Ao socar a parede em sinal de frustração, o jovem percebeu um prego caindo e, de fato, viu que havia vários deles mal-colocados ao redor do dispositivo. Daisuke apoderou-se de uma pequena adaga convenientemente posicionada e, assim que a tocou, esta mudou de forma e tornou-se uma chave de fenda. Ao terminar seu trabalho, os pregos estavam como deveriam estar e tudo, inclusive as máquinas, foram desativadas.

Os companheiros passaram por mais algumas desventuras menos perigosas até chegar ao destino: a sala de controle central. Lá foram recebidos por uma estranha figura com um kimono branco e palito entre os dentes, que os congratulou:

— Parabéns, chegaram ao save point! ... É o que eu diria, mas infelizmente a vida não permite esse mecanismo. Permita-me perguntar, caro Daisuke, como descobriu o segredo para passar da primeira fase?

— Não sei como você sabe meu nome e nem quando te dei permissão para usá-lo, mas foi relativamente fácil perceber algumas coisas no decorrer do tempo.

Daisuke não notou o momento exato, mas suspeitou que estava em algum campo inimigo quando Natt falou sobre interferência magnética atrapalhando o funcionamento do GPS. E de fato, o principio da habilidade que os prendeu era manipular os sentidos das vítimas por meio de ondas eletromagnéticas distribuídas em um campo. Assim, o garoto discretamente usou suas próprias ondas para proteger seus cérebros de danos.

Sendo uma habilidade de alterego, mantê-la por muito tempo em uma região extensa exigiria uma energia vital inimaginável em um ser humano. Mas não em mais de um. Os soldados vistos antes talvez estivessem até vivos, mas com grande parte de seus nutrientes absorvidos para manter o campo. Se morressem, é provável que simplesmente virassem pó.

No primeiro dia, Daisuke notou que Natt saiu sem ele e estava indo em direção à saída. Estranhando o comportamento, suspeitou que o inimigo estivesse com sua atenção voltada à garota, mas por sorte esta conseguiu resistir ao controle. Em um estado quase delirante, Natt se livrou da morte certa e com isso criou um "absurdo" naquele mundo, provocando o reinício.

Com isso, concluiu-se que o inimigo também estava sujeito às regras do jogo e não tinha total controle sobre a situação. Seu papel seria guiar os outros jogadores ao desgaste mental, como um pesadelo. E para livrar-se de um pesadelo, basta obter a compreensão de que não passa de um mundo criado pelo sub-consciente. Similarmente, Daisuke tentou explorar a mecânica do mundo para obter a compreensão total.

Constatou que o inimigo os observava por meio de Natt, ocupando o mesmo espaço ao mesmo tempo que a garota, sem esta perceber. Isso mostrou-se possível no "experimento da rosa", já que por um intervalo de tempo havia duas rosas nessas condições. Ainda nesse experimento, permitiu-se ser morto, mas não morreu porque sabia que não era a morte física. Este foi o segundo absurdo.

Também achou interessante a fala do prefeito: "sabia que viriam e cometeriam algum deslize, então pacientemente esperei". Ou seja, enquanto eles não tivessem decidido se sairiam da cidade ou iriam à prefeitura, o prefeito estava tanto na saída quanto em seu gabinete. Similarmente, como o prefeito queria manter a comoção pública mínima, nem todos sabiam que sua família estava morta.

Aproveitando-se disso, Daisuke criou o último absurdo e enfim destruiu os alicerces do jogo. Precisava apenas desmascarar o culpado e tudo estaria terminado; ou pelo menos a primeira fase. Mas por que todo aquele processo só para matá-lo? E por que ele?

— Bravo, bravo! — elogiou o desconhecido, com uma risada visivelmente divertida — Mil perdões, mas tinha que ser você. É o que Maxell Gumendi determinou...

— Maxell Gumendi!? — interrompeu desesperadamente Natt, o que espantou inclusive Daisuke — O que você sabe sobre ele?

— Oh, tinha me esquecido de você. Gostaria muito de falar sobre o mestre, mas não dá não.

— Então eu vou te obrigar a falar!

Com duas pistolas, Natt partiu em frente, disparando projéteis enquanto se aproximava furiosamente. Percebendo que o homem se desviava sem problemas, partiu para o mano-a-mano e tentou nocauteá-lo com sucessivos ataques a pontos vitais, mas o oponente rapidamente a imobilizou com uma técnica de estrangulamento. 

Quando Daisuke correu para ajudá-la, a garota já havia desmaiado e foi arremessada em sua direção. O estranho então acionou alguns botões no computador e um vão se abriu no teto, permitindo sua fuga. Antes que Daisuke pudesse fazer alguma coisa, ouviu uma sirene e uma voz que dizia:

— 30 minutos para a auto-destruição. 

Lembrando-se do que a companheira havia mencionado, as únicas salas acessíveis pelos corredores eram a sala onde estavam inicialmente e a sala de controle, além das armadilhas, sugerindo que deveria haver passagens secretas levando à saída. Tentou quebrar o teto e a parede com suas armas, uma por uma, mas eram muito resistentes e logo desistiu. A solução seria procurar a passagem secreta. 

Passagem secreta, passagem secreta... Claro! A primeira sala de armadilhas consistia em um teto descendente, portanto, no momento ela deveria estar sem teto e possibilitar a fuga por lá. Tudo o que tinha que fazer era... mas espere, por que tudo estava tremendo e parecia estar se movendo? Porque não parecia: estava se movendo. A voz novamente fez seu anúncio:

— Mudando a configuração do mapa em 3... 2... 1. Configuração alterada. 25 minutos para a auto-destruição.

E agora? É verdade que todos os caminhos levavam à sala central, mas cada um tinha armadilhas diferenciadas. Se com duas pessoas já seria necessária uma quantidade exorbitante de tempo aliada à muita sorte, como poderia vasculhar todos os caminhos sozinho e tendo que carregar Natt? Observando o mapa, infelizmente sem informações sobre as armadilhas, Daisuke conseguiu delimitar um plano para reduzir o tempo. Mas ainda estava sozinho.

— É uma ótima ideia — proclamou uma voz misteriosa que se aproximou de súbito.

O autor da voz era alto, com roupas casuais e uma máscara de raposa que lhe cobria toda a cabeça, provavelmente com algum dispositivo para distorcer a voz. Junto dele vieram muitos outros companheiros, todos com máscaras de raposa. 

— Quem são vocês? — questionou Daisuke.

— Não creio que esteja em posições de duvidar de alguém, amigo — respondeu o bizarro sujeito —, mas se quiser podemos ajudá-lo. Descobrimos este local justamente pela passagem a que se refere, então podemos confirmar que leva à saída. Eu e meus homens faremos o possível para cumprir a missão, enquanto você pode coordenar tudo daqui.

Dito e feito. Sem acreditar no que ouvia, Daisuke achou a saída com tempo de sobra, em apenas 10 minutos. Em quanto tempo ele e Natt fizeram o percurso por um único caminho? Bem mais, com certeza. Terminada a operação de resgate, seus salvadores apresentaram-se como "seguidores de Maxell Gumendi", mas aquele que o pôs em perigo era apenas um membro renegado que não tinha mais vínculos ao grupo.

— Não podemos dizer muito agora, mas nossos objetivos são exatamente os mesmos, Kubo Daisuke. Também somos procurados por contrariar a Aliança e queremos revelar a verdade ao mundo e retornar tudo a como era antes, como era na sua época. Mas não se sinta forçado a participar, até porque devemos nos encontrar novamente no futuro. Sua amiga também é bem-vinda, naturalmente.

— Espere só um momento, como você sabe tanto sobre mim?

— Pelas Profecias do mestre Gumendi. Se não acredita em nós, leve esses fragmentos com você e veja por si próprio. E se quiser encontrar Evige, continue viajando ao norte.

Sem saber o que pensar, Daisuke amassou os papéis recebidos e jogou em algum lugar da mochila, carregando Natt até um lugar onde pudessem passar a noite. Enquanto isso, os homens mascarados foram abordados pelo responsável pelo ataque de antes. O líder do grupo decidiu falar:

— Devia ter mais cuidado com a quem mostra sua face, senhor. E seu jogo quase custou a mente de Daisuke e uma garota que não tem nada a ver.

— Ah, deixe isso de lado por um instante — respondeu jocosamente —. É verdade que me deixei levar e usei pouco mais de 30% da intensidade máxima, mas naturalmente o escolhido se preveniu e não deve ficar com danos permanentes. Entretanto, ainda precisa passar da terceira fase do joguinho para sobreviver... Talvez já esteja começando, aliás. Que pena que não vou poder ver!

— Parece que ignorou a última parte, então digo mais claramente: precisava envolver aquela senhorita?

— Não — imediatamente mudou de tom —. Não, não precisava, e nem você. De fato, esqueça que ela existe. Natt Synd... poucas pessoas podem imaginar o que tipos como eu e ela passamos. Notei isso enquanto estava entediado e decidi vasculhar um pouco em sua mente. Não quero que outro, principalmente alguém tão novo, siga o caminho que escolhi. Acima de superior, requisito como amigo: evite contato com aquela garota.

O homem vestiu sua máscara, tomou a dianteira e disse, novamente em tom de brincadeira:

— E não precisa se preocupar: a maravilhosa Aliança já fez o favor de bagunçar toda a estrutura cerebral dela bem além de minhas capacidades.


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