O Diário de um Semideus escrita por H Lounie


Capítulo 1
Algo semidivino




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Ruínas do templo de Apolo em Delfos, Grécia, 11 de setembro de 2001

– Mamãe! - Gritou a garota, pela décima vez em menos de cinco minutos, o olhar frio vidrado na mulher a sua frente.

– Lyra, já chega! Estamos aqui por vovô, você sabe. Vai dar uma volta, sim? Só não vá muito longe.

Revirando os brilhantes olhos azuis, a garota obedeceu. Aos cinco anos de idade, pouco ela entendia sobre os perigos da vida, sobre o mal que assume diversas formas e está sempre pronto para atacar. Em segundos se afastou da mãe, descendo por uma escada de pedras.

– Olá, - Era a voz mais bonita e melodiosa que já havia ouvido. Era como seda, escorrendo por entre seus ouvidos, deixando-a aturdida. Ergueu os olhos para o homem que falava e claro, a voz mais bonita que já ouviu só podia vir do homem mais bonito que já viu. Tinha alguma coisa nele que a lembrava de si mesma. Ela sempre via aquele sorriso, aqueles cabelos levemente dourados, a pele clara e aqueles olhos azuis como o céu todas as vezes que olhava no espelho.

O homem continuava a sorrir, seu sorriso era tão caloroso que parecia ser capaz de aquecer uma casa toda em uma noite fria de inverno. Era como um sol, parado bem ali. A principio ela não respondeu, pois apesar de ser incrivelmente lindo, sua mãe a havia advertido sobre o que acontece quando se conversa com estranhos e alguma coisa nele a assustava, mesmo que no fundo soubesse que isso não devia preocupá-la... ele era bom, era um amigo.

– Sentir medo nem de longe é uma fraqueza de caráter, pequena. Faz parte do ser humano. - Disse o homem, abaixando-se para ficar na altura da menina - Só se pode ser corajoso quando se sente medo.

– Lyra, o que você está...

Harriet, a mãe da garota, surgiu no alto da escada, olhando preocupada para sua filha que segurava a mão do homem.

– Veja mamãe, encontrei um amigo!

– Lyra, - disse Harriet, em meio a lágrimas, se aproximando da garota. - Esse é seu pai, Apolo.

Lyra soltou a mão do homem no mesmo instante. Não, ele não era um amigo, ele era o homem que havia feito sua mãe sofrer, chorar noites e noites. A menina correu para perto da mãe. O sorriso sumiu dos lábios do homem que se chamava Apolo, o mesmo nome do dono do templo que visitavam.

– Querida, não faça isso. - Insistiu a mãe. - ele só está...

– Harriet, você não devia tê-la tirado de lá. Ela precisa ser treinada, você sabe disso. - Disse Apolo, levantando-se.

– Para que acabe virando comida de monstro? Eu acho que não. - A mãe parecia firme em sua decisão. Abraçava a filha, como que querendo protegê-la do mundo.

– Faz parte do que ela é. - Insistiu o homem - e as terras antigas não são seguras para heróis, você sabe. Há magia aqui. Há poder.

– Isso é besteira! Estamos bem aqui e você tem outros filhos, pode treiná-los se quiser. Nós vamos ficar por aqui.

– Lyra, - disse Apolo, abaixando-se novamente, até estar na mesma altura que a filha. - O que acha de ser uma grande heroína? Que tal, quem sabe, salvar o mundo um dia?

A garota foi lentamente soltando a mãe. Seus olhos brilhantes e sonhadores focaram em Apolo.

– Como as meninas super poderosas?

O homem riu. Um riso suave e musical.

– Não sei quem são essas meninas, mas se elas são heroínas que fazem coisas boas, sim.

– Então eu quero. - Completou Lyra, imitando o sorriso do pai.

Apolo então voltou seu olhar para Harriet, uma vez que esta olhava para o lado oposto de onde pai e filha conversavam. Lágrimas escorriam por seus olhos.

– Não seja tão difícil, sunshine. Ela precisa treinar, você não vai conseguir mantê-la segura para sempre, não sozinha. Ela deve ir ao acampamento, devem deixar as terras antigas, aqui não é seguro - Sua voz soava incrivelmente persuasiva.

– Deve haver outra opção.

– Sabe que não há - Apolo então voltou a falar com a filha – Lyra, você irá viver em um acampamento, onde todas as crianças são filhos de deuses, assim como você.

Aquilo tudo era demais para a garota. Deuses, seu pai. Tudo tão novo e tão intrigante.

– Mamãe vai também? - foi a unica coisa que conseguiu dizer.

– Não, eu não irei. - A mãe apressou-se em dizer.

– Ela não irá. - Apolo lançou-lhe um olhar de advertência. - Mas todos lá irão cuidar muito bem de você, você até terá irmãos. Você irá vencer monstros e aprender a usar arco e flecha.

– Irmãos e monstros? Isso não parece tão legal.

O homem riu mais uma vez.

– Então, estamos combinados?

– Sim senhor.

– Pode me chamar de pai.

– Sim senhor, pai.

Ele riu mais uma vez, mexendo nos cabelos da garota. Levantou-se, dando um leve abraço em Harriet.

– Precisamos ir logo? - Perguntou ela, tentando fugir do abraço.

– Seria bom, mas também difícil. Bem, sofremos um atentado hoje, nos Estados Unidos, eu digo - Disse ele, fazendo aspas com os dedos ao dizer a palavra atentado. - Os mortais acreditam que aviões tenham atingido o world trade center, mas sabe como a névoa é, o que aconteceu foi que cometi o enorme erro de emprestar meu carro à Ártemis, ela é uma motorista horrível, então, uma das torres foi ela quem derrubou, a outra fui eu. Bem, estava com raiva, ela arranhou a pintura do meu conversível. Creio que as linhas aéreas estarão interditadas por um tempo.

Ele deu um leve sorriso, tirando algo do bolso. Era um colar dourado, com um pingente em forma de clave de sol. Ele pendurou-o no pescoço da filha.

– Cuide bem disso, você vai aprender a usar logo, logo. Ainda vai me dar muito orgulho, pequena.

Ele beijou o alto da cabeça da filha, acenou para Harriet e desapareceu.

Aturdida, a garota olhou para sua mãe. Tinha milhões de perguntas em sua mente, nem sabia por onde começar.

– Bem, - começou Harriet - Lyra, seu pai é um deus...




Acampamento meio sangue, Long Island. Dias atuais. Ano 2013.

– Juro que às vezes tenho vontade de me lançar ao mar de monstro e servir de alimento à Caríbdis.

Não podia aceitar isso. Quer dizer, depois de oito anos de acampamento eu ainda conseguia errar e errar feio às vezes. Lembro-me que quando vi meu pai em Delfos, ele me disse que eu o orgulharia e isso me preocupava, pois temia que quando chegasse mesmo a hora de deixá-lo orgulhoso, eu falhasse miseravelmente.

– De que adianta ter o melhor dos arcos e não saber usá-lo direito? - Comentou Nick, referindo-se ao fato de eu possuir uma réplica do arco dourado de meu pai.

– Fala isso por inveja Nick, só porque papai deu o arco para mim e não para você. - Comentei rindo, fazendo o arco se transformar em meu colar dourado, o mesmo que ganhei em Delfos, oito anos atrás.

– Sabe qual é o seu problema? - Continuou Nick. - Você tem medo do que possa acontecer se errar, tem medo até de arriscar. E medo é a maior fraqueza que um semideus pode ter.

Com um sorriso, olhei para meu irmão e repeti as mesmas palavras que ouvi de meu pai.

– Medo nem de longe é uma fraqueza de caráter, lembre-se sempre disso. Faz parte do ser humano.


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