Treina Comigo escrita por Carlos Abraham Duarte


Capítulo 15
Dançando Sob Um Estranho Luar




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Meia-noite no Paraíso dos Monstros.

Uma lua cheia enorme e amarelada - 15% maior e 30% mais luminosa do que a que vemos no mundo dos humanos - resplandecia no céu noturno azul-escuro e sem estrelas, perto do horizonte oeste. No entanto, sua beleza apequenava-se em comparação com outra visão, ainda mais estupenda, no horizonte oposto: uma lua alaranjada, com um diâmetro mais de oito vezes superior ao da Lua cheia vista da Terra e mais de duas vezes superior ao da Terra vista da Lua, beirando o horizonte leste, e, quase no zênite, um planeta gigantesco, mais de 90 vezes maior que a Lua terrana, marcado de luzes brilhantes na forma de cinturões, zonas e manchas de tom laranja e marrom que girava "deitado" na medida em que flutuava dentro do espectral círculo cinza opalescente dos seus soberbos anéis que acompanhavam essa posição sui generis, circundando o equador da bola de gás gigante "tombada" por causa da enorme inclinação do eixo de rotação (tal como acontece com Urano, o gigante joviano "torto" do Sistema Solar).

Um cenário surreal.

Duas figuras posicionavam-se frente a frente, de pé, nas formações rochosas salpicadas de crateras de aparência lunar ou marciana do pequeno vale de Pumayyaton, não muito distante das Colinas Gan, onde se localizava o Portal da Gruta dos Cristais Arco-Íris (a conexão interdimensional e multidimensional entre aquele mundo "encapsulado" dentro de um universo-bolha flutuando entre a 5ª e a 6ª dimensão e uma das salas nas profundezas da Academia Youkai). O atrito da areia levada pelas águas límpidas, transparentes e frias do Rio Akish contra as massas pétreas havia esculpido formas fantásticas e indescritíveis, que, sob a luz do tríplice luar ambarino, davam a ilusão de bestas disformes na iminência de se precipitarem sobre as duas silhuetas posicionadas em meio às piscinas naturais, buracos e grutas da paisagem agreste e exuberante daquele mundo ultraterrestre.

Mestra e discípulo.

Moka Akashiya e Tsukune Aono.

– Certo, Tsukune. Vamos começar com uma sessão de alongamento e aquecimento. A ideia é flexibilizar as articulações, agilizar os músculos e assim preparar o corpo para os exercícios pesados. Você está pronto?

Estas palavras foram ditas num tom frio pela temida Moka Interior. A vampira nobre de longos cabelos cor de prata e olhos carmesim trazia enrolado em seu braço o Belmont, o chicote feito por meio de alquimia que tinha o poder de cancelar qualquer magia arcana, dessa maneira tornando possível à personalidade guerreira de Moka tomar posse do corpo sem que o selo sagrado da cruz do rosário fosse removido. Nazo Komori, o morcego transmorfo que era o familiar de Kokoa, estava pousado na sua cabeça (Moka, que pesava 47 quilos, concentrava certa quantidade de youki em seus ossos, músculos e pele, dando-lhes a resistência do aerografite, o que lhe permitia aguentar na maior tranquilidade os cem quilos de peso Kou-chan na cabeça, chu!).

– Sim, Moka-san - Tsukune respondeu com convicção. Desta vez o rapaz humano vestia-se com um casaco e calças de ginástica, na cor cinza-grafite, e tênis brancos. Embora não quisesse admitir, experimentava um misto de inquietação com ansiedade sempre que a perspectiva de treinar pesado com a vampira Moka se apresentava diante dele. "Hoje eu vi a morte de perto pelo menos meia dúzia de vezes, nada mais me abala!", pensou, tentando assim tranquilizar-se.

Ele estava redondamente enganado.

Após uma série de rigorosos alongamentos dinâmicos e estáticos, cada qual com a duração de 20 a 30 segundos, Tsukune viu-se obrigado a encarar um não menos rigoroso aquecimento muscular, que durou quinze minutos. A elasticidade de sua musculatura foi exigida até os seus limites máximos. Que nem na noite anterior. E não é nem introdução ao treino, ainda.

O pior, ele o sabia muito bem, estava por vir.

Moka o mediu com um olhar penetrante e feroz. - Primeiro, libere seu youki - disse ela. Ao perceber a energia youkai liberada por Tsukune sob a forma de leve aura demoníaca, a vampira prosseguiu de modo autoritário: - Agora faça quinhentas flexões de braços seguidas.

– Quinhentas sem parar...?! - Tsukune sobressaltou-se. - Logo de cara?

– Tem algo contra? - redarguiu Moka, ligeiramente irônica.

– Até ontem eram cem flexões sem parar - protestou Tsukune.

– Ora, Tsukune, qualquer mortalzinho à-toa é capaz de fazer cem flexões de braços consecutivas. Como espero mais de você, um ghoul, do que de um mero mortal, posso ser e serei especialmente dura com você. QUINHENTAS FLEXÕES, JÁ!

As últimas palavras foram proferidas usando a voz vampírica de comando, simplesmente irresistível para os não-vampiros. Ato contínuo, Tsukune se abaixou e pôs-se a executar as flexões de braço conforme lhe fora ordenado por Moka.

– Um, dois, três, quatro, cinco... - ele recitava, para manter-se focado no exercício.

Tsukune sentiu um peso extra de 147 quilos sobre suas costas, e percebeu, assombrado, que Moka estava acocorada em cima dele, lendo despreocupadamente o Tao do Jeet Kune Do, de Bruce Lee, tendo Kou-chan empoleirado na cabeça.

"Moka-san, que é que cê tá fazendo? Por que tá nas minhas costas?", Tsukune questionou mentalmente, sem, contudo, interromper o exercício excruciante e enrijecendo seus músculos e sua pele com youki.

– Eu te incomodo? - perguntou Moka, com indiferença.

– N-Não, tudo bem - tartamudeou Tsukune. Havia feito cem flexões em menos de um minuto no treino anterior, e 103 em um minuto. "Eu vou te mostrar, Moka-san", pensou, comprimindo os lábios. "Vou fazer o meu melhor...!"

Depois de um minuto torturante, que parecera durar horas, Tsukune completara trezentas flexões consecutivas. Sua respiração começava a ficar ofegante, seus braços queimavam de tanto esforço (somado ao peso extra de Moka e Kou-chan em suas costas).

Ele parecia prestes a desabar. Foi quando a voz peremptória da vampira se fez ouvir:

– Já chega por enquanto. Não vai conseguir mais que isso.

Com estas palavras, ela desceu das costas do rapaz, que soltou um suspiro aliviado.

– Amanhã você deve completar 300 flexões seguidas, após fazer séries de 100, 50 e 50 repetições, com pausas de 45 segundos - disse Moka, sem mostrar qualquer emoção. - Aprenda a conhecer seus limites, Tsukune, e supere-os a cada dia - ou a cada noite - para jamais cair.

Acrescentou, irônica: - Afinal, não se pode exigir de um mero humanozinho "vitaminado" o mesmo desempenho que só um supervampiro de sangue puro teria.

Tsukune esteve prestes a dizer qualquer coisa, mas preferiu ficar calado. Sentia um incômodo na parte da palma da mão perto do polegar.

– Da próxima vez que fizer flexões, deixe as mãos aquém da largura dos ombros, que ajuda a espantar a dor - disse Moka, parecendo perceber o problema. - E se a dor for do lado oposto, é só afastar as mãos além da largura dos ombros. Simples assim.

Chateado, Tsukune perguntou-se por que sua amiga - agora sua mestra - não o instruíra previamente sobre tudo aquilo, em vez de obrigá-lo a realizar um exercício tão insano quanto exaustivo apenas para interrompê-lo... "Não, não adianta", ponderou. "Quem pode saber o que se passa na mente de uma vampira?"

– Agora faça três séries de cem abdominais isométricos, cada uma com a duração de 60 segundos, com dez segundos de descanso entre uma série e outra - ordenou Moka, cortando seus pensamentos. - Comigo, não, conosco em cima de você (aludindo ao "morceguinho" Kou-chan). Vamos, seu molenga!

Tsukune suspirou. "Decididamente, ela quer me matar!"

Depois dessa rodada de trezentos abdominais - e ainda suportando o peso de 147 quilos de Nazo Koumori e Moka em cima dele - , Tsukune viu-se obrigado a executar três séries de supino reto com halteres de cem quilos cada - na realidade um par de morcegos youkais conjurados por Kou, idênticos a ele, que é seu rei - , numa só repetição. Satisfeita, Moka mandou que ele se levantasse.

– Agora vamos correr por todo o vale - disse ela, estendendo o braço para abranger a paisagem ao redor deles. - Venha, acompanhe-me se puder!

Mal terminara de dizer isso e Moka disparou na corrida pelo labirinto de escarpas rochosas monolíticas, seguida de perto por Tsukune. A vampira de corpo escultural chegava a saltar vinte metros de distância e dez metros de altura com a maior facilidade, sem ofegar nenhuma vez - uma formidável demonstração de youki convertida em poder físico, que Tsukune inicialmente teve dificuldade em acompanhar. Mas então lembrou-se do "truque" com o youki. Concentrou-se, enviando youki para as pernas e pés, dessa forma aumentando mais e mais a sua velocidade, resistência e durabilidade. "O que acha disso, Moka-san?", pensou Tsukune, com um laivo de triunfo. "Posso correr, saltar, quase voar!"

Correndo, saltando e quase voando, quatro largas passadas à sua frente, Ura-Moka parecia-lhe uma deusa etérea, uma sílfide de cabelos prateados ao vento, tão intangível quanto inatingível.

A dupla de corredores sobre-humanos venceu cinco quilômetros em cinco minutos, sem um pingo de suor - como se calçassem as lendárias "botas de sete léguas" do conto de fadas do escritor francês Charles Perrault.

– Até que não está nada mal para um carniçal selado, Tsukune - Moka comentou no tom mais desinteressado que conseguiu forjar. Eles estavam ao pé de uma formação rochosa escarpada com 900 metros de altura, localizada na parte norte do Vale de Pumayyaton. Sem mais rodeios, ela apontou para o imenso monólito de granito e disse: - Agora, quero que escale esta rocha até o topo, usando apenas as mãos e os pés. Novecentos metros, quase a mesma altitude que o El Capitán, no Parque Nacional de Yosemite, nos Estados Unidos.

Tsukune levantou os olhos arregalados para a estonteante escarpa vertical, iluminada pela luz do triplo luar, e suspirou. Ainda tentou abrir a boca para protestar, mas o duro olhar de rubi da vampira rapidamente o dissuadiu. (A capacidade de um vampiro de dominar e influenciar os pensamentos e ações de outrem pela sua própria força de vontade de ferro é uma das mais temidas disciplinas vampíricas, chu!)

– MEXA-SE JÁ!

E assim, sem mais delongas, Tsukune começou a escalar a gigantesca montanha rochosa, com nada mais do que as mãos nuas e uma vontade forte de permanecer vivo. "Concentre-se, Aono Tsukune, concentre-se e mantenha-se focado", dizia para si mesmo, enquanto enviava youki para suas mãos e pés apoiados em estreitas saliências rochosas. "Para o alto e avante!", mentalizou para si o clássico bordão do Superman dos quadrinhos americanos.

Noventa metros, cem metros... Cento e cinquenta metros...

À medida que subia mais e mais alto, apoiado nas reentrâncias do paredão rochoso, sentiu gotas de suor frio nascendo em sua testa e escorrendo por seu rosto. Estava nervoso, e com razão. Pelos seus cálculos, devia estar a pouco mais de 300 metros do solo; e uma queda dessa altitude, ou acima dela, poderia ser fatal até para um humano "bombado" com supersangue vampiresco.

Acima de sua cabeça, assomava o colossal maciço feito de uma única rocha de granito cinzento sobre o qual o disco ciclópico do planeta gigante gasoso vertia torrentes de uma fina luminosidade laranja e bege jamais vista no mundo dos humanos. E pensar que tudo isso foi criado por Mikogami-sama usando Metamagia do Espaço...

Ainda que não houvesse o espectral luar triplo no céu alienígena, as trevas da noite não representariam empecilho à visão noturna superior que o sangue vampiro correndo nas veias de Tsukune ora lhe proporcionava. Caso necessário, poderia ser capaz de ver na escuridão total, assim como Ura-Moka e Kokoa.

"Nossa, não chego nunca no topo...!"

Quando já havia escalado quatrocentos metros do lado mais íngreme do paredão rochoso quase vertical, Tsukune ouviu uma insidiosa vibração de asas e viu projetada contra uma das luas a sombra terrífica de algo reptilicamente esguio e grande, com cornos, cauda e asas membranosas de morcego. Então uma espécie de guincho ou silvo desagradável, fraco, agudo, chegou aos seus ouvidos. Tsukune não teve dúvidas.

Wyvern!

Era de fato um wyvern, ou serpe, idêntico ao que o atacara e à Ruby quando ambos entraram pela primeira vez no Paraíso dos Monstros, dois dias atrás. Agora, porém, que sabia que o réptil alado - como todo o restante dos animais youkais guardados naquela dimensão paralela artificial - não oferecia maior perigo, Tsukune voltou a focar-se na dificílima escalada rumo ao íngreme cume - valendo-se unicamente das mãos e pés para galgar as rachaduras e falhas naturais da rocha. "Sou igual a um cabrito montês", pensou. Sentia o fortíssimo vento noturno gelado açoitar-lhe o rosto sem piedade. "Mas não. Nada de fraquezas."

Depois os guinchos e silvos cortantes fizeram-se mais e mais fortes, mais e mais próximos, bem como o furtivo zumbido e esvoaçar das vastas asas reptílicas circulando cada vez mais perto, mais perto - e Tsukune soube que o wyvern subira beirando o vertiginoso paredão rochoso vertical e ora pairava que nem varejeira, ruflando veloz as imensas asas dracônicas a menos de dois metros de distância logo a seu lado. Da garganta do monstro saiu um rosnado profundo que lembrava o bramido de um crocodilo australiano gigante, perturbando o jovem humano.

"Droga de bicho!"

Foi quando uma voz feminina conhecida, fria com um levíssimo tom de zombaria, soou pelo ar: - Todo cuidado é pouco quando se está escalando um monólito de rocha que é tão liso como o alabastro e tão íngreme como a parede de um quarto. Um passo em falso e adeus, Tsukune!

– Moka... san?! - murmurou Tsukune. Olhou de soslaio e era Ura-Moka quem montava a besta alada de quase cinco metros de comprimento e coloração cinza-marrom a pairar nos ares, batendo furiosamente as asas de morcego com uma envergadura de mais de seis metros. "O que ela tá fazendo aqui?"


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