Lembro-me de tudo como se tivesse acontecido ontem; as brigas, os socos, os risos, as piadinhas, as brincadeiras, as travessuras, a inocência contida em doces olhares de criança. Como já disse, tudo.

Eles eram amigos antes mesmo de eu nascer, desde pequeninos. Acho que o fato de serem youkais ajuda bastante, mas isso é irrelevante agora. A amizade dos dois não fora sólida o suficiente para suportar a diferença financeira, as diferentes personalidades e o incompreensível e inacreditável amor que ambos sentiam por uma tola humana. Eu.

Recordo-me de quando descobri esse "segredo". Era um fim de tarde, saí para colher flores perto de casa. Eles estavam brincando, jogavam uma bola cor-de-rosa, que mais me parecia um chiclete gigante, enquanto riam e se divertiam como meninos de dez anos sempre fazem. Eu os observava de longe, enquanto enchia minhas mãos de girassóis.

Tudo estava correndo como de costume, até que Kouga, o pequeno youkai lobo, propôs uma corrida. Ele tinha olhos azuis e um sorriso confiante, os cabelos negros, quase tão longos quantos os meus, presos num rabo-de-cavalo. Este era filho do chefe da vila, era rico e materialista. E Inuyasha, o pequeno hanyou cachorro, aceitou. Este tinha os longos cabelos prateados e orelhinhas brancas no topo da cabeça, os olhos âmbares, ou dourados, um tom vívido, um olhar sempre satisfeito, mesmo sendo órfão de pai. Era bastante humilde, mas valorizava tudo o que tinha, aprendia aos poucos os valores da vida.

Começaram a correr. Nossa, corriam numa velocidade monstruosamente absurda! Quando eu era pequena, dizia que estavam a mil quilômetros por hora... Tudo bem, não eram tão rápidos assim, mas eram velozes, sem perder o jeito de moleque. A corrida estava normal, até que... Inuyasha tropeça e cai.

"Maldita pedra..." sussurrou para que somente ele ouvisse.

Kouga ria satisfeito, enquanto o pequeno meio-youkai debulhava-se em lágrimas, molhando a verde relva que se estendia pelo enorme campo.

" Eu deveria ir ajudá-lo. Coitado, está tão triste... " pensei. Larguei as flores e corri na direção deles. Quando já estava bem próxima, pus uma mecha de meus longos cabelos negros e ondulados atrás da orelha e estendi a mão para Inuyasha que permanecia deitado na grama. O choro cessou. Os risos cessaram.

Inuyasha segurou minha mão e se levantou com minha ajuda, enquanto Kouga estava esbabacado ao  meu lado.

- Obrigado, - disse baixinho. Seu rosto estava sujo. Ele usou seu braço como toalha para limpar suas bochechas cobertas de terra. - O meu nome é Inuyasha.

- Oi, Inuyasha! - falei alegremente - O meu nome é Kagome. Prazer em te conhecer! - estendi a mão para que ele a apertasse.

- E o meu nome é Kouga, - o youkai disse apertando a minha mão e sorrindo feito um idiota - Prazer em te conhecer também, Kagome.

- Eu não perguntei o seu nome. Nem falei com você! - disse com inocência, puxando a mão que o outro apertava.

Ei, calma! É uma excelente resposta para uma menina de sete anos... E quando eu o disse, seu sorriso desapareceu misteriosamente, mas um surgiu nos lábios do hanyou.

Saí vagarosamente, voltando-me para minhas flores que estavam no chão, exatamente onde havia as deixado. Mesmo de uma certa distância, pude ouvir a tola discussão que os dois tiveram:

- FIQUE LONGE DELA, ELA É MINHA GAROTA! - gritou enfurecido o youkai completo.

- QUEM DISSE QUE A KAGOME É SUA GAROTA? - respondeu o hanyou no mesmo tom.

- ACABEI DE DIZER, SEU FEIO! TUDO O QUE EU QUISER É MEU! MEU! MEU! MEU PAI É O CHEFE DA ALDEIA E ELE PODE ME DAR QUALQUER COISA!

- NÃO É VERDADE!

- É SIM! CLARO QUE É!

- NÃO É! Você não pode comprar a Kagome. Nem o amor dela. - abaixou o tom de voz com uma expressão séria.

O silêncio brotou em meio à eles, assim como as lágrimas nos olhos de Kouga. Este empurrou o amigo que estava um pouco sujo com o quimono rubro.

- EU... NÃO GOSTO MAIS DE VOCÊ, SEU HANYOU! NÃO SOMOS MAIS AMIGOS! E... E... ESSA BOLA É MINHA! - ele saiu correndo com a bola, indo para sua casa, onde poderia chorar em paz.

Me senti horrível depois disso. Estavam brigando por mim! POR MIM! E eu nunca me achei muito bonita... O que tenho de especial? Nada. Essa é a resposta.

Ouvi minha mãe me chamar e segui com passos lentos em direção à minha choupana, mas parei ao ouví-lo gritar meu nome:

- KAGOME! KAGOME! - Inuyasha correu até que parou alguns metros na minha frente. - Eu só... Queria dizer 'adeus'.

Ele encarava o chão, provavelmente fitando a própria sombra. Era tão fofo. A timidez dele me fazia rir.

- Tchau. - disse por fim antes de me esconder atrás de minhas flores.

O meio-youkai olhou-me com aqueles lindos olhos âmbares e deu um sorriso tímido e satisfeito, e eu fiz o mesmo.

O sol estava se pondo no horizonte, enquanto a Terra ganhava um tom de alaranjado, assim como o céu, e a escuridão ia tomando conta do lugar. Senti como se não tivesse conhecido somente um hanyou, e sim, um amigo.

Jamais imaginei que Kouga e Inuyasha fossem ser tão infantis ao ponto de nunca mais se darem bem na vida, diferentemente de Inuyasha e eu, que viramos grandes amigos.

-------------------------------------------------------------------------------------

- Kagome? - ele disse ao meu ouvido.

- Hmm? - fitei seus olhos dourados por um instante. - O que foi?

- Ficou quieta de repente...

- Ah, - ri - É que eu estava pensando numas coisas aqui...

- Uhum, sei... Estava pensando naquela história de novo, não é? - ria com um sorriso satisfeito.

- Ah, Inuyasha! Pare com isso! É uma história linda... E PARE DE ME CONHECER TÃO BEM! ISSO IRRITA, SABIA? - não conseguia parecer brava junto dele.

Rimos.

- Sabe, Kagome... Você é muito especial, sabia?

- Sabia... Não. - corei violentamente.

- Mas agora sabe. - sussurrou. - Eu te amo.

Era a primeira vez que havia ouvido aquilo vindo dele. E espero que não seja a última.

Estávamos em cima de um enorme precipício, a brisa brincava com nossos cabelos enquanto fitávamos o horizonte com sorrisos abobalhados. Ele estava com o braço sob meu ombro esquerdo, num tipo de abraço. Nem parecíamos ter crescido, sabe? Continuávamos com espírito de criança... O mesmo espírito do dia em que nos conhecemos.

É, mesmo havendo passado oito anos desde aquilo, não esqueço de nenhum detalhe, afinal de contas, nós temos um passado, um presente e espero ter um futuro, sempre ao lado dele. Sempre juntos. Sempre unidos. Desde sempre, para sempre. Como sempre...