Muralha Verde escrita por camila-nona


Capítulo 3
Caíque




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/127039/chapter/3

O colégio da cidade tinha apenas duzentos alunos, vinte deles do segundo ano, como Pandora.

Ela estava sentada na última cadeira, com o capuz do moletom cobrindo o rosto. Não gostava de chamar atenção.

-Ei. Você é a aluna nova, não?

Ela olhou para o lado com certa desconfiança. Um garoto alto e magro, de cabelos louros, a olhava, sorridente.

-É, sou eu. – respondeu.

-Meu nome é Mauro Perez - ele lhe estendeu a mão –Se precisar de um guia no colégio pode contar comigo.

-Obrigada, mas acho que não vou precisar. Esse lugar é bem... pequeno.

-Você é da cidade grande, não é? Eu fui lá nas férias.

Pandora sacudiu a cabeça.

-Você é o primeiro habitante da cidade que vejo que não tem cara de cabrito.

O garoto a encarou por algum tempo e depois caiu na gargalhada.

-Engraçada! Vamos nos dar bem!

Ela deu um sorriso sem graça e começou a fazer desenhos no caderno.

O dia transcorreu bem. Além de Mauro, Pandora conversara com duas garotas de sua turma, ambas com cara de cabrito. Chamavam Ana e Susie. Elas eram legais, mas excessivamente escandalosas. Aliás, todos naquele colégio pareciam ser escandalosos ou gostarem de aparecer.

-Normalmente as pessoas não são assim –falou Mauro, na hora do intervalo –Acho que eles querem aparecer porque tem gente nova aqui, sabe, você.

-Eles não precisavam se esforçar tanto.

Mauro acabou lhe dando uma carona para casa, já que ele dirigia, apesar de um lugar não ser muito longe do outro naquela cidade e ela pudesse facilmente ir a pé.

-Obrigada.

-Disponha, meu bem.

-Mauro...

-Sim?

-Você sabe sobre aquele hospício? Desde que eu cheguei fiquei curiosa...

-Ah. Uma coisa muito ruim. Mas esse tipo de coisa sempre fica em cidades pequenas. Vem gente do país inteiro tratar aqui. É um lugar muito famoso, mas muito... chocante.

-Você já entrou lá?

-Não. Eles não deixam a gente nem passar perto. Só pacientes, funcionários e visitantes autorizados.

-A minha mãe vai trabalhar lá. Ela é psiquiatra, trabalhava em consultório, mas pediu transferência.

-Ela tem que ser muito boa pra dar conta. Dizem que um interno é mais pinel que outro. Louquinhos da silva.

Pandora estremeceu e pensou no seu irmão, com aquela história de que o louco estava solto e de conversar com o pai morto. Não queria que Paolo fosse parar num lugar assim.

-Algum problema?

-Não, só estava pensando...

-Então tá. A gente se vê amanhã na escola. Foi um prazer conhecer você, Pandora.

Ela sorriu e entrou em casa. Estava realmente preocupada.

-Ah, querida, que bom que você chegou. E aí, como foi o seu primeiro dia de aula?

-Foi legal. Onde está o Paolo?

-Está dormindo ainda. O remédio que eu dei pra ele ontem o derrubou. Bem, eu preciso ir trabalhar. O almoço está no forno; e tome conta de seu irmão. Se quiser pode sair com ele, mas não vá muito longe nem na mata ali de trás. Não deixe Paolo sozinho, Pandora, nem o culpe de novo.

-Eu não vou fazer isso. Boa sorte naquele lugar.

-Obrigada, docinho.

Sandra deu um beijo na testa da filha e foi trabalhar.

Pandora se obrigou a comer, depois foi tomar banho e fazer os deveres. Achou estranho seu irmão ainda não ter acordado e resolveu vê-lo.

-Paolo?

Ela bateu na porta do quarto, mas ele não respondeu.

-Paolo, eu estou entrand... Paolo?!

Seu irmão não estava ali. A cama estava desarrumada, mas Paolo não estava deitado nela.

Desesperada, Pandora correu a casa toda em busca do irmão, mas ele havia saído.

-Mas ele não tem a chave da frente. Eu guardo a minha na minha bolsa e a mamãe levou a dela. E as janelas... Estão todas fechadas por dentro, ele não saiu por nenhuma delas!

Ela verificou se a chave estava mesmo na bolsa. Estava.

-Onde você se meteu, Paolo?

Foi então, da varanda do seu quarto, que ela olhou o único lugar acessível a Paolo, o único lugar que ele poderia ter ido.

-Ah, não, você não fez isso.

Ela desceu correndo as escadas e saiu para o jardim dos fundos. Havia um buraco na cerca de proteção que levava à floresta.

-Ah, meu Deus, eu mato esse moleque.

Ela foi ao seu quarto, vestiu calça jeans e botas e desceu novamente, determinada a encontrar seu irmão. Com passos firmes, entrou naquele mundo verde de mata fechada.

-Merda, estou com lama até nos joelhos.

Ela fazia esforço pra afastar os galhos do meio do caminho, mas mesmo assim ficou cheia de arranhões no rosto e nos braços. Tropeçou duas vezes e já estava com dor nos pés. Sem contar que não sabia como voltaria para casa.

-PAOLO! PAOLO! Deus do céu, onde esse menino se meteu?

Ela ouviu um barulho próximo a uma árvore.

-Paolo, é você?

Mas não obteve resposta. Começou a pensar em onças, panteras e cobras. Estava perdida.

-Quem está aí?

A coisa se aproximava com cautela. Ela deu um passo atrás e tropeçou em uma raiz. Caiu sentada na lama. Prendeu a respiração quando a coisa saiu de trás da árvore.

-Oi.

Pandora arregalou os olhos. Não era um bicho afinal. Era um homem. Ou melhor, um jovem, não muito mais velho que ela. Ele era branco, tinha cabelos muito pretos e lisos e olhos muito azuis. Usava blusa e calça brancas e estava descalço, com os pés sujos de sangue.

O jovem estendeu-lhe a mão e ajudou-a a se levantar.

-Você me deu um susto – disse a garota.

Por um momento os olhos negros de Pandora encararam os daquele desconhecido. Esses últimos pareciam feitos de safira. Eram profundos, dotados de extrema inteligência, mas com um brilho fora do comum.

-Desculpe-me, senhorita. Não foi minha intenção.

Pandora sorriu.

-O que leva uma pessoa a andar descalça na mata?

Ela apontou para os pés do rapaz.

-Ah... Perdi meus sapatos.

-Ah, claro, as pessoas vivem perdendo os sapatos por aí.

Ele a olhou, estudando-a.

-Na verdade... Não. As pessoas não costumam perder os sapatos.

-Foi uma brincadeira. Onde está o seu senso de humor, ham...

-Caíque.

-Caíque. Meu nome é Pandora.

-Dotada de tudo.

-Que?

-O significado do seu nome. É grego.

-Ah. Muito bem, senhor enciclopédia, você viu um garotinho meio gordinho de uns dez anos passando por aqui?

Caíque arqueou uma sobrancelha.

-As pessoas não costumam passar por aqui.

-Eu não sou idiota, eu sei disso. Só que o meu irmão fugiu e ele entrou aqui nessa mata, eu tenho certeza.

-Tem certeza?

-Mais ou menos, quer dizer, na verdade... Ah, o que você tem a ver com isso? Você viu ou não viu o meu irmão?

-Você não é muito educada.

Pandora fez uma careta.

-Educação não é uma das minhas principais qualidades.

Caíque sorriu.

-Pelo menos você assume. Bem, você está procurando um garoto vestido com pijama, mais ou menos de um metro e quarenta e cabelo curto da cor do seu?

-Você o viu? Desgraçado, por que não me falou antes?

-Porque eu só o vi agora – e apontou com o queixo para algum ponto atrás de Pandora.

A garota virou-se e viu o irmão. Ele estava todo machucado e com o pijama rasgado.

-Paolo! –ela correu para ele e o abraçou – O que aconteceu com você?

-Caí. Várias vezes. E me machuquei nos galhos.

-Por que você fugiu de casa? A mamãe vai ficar uma fera!

-A moça de cabelo vermelho que aparece de vez em quando falou comigo. Ela me mandou fugir.

Pandora o beijou com carinho. Esqueceu toda a culpa que, em sua mente, o irmão tinha pela morte do pai. Não queria perdê-lo também, não queria que esses delírios dominassem a sua mente.

-Ah, meu irmãozinho, eu queria que tudo fosse diferente.

-Papai também queria. Hoje ele apareceu de novo. E disse aquilo: pra você tomar cuidado.

-Com o louco?

-Sim.

Pandora o abraçou novamente, mas não pôde deixar de pensar que o louco talvez fosse o próprio irmãozinho.

Ela olhou pra Caíque, como se estivesse querendo se desculpar pela cena.

Ele sorriu e apontou para os pés de Paolo.

-O que leva uma pessoa a andar descalça na mata?

Paolo o olhou e suspirou.

-Acho que perdi meus sapatos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Muralha Verde" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.