Muralha Verde escrita por camila-nona


Capítulo 7
Sétimo andar




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-Espero que tenha aprendido a lição.

O Dr. Carlos Naguri era um homem autoritário com os seus pacientes, mas aquele em especial lhe dava muita dor de cabeça. Ele fugia constantemente durante os três últimos meses e ninguém sabia por onde. Não adiantava segui-lo para ver se descobria por onde ele saía; ele sempre dava um jeito de despistá-lo. O jeito foi mantê-lo preso numa das salas de isolamento.

-Depois de duas semanas aqui acho que aprendeu direitinho, ham?

O garoto encarou-o com os olhos de safira. Olhos profundos. Naguri não podia deixar de sentir medo daqueles olhos.

-Aprendi – o garoto falou, lentamente – Aprendi que não vale à pena deixá-lo vivo. Você bem sabe; na primeira oportunidade eu vou matar você.

-Sr. Romanov, você está me ameaçando? Olha que eu posso deixá-lo por mais um bom tempo nesta sala.

-Isso não foi uma ameaça, doutor.

Caíque Romanov sorriu, irônico.

-Acho bom assim.

O Dr. Carlos sabia que Caíque era inteligente. E perigoso. Um paciente para se ter muito cuidado.

-Agora nós vamos sair, vamos para o seu quarto, e você vai se comportar direitinho.

Caíque soltou uma risada descontrolada. Sabia o que viria a seguir.

-O que eu poderia fazer metido numa camisa de força, doutor?

E deixou-se enrolar. Odiava aquilo. Odiava aquele lugar.

O médico o conduziu para fora da sala e guiou-o pelos corredores do sétimo andar.

Pandora jogou o cabelo no rosto e se esgueirou para a primeira sala que viu. Não tinha muita gente ali em cima. Seria fácil acessar os arquivos.

-Mas deve ter alguma coisa protegendo, alguma senha...

Ela olhou para ver se vinha alguém e continuou andando.

Sala de arquivos - viu escrito em uma das salas.

-Ah, ótimo. É uma sala-cofre, blindada e à prova de fogo.

Mas não precisava de senha para entrar, apenas um cartão.

Cartão de identificação de funcionários. Se ao menos ela conseguisse pegar o cartão de sua mãe...

Pandora ouviu o ruído de passos vindo do corredor ao lado e tratou de se esconder.

-Você sabe que tem que ser bonzinho, não, Sr. Romanov? Não pode mais fugir senão terei que tomar medidas drásticas. Não agüento mais o seu comportamento rebelde.

-O senhor fala como se eu fosse um menininho de cinco anos, doutor. Estou apenas de saco cheio daqui.

Pandora conhecia aquela voz.

Era Caíque.

Foi quando ela viu o garoto virando o corredor, com roupas brancas, pés enfaixados e camisa de força. Um médico o guiava de perto. Ela reconheceu a foto do artigo que lera na internet. Dr. Carlos Naguri.

Ela tinha que falar com Caíque. Não importava se fosse expulsa do hospital. Valia à pena arriscar. Tinha que falar com ele.

Ela saiu da sala em que estava escondida e parou na frente dos dois homens, que se sobressaltaram.

-Caíque.

A expressão de susto do garoto foi rapidamente substituída por uma de profunda dor.

-O que você está fazendo aqui? Não deveria me ver assim.

-Por que você... Por que ele está com isso, doutor? Com essa camisa?

-Quem é você garota? E o que está fazendo nesse andar? É restrito.

-Eu... Eu estou estagiando. A Dra. Sandra Wenderloe me mandou buscar um arquivo.

Ela ergueu o ticket alimentação, que tinha forma de um cartão, como se fosse um crachá de identificação.

-E da onde você conhece meu paciente?

-De... Daqui mesmo da clínica.

O médico a olhou desconfiado.

-Senhorita, as primeiras regras do meu hospital são não contestar os médicos e nem se intrometer nos assuntos que não são de seu interesse. E eu, além de médico, sou diretor, portanto não cabe a você saber o porquê do meu paciente usar uma camisa de força.

-Ah. Sim, me desculpe, doutor.

-A senhorita estava indo para o elevador?

-Sim, sim. Acabei não encontrando o arquivo.

Pandora fez a cara mais inocente que podia e entrou no elevador com Caíque e o médico.

Caíque estava tão diferente naquele lugar, tão indefeso. Mas seus olhos continuavam os mesmos.

 -Você nunca mais foi me visitar – disse Caíque para Pandora e, percebendo que o médico o olhava, acrescentou – Lá na área de lazer.

-Sinto muito. Não foi possível.

-Acho que você está com medo de mim, estagiária.

-Ora, Sr. Romanov, o que foi que lhe disse? Seja um garoto bonzinho.

Caíque ficou calado.

Os dois homens desceram no quinto andar. Antes de sair, Caíque se virou e sorriu para Pandora. Um sorriso triste.

Ela não podia fazer nada. Doeu no coração vê-lo assim, e ainda mais pensar que seu irmão um dia poderia estar na mesma situação.

Ela desceu no primeiro andar. Fora um começo de tarde difícil, mas ela ainda estava com fome.

O Dr. Roberto Jessé olhou para o garoto de dez anos sentado em frente a ele. Ele balançava para frente e para trás, torcendo e esfregando as mãos.

Havia um mês que Paolo tratava com ele. Em momentos se mostrava lúcido, em outros, fora de si. Era muito comum esse tipo de reação depois de alguma tragédia familiar, mas já era para ele estar curado.

-Paolo, você acabou de me dizer que viu o seu pai. Onde?

-Ele veio falar comigo hoje de manhã. Falou pra eu cuidar de mamãe e da minha irmã. Ele estava bravo comigo.

-E por que ele estava bravo?

-Por que eu fiz tudo errado.

-O que foi que você fez de errado, Paolo?

-Eu... Eu não sei.

O menino começou a chorar, como uma criança que tivesse feito xixi na cama e levava uma bronca dos pais por isso.

-Eu faço tudo errado, doutor. Sempre. Pandora acha que a morte de papai foi culpa minha. E foi. Eu devia ter morrido naquela noite.

-Paolo, não é você que decide quem vai morrer e quem vai viver. São forças maiores do que o nosso próprio entendimento.

-Mas a minha vida sou eu que decido, doutor! –ele olhou o médico, desvairado – Você está tentando decidir a minha vida! Eu não gosto que decidam a minha vida! Eu estou cansado de vir aqui conversar com você! Chega! Eu cansei, eu cansei!

Paolo se levantou de uma só vez e lançou os objetos que estavam em cima da mesa do Dr. Roberto na parede.

-Tente se conter Paolo. Pense em sua família!

-Eu cansei! Eu cansei!

Paolo atacava tudo que via na sua frente.

Nunca tinha estado assim antes, pensou Roberto. Estamos regredindo no tratamento.

O doutor pegou a seringa de injeção que guardava na gaveta de sua mesa e seguiu para o garoto.

-Sai! Sai de cima de mim!

Paolo tentava arranhá-lo e chutá-lo, mas o médico era mais forte. Segurou o braço do garoto, a veia, e inseriu a agulha. Em poucos segundos Paolo estava inconsciente.

-Como está o meu filho, doutor?

Sandra levantou-se nervosa do banco. Roberto não estava com uma cara muito feliz.

-Doutora, o seu filho está desenvolvendo um caso de esquizofrenia paranóide, devido à tragédia que aconteceu em sua família dois meses atrás. Você, como médica, entende o que é isso, e sabe que tenho de tratá-lo antes que a doença atinja um nível incontrolável. Eu pensei que estivesse melhorando, mas me enganei.

-Oh, meu Deus, você quer dizer... Tratamento intensivo?

-Creio que o seu filho terá de ficar sob cuidados médicos até seus delírios cessarem. E também acabei de presenciar um ataque de fúria dele na minha sala. Você, é claro, poderá acompanhar de perto a situação, como mãe e como médica.

Roberto observou a expressão de dor e desolação no rosto da companheira de trabalho.

-Você não pode deixar se abater, Sandra. Ele precisa de alguém forte do lado dele, para ajudar a superar a doença.

-É que é tão difícil! Nós lidamos com isso todos os dias, tratamos dos pacientes e dizemos todas essas coisas para a família deles. Mas viver isso é completamente diferente!

-Eu imagino.

-Não imagina! Imagina como médico, não como uma pessoa que está vendo o filho ter delírios e ataques e desmaios. Oh.

Sandra se jogou de volta no banco e desatou a chorar. Não era forte suficiente. Não conseguia suportar.

Foi assim que Pandora a encontrou. Ela não sabia por que a mãe estava assim, mas sabia que nunca a vira assim.

Ela só podia imaginar o motivo: seu irmão. Alguma coisa acontecera com ele.

Imaginou Paolo e Caíque, juntos, guiados pelo Dr. Carlos Naguri através dos corredores do sétimo andar.

Abraçou forte a mãe e também chorou.

Estava cansada. Queria e precisava de paz. Mas onde a encontraria?

Essa era uma pergunta para qual ela não tinha resposta.


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