Hunt Angels escrita por Blante


Capítulo 4
Capítulo 02 - Cadáver de anjo


Notas iniciais do capítulo

E o sangue começa aqui :3



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 Lilith não era uma criança. A idade dos demônios não era dada pelo tamanho do corpo, era definida pelo tamanho das asas. Mas, com aquela aparência, ela realmente parecia um humano filhote. Enquanto andavam na rua - agora iluminada - em direção a alguma outra pousada, Ryuki observava melhor a pequena Shinigami; cabelos negros compridos, era apenas o que chamava sua atenção. Demônios não se sentiam atraídos por humanos logo, aquela aparência não o interessava. Mas, assim como Ryuki era classificado por asiático nos padrões humanos, Lilith seria européia pelas feições delicadas, o que bem lhe caia já que estavam pelas ruas de algum lugar na Europa. O que mais importava era que a garota parecia ter uma personalidade calma, um pouco tímida talvez. Não seria um problema cuidar dela, era o que ele achava.  

  A pousada que encontraram se escondia entre encruzilhadas de becos escuros, estreitos e extremamente sujos. O dinheiro "emprestado" por algum humano distraído - agora sem carteira - só dava pra alugar um quarto, por uma noite. O quarto era um cubículo minúsculo, abafado e úmido, fedia a mofo.

 - Pode dormir ai, se quiser - Ryuki disse apontando para a única cama no recinto.

 Ela respondeu acenando uma vez com a cabeça, num sinal positivo. O garoto pegou um dos travesseiros e se afastou, para lhe dar privacidade, foi em direção à janela, e a abriu. O lugar gritava por ar fresco, mas só fedor vinha daqueles becos. Fechou a janela, seu olfato era sensível demais para aquilo. Viu Lilith se enfiar embaixo dos lençóis e tirou o casaco e a blusa, jogou tudo em cima de um banquinho de estofado rasgado com a esponja amarela aparecendo. Posicionou o travesseiro no chão e deitou em cima, o chão estava um gelo, ele tentou ignorar o fato. Era um cavalheiro e ia dormir ali sem reclamar.

 Ryuki acordou um pouco tarde naquela manhã, aquele maldito corpo o cansava. Ele foi arrastando os passos na direção do que parecia ser um banheiro, mas na verdade era um amontoado de lodo, limo e coisas sujas nojentas. O corpo humano não o permitia dormir como estava acostumado, então ele sentia os músculos das costas e do pescoço doerem, e as pernas dormentes. Ou talvez seja porque ele acordou esparramado no chão frio, de qualquer forma, ele se arrastava ate a porta do "suposto" banheiro, parecendo um demônio-zumbi, ou só um zumbi meio bêbado. Ignorou o espelho embaçado, e passou direto para o que lhe importava. Alivio. Aaah, agora a mente clareava e ele tentou se lembrar do dia anterior, estava provavelmente em algum lugar na Europa… numa pensão barata entre becos… com uma garotinha chamada Lilith… aah, por isso estava dormindo no chão, ela tinha ficado com a cama. Cama? Perai! Ele fechou o zíper e correu ate ficar de cara com a cama pequena e desarrumada, cadê a Lilith? 

 Passou a mão pelo rosto num gesto desesperado. "A onde ela poderia ter ido há essa hora?" pensou. Foi quando se lembrou que não tinha lavado as mãos. Tentou manter a calma e voltou para o banheiro imaginando onde diabos a baixinha estaria. Passou a mão pelo espelho, para limpa-lo e viu sua cara toda amarrotada o encarando cheio de remelas nos olhos, o cabelo dava a impressão que ele tinha levado um choque. Abriu a torneira, lavou as mãos e o rosto. Tentou se colocar no lugar dela, aonde poderia precisar ir? Que tipo de confusão poderia se meter? Imaginou mil e uma coisas, mas ignorou todas elas, ia ficar ali e esperar ela voltar. Passou os dedos no cabelo, torcendo para que ela soubesse o caminho de volta. 

 Foi até o banquinho onde deixara metade das roupas e só encontrou a blusa quase tão amarrotada quanto a sua cara. 

 - Ah, beleza - resmungou.

Tentou abrir a janela de novo, fedia o mesmo tanto que na noite passada. Ele olhou através dela e viu o motivo do fedor, um camburão de lixo se posicionava bem embaixo. Era daqueles verdes, de duas tampas tão nojento quanto o banheiro. Em cima do camburão de tampa fechada, estava Lilith, usando o casaco que era cinco vezes maior que ela, acariciando um filhote de gato branco. Um contraste com o cabelo e com as roupas pretas dela, alem do ambiente escuro dos becos.

 - Ah, ai está você - Ele falou aliviado, ainda bem que ela estava longe de confusão.

 - Ah, bom dia Ryuki - Ela se assustou com a presença repentina dele, mas respondeu com um sorriso sincero - O que tem pra comer por aqui? Nós estamos com fome - ela deu uma olhada rápida pra o filhote de gato.

 - "Nós" não, o xaninho ai está em cima do café-da-manhã dele. Espera aí, que eu já vou descer.

 - Ok.

 Ele escovou os dentes o mais rápido que conseguiu e saiu do quarto. Tentou ir embora discretamente, sem chamar atenção, mas acabou esbarrando no dono da pensão, assim, foi obrigado a pagar. Demorou um tempo para convencer Lilith a ignorar o gato e eles discutiram isso por todo o caminho até a lanchonete.

 - Por quê? 

 - Porque ia dar muito trabalho, e ele pode se virar sozinho.

 - Mas ele é só um filhotinho...

 - E daí que é um filhote? É só um gato! 

Ela pareceu se irritar com a resposta.

 - Como assim só um gato? Um gato é um gato!

Aquilo o pegou de surpresa. Ele não sabia que ela ligava assim para os seres nessa dimensão.

 - Pensei que odiava esse lugar...

 - Odeio! Odeio com todas as minhas forças, mas odeio os humanos e os anjos desgraçados – ela cerrou os punhos -, os outros não têm nada a ver com isso.

Ele resolveu ficar calado. Tinham opiniões diferentes, e ele não queria discutir com ela. 

 - Algum humano vai dar comida pra ele... 

 - Não!

 - Porque não? Com certeza algum humano vai sim...

 - Não! Humanos não fazem isso!

Ele fora interrompido duas vezes, então deixou ela falar.

 - Humanos são repugnantes. Só pensar neles e no que fazem me dá raiva! Ficam esnobando os seres que deveriam proteger, e dês de que foram criados só destruíram esse lugar. E os anjos ainda os apóiam! Odeio mais ainda os anjos, que ficam jogando toda a culpa no plano idiota do meu irmão. Humanos seriam sujos, mesmo se nós não tivéssemos interferido em nada. 

 Ryuki continuou calado, tinha certeza que os humanos só eram sujos, como ela dizia, por causa deles, demônios. Ele lembrava do plano. Eles iriam invadir o Heaven e acabar com a criação dos benditos seres, porem ali havia anjos demais e a única coisa que conseguiram por acidente, foi corrompê-los. Os humanos do jeito que estão hoje não eram desejados nem por nenhuma das duas partes. Os humanos seriam perfeitos, seriam idênticos aos anjos, se não fosse por Lúcifer e aquele plano falho.

 Agora, era desejo dos demônios acabar com a desgraça que tinham feito. Lúcifer dizia ter um outro plano, então ordenou que deveriam caçar anjos. Ninguém gostou da idéia e agora eram obrigados a fazer isso. 

 Silencio.

 Lilith pensava em mais coisas que queria xingar sobre anjos e humanos, enquanto Ryuki pensava sobre ela.

 Shinigami Lilith, sem duvida nenhuma, pensava e agia como uma pobrezinha mimada. Ele nunca tinha ouvido falar antes de um nobre na Terra. Ela apoiava Lúcifer e seus planos, então por que fora banida? O que ela fez? Seja lá o que for não parecia estar arrependida. Ele queria perguntar, estava curioso, mas se conteve. Aquilo provavelmente só atingiria o imenso ego da garota.

 Eles chegaram a uma lanchonete barata, combinava perfeitamente com os becos escuros e com a pousada. Mas, mesmo assim não era tão ruim. Lilith realmente demorou pra entender o cardápio e demorou ainda mais para escolher algo e fazer um pedido, reclamava o tempo todo com a garçonete e fazia questão de xingar todos os ali presentes. Ryuki não se surpreenderia se o café-da-manhã dela chegasse queimado ou cuspido, e quando chegou ela também fez questão de reclamar da comida.

Aquilo já estava enchendo o saco, ele via a hora da garçonete pular no pescoço dela ou tentar enfiar-lhe uma faca pela garganta. E quando ele respirou fundo e de vagar, numa patética tentativa de não se irritar, sentiu um cheiro. Um cheiro doce, que trazia algumas lembranças ruins. Um cheiro doce que lembrava sangue. Um cheiro doce que lembrava anjos.

 Lilith parou uma reclamação antes de concluí-lo, se levantou do banco num salto batendo as mãos na mesa com força fazendo os copos e talheres tremerem de leve, olhou meticulosamente ao redor, sem nem se preocupar em ser discreta e sussurrou um resmungo:

 - Tem um anjo aqui, Ryuki.

 - Eu sei, já senti o cheiro. Agora se senta aí que eu vou chamar a garçonete e pagar a conta, depois nós…

 - Ali! - Ela estendeu o dedo indicador na direção de um garotinho a dois passos da entrada da lanchonete. 

O garoto arregalou os olhos se virou e correu na direção dos becos. Lilith já ia correr atras dele quando Ryuki a segurou pelo braço

 - Você não pode sair correndo assim, seja mais discreta! Eu vou…

 - O que?! Mas tem um anjo aqui! Bem de baixo do nosso nariz!

 - Dá pra calar a boca e me escutar?

Eles pagaram a conta apressados sem quase nem terem tocado na comida e foram novamente na direção dos becos, tentando seguir o cheiro fraco do anjo.

 - Mas que droga! Esses humanos só atrapalham. Se não fosse você e essa idéia sem sentido eu já teria acabado com esse anjo.

Ryuki revirou os olhos.

 - Beleza. Então você vai por ali e eu vou por aqui, quem achar o merdinha primeiro chama o outro, entendeu?

O beco tinha uma bifurcação, o cheiro estava fraco de mais para seguir e Ryuki ainda estava com fome, observar uma Lilith mal-humorada e resmungona seguir pelo caminho da direita, ignorando completamente o que ele tinha acabado de falar, não o ajudava em nada. 

Ele andou observando os cantos menos imundos por ali e procurando um cheiro doce no azedo podre do lixo. Aquilo era meio entediante. 

Mas ele encontrou.

Não estava dando muita atenção para aquilo mas deu pra sentir o cheiro, então ele foi andando bem de vagar sem fazer ruído. Queria pegar o anjo de surpresa e chamar  a Lilith pra fazer o trabalho sujo, talvez ela ficasse menos mal-humorada. Mas o anjinho sentiu o cheiro do demônio e correu, e Ryuki correu atras dele. Para o azar do anjo ele acabou entrando um beco fechado, sem saída. Olhou para atras na esperança estúpida de não ver o demônio, mas ele estava lá. E quando os olhos se encontraram Ryuki congelou no mesmo lugar.

Parecia um filhotinho de humano e era um filhotinho de anjo. Tinha o cabelo castanho claro e os olhos verdes, chorava desesperadamente com abruptos soluços. Era necessário caçar até mesmo os filhotes? 

 - Você vai me matar? 

Quase não dava pra entender, com a voz fraca, o choro e os soluços interrompendo a frase.

Ryuki não sabia se devia responder.

 - Você vai. Você é um demônio. Demônios fazem isso. Vocês matam sem motivo.

O pequeno anjinho gritava as palavras e frases soltas num choro desesperado.

O demônio estava confuso, não entendia mais porque tinha de fazer aquilo, ele não queria fazer aquilo dês de o começo e agora se lembrou mais uma vez do motivo.

 - O que um filhote de anjo como você, faz nessa dimensão?

O anjo piscou, talvez aquele fosse um demônio bom, que não ia matá-lo, que ia deixar ele ir embora sem problemas.

 - Um humano rezou, ele pediu ao Criador que protegesse uma humana, e que ela fosse feliz para sempre. Então eu vim… humanos vivem buscando isso, não é? Eles querem ser felizes, né? Eu quero ajudar.

Basta. Aquilo era demais, ele ia deixar o filhote de anjo ir e pronto. Se Lilith não descobrisse, não teria problema algum. 

Quando deu um passo para trás, já era tarde demais.

Lilith estava ali. E encarava o anjo como um felino observa a presa.

Não deu tempo para qualquer reação.

Suas pupilas se contraíram formando uma única linha fina em vertical, que assim como os gatos, sacrificava as cores pela visão noturna e por um aumento considerável no campo de visão.

Ela rosnou, caninos afiados cintilaram na luz tênue, e todos os dentes de sua arcaria dentaria agora pareciam finos e pontudos, como presas irregulares. As unhas também cresceram, agora eram garras. Ambas, presas e garras, eram como a ponta de uma faca absurdamente amolada.

E ela correu.

Correu incrivelmente rápido, o pequeno anjo se desesperou, e pequenas asas, como as de um pássaro, brotaram de suas costas. Ele ia voar, voar para longe daquele demônio assustador que o perseguia. Porem, antes que o percebesse Lilith já estava voando em sua direção.

As asas apareceram quase que do nada, eram angulosas e pontiagudas como as de um morcego, e ela tinha de dobra-las para caberem entre as paredes da ruela imunda. Era mais rápida que o anjo. E quando o pobre coitado achou que finalmente voaria para o céu e se esconderia entre nuvens, um braço fino e gélido passou peno seu pescoço puxando-o para trás com uma força desproporcional, ele sentiu presas rasgarem sua asa esquerda, viu penas brancas manchadas se espalhando para todos os lados, viu sangue, seu sangue lavando o chão e as paredes do local. Viu olhos amarelos brilhantes em uma face assustadoramente sorridente manchada de sangue vermelho. E sentiu a dor. Um grito agudo escapou pelos lábios.

Ryuki sentiu os pelos da nuca se arrepiarem, um tremor correu pela medula.

 - Você…  - Ele não encontrou palavras para completar a frase, chocado.

Lilith passou a costa da mão pelos lábios, para limpar o sangue e se virou com um típico sorriso doce.

 - Primeira caçada, completa! - Usava um tom de voz brincalhão. Pelo visto, o mal-humor matinal havia passado.

E atrás dela jazia um cadáver de anjo, com olhos desfocados e boca aberta, uma expressão de terror estampada no rosto. O corpo dividido mergulhava em uma poça de sangue, coberto de penas.

Um doce, que garota doce. 

Suas mãos e roupas estavam cobertas de doçura.

Afinal, dizem quem sangue de anjo é doce.


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Notas finais do capítulo

Reviews, please.



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