A Little Slice Of Hell escrita por GabyhMCR
Paris, século XIX
A penumbra debruçava-se sobre o palco antes repleto de vida. Agora, ao badalar da meia-noite, mostrava-se gélido como a derme de um cadáver amanhecido. Uma concha vazia. Talvez deva começar pelo esplendor refletido no rubro nobre das grossas cortinas de veludo em vez de ressaltar o quão pálido a cor vital apresenta-se diante tais condições. Ou ainda pelo único ponto brilhante em meio a tão densa escuridão.
Duas contas amendoadas destacavam-se diante a palidez do quadro. A luz fraca da noite parisiense que infiltrava-se, intrometida, por frestas de portas entreabertas repara-se em um par de mãos entrelaçadas pouco a baixo do rosto infantil oculto pelas sombras. Os lábios finos movem-se ao ritmo de uma prece qualquer.
O pobre Iero continua dedicando-se a rezar pela alma do falecido pai.
Balanço a cabeça, relutante em tirar-lhe do que pensa ser a ultima forma de contato com o pai. Se continuasse descoberto dessa forma em pleno inverno juntar-se-ia a fria sepultura do pai em breve. Não podia me arriscar. No mínimo, pegaria uma gripe. Tal doença mostrava um risco. Planos haviam sido feitos. Pobre Iero...
- Não deveria estar aqui tão tarde – ousei-me a pronunciar-me, escolhendo as palavras com cautela – os ensaios do coro começam amanhã cedo, menino.
- Sinto muito, Sr. Urie – uma voz abafada por lágrimas quentes respondeu por entre soluços disfarçados – não vai mais acontecer.
- Ambos sabemos que vai. Não o culpo, Frank, mas não estará em condições de receber o Anjo da Música caso caia doente na cama.
- O... anjo da música?
- Sim – assenti, um sorriso triste repuxando-me os lábios. Pobre criança. – aquele que visita o berço das crianças abençoadas. Você tem um dom, Frank. Mas ouça-me, nunca será nada mais que um corista caso não se mantenha nos eixos.
- Você realmente acredita nisso, Brendon?
- Claro que sim.
O sorriso ao recebê-lo em meus braços tornou-se deveras caloroso. Seu corpo magro pobremente vestido tremia contra o meu. O caminho ao seu quarto fez-se no mais absoluto silêncio, apenas iluminado pela vela que eu mantinha em mãos.
Ao cobri-lo até o queixo e apagar a vela, o mesmo pensamento novamente percorreu-me a mente. Pobre coitado...
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