Magdalen Days escrita por Alieth


Capítulo 1
Capítulo 1 - Requiem to a Dream




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Magdalen Days

por Alieth Monteblanc

dezembro de 2010

Capítulo I

Requiem to a Dream

A lua apontava alta no céu. O vento soprava forte. As nuvens cobriram momentaneamente a luz lunar. Nesse breve intervalo de tempo, no meio do breu da noite, uma melodia ecoava pelos corredores do extenso edifício. As notas caminhavam pelos dormitórios, salas de aula vazias, ginásios... Mas era na catedral que o som era mais forte. O órgão prostrado no altar ressoava a música como um pássaro aprisionado.

Todas as noites eram assim, ela sabia disso.

E ela o escutava, como se fosse sua confidente única.

Mas naquela noite foi diferente, o órgão soprava as notas de maneira mais inquieta.

eu sinto seus anseios em cárcere ”

ela sussurrou para si mesma.

e isso me assusta”

E adormeceu.

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Quarta-feira, 04 de Janeiro de 2007 Oxfordshire - UK, 05:43 a.m

Colégio Magdalen 

Uma camada alva estendia-se pelo horizonte. Nevara um dia atrás, mas a neve ainda estava alta, em um manto uniforme e perfeito escondendo o nosso assentamento de pés. O rapaz recostado na janela embaçada no banco atrás do automóvel encarava a paisagem congelada. No seu rosto o visível cansaço por conta da longa viagem de avião. Sua terra natal agora estava distante, Hong Kong não mais seria sua casa. Daqui para frente as casinhas em estilo vitoriano no meio dos pastos ilustrariam sua rotina.

Amanhecia em um tom cinza, impressão de que nevaria mais. O tempo do aeroporto Heathrow, Londres, até o colégio Magdalen em Oxfordshire durava quase uma hora. Não conseguiu pregar o olho para compensar o voo que passou em claro. Estava com uma cara péssima, precisava dormir. O carro parou. Logo ao abrir a porta ele sentiu o frio cortante e o gelo nos pés. Pagou o motorista pela viagem, juntou a bagagem, com um cuidado especial ao retirar o violoncelo do porta-malas. Checou a hora em um relógio de bolso, algo inusitado para alguém da idade dele. Dirigiu-se aos portões para encontrar alguém que o recebesse.

Ele viu o campus vazio, não era exatamente algo enorme como as universidades, mas era bem imponente. As construções em pedra datavam história, eram antigas e bem conservadas. Estava impaciente e de mau humor. Caminhava em direção ao prédio central para resolver logo a matrícula e poder ir ao alojamento descansar.

De repente, um baque.

Sentiu gelo escorrer atras da orelha e o choque térmico na nuca. Virou-se para trás e ver o que tinha ocorrido. Não houve tempo. Quando percebeu, sentiu as nádegas no chão congelado. Uma pancada no cotovelo. As malas atoladas na neve. A raiva lhe subiu ao rosto como um reflexo, estava vermelho. Virou-se para ver o autor do estardalhaço.

"... uma garota."

Uma linda garota, especificamente. A menina prostrada no gelo levantava-se com a expressão de dor, apoiada em um braço e a outra mão acariciando a nuca. Provavelmente ambos tinham aproximadamente a mesma idade, uns 16 anos. Estava com um suéter surrado e grande demais para ela. Usava uma meia calça branca, e uma saia de prega cor-de-rosa. O cachecol em lã branca se arrastava no chão por ser longo demais. Os cabelos curtos e olhos claros condiziam com a pele alva, parecia um anjo. Um anjo bem desengonçado, por assim dizer. E por ser dessa maneira desajeitada se perdeu do rumo ao paraíso e resolveu atropelá-lo.

Saiu de seus devaneios. Levantou-se primeiro, desconfortável com a roupa úmida. Estendeu a mão para a donzela à sua frente como um gesto de cavalheirismo e autocontrole. A menina aceitou timidamente e ficou de pé.

- Não acha que está meio crescida para sair atirando bolas de neve nas pessoas e sair correndo por aí? - Ele perguntou de maneira seca e um tanto rude.

- Bolas de neve? Do que está falando? Eu só escorreguei e esbarrei em você... - a face da menina mudou a expressão de susto para uma leve preocupação- Desculpe, você se machucou?

- Não, não foi nada. – Omitiu a dor no cotovelo e a raiva momentânea. “Garota louca” foi o que pensou.

A garota o ajudava a pegar a bagagem que tinha derrubado. No meio das malas, a capa de um violoncelo lhe chamou a atenção.

-Você toca violoncelo? Que legal! - disse a menina com um sorriso largo nos lábios. - Então... você acabou de chegar? Hmm, não é muito comum transferirem alunos nessa época do ano. Ah, nem me apresentei. Sou Sakura Kinomoto!

"Sakura Kinomoto... O nome é japonês, mas ela não parece oriental..." Ele comentou para si mesmo, tentando encontrar algum traço que a denunciasse como tal. Encontrou. Bem no canto dos olhos, um leve afinamento das pálpebras e a falta de dobrinhas.

- De que país você veio? Você parece chinês...

- Syaoran Li, Hong Kong, 16 anos. - cortou, respondendo categoricamente.

- Ah, temos a mesma idade! - A menina não se sentiu ofendida com a sutil desfeita do rapaz nem diminuiu o sorriso - Será que você ficará em qual sala? Hmm... De repente podemos cair na mesma classe. Tomara que você goste daqui.

Syaoran ficou sem saber o que responder. Normalmente ele apreciava muito o silêncio em damas. De fato, a aparência dela não condizia com sua personalidade espontânea e hiperativa. Isso o irritava(?).

Além do mais, em relação a sala, turma, amigos... Isso para ele era o que menos importava.

Atualmente, havia preocupações maiores.

Sakura não parava de falar , o que o incomodava não era a falta de silêncio, mas o sorriso e felicidade dela. Isso era novidade, sorrisos. Ele ficava desconcertado sem saber o porquê dela estar sendo tão... amável e aparentemente sem nenhum interesse maior em troca. Ele tem razões para desconfiar de todos que se aproximam dele. O afeto pelo dinheiro e título. Sua família tem influência demais na ilha. Todos os que o tratavam bem faziam pela obrigação e temor. Ali não seria dessa maneira. Tirar das costas o peso de uma dinastia milenar faria muito bem.

Chegaram à porta da direção.

- Bem, te deixo aqui. Espero que possa descansar até a volta às aulas. - Ela se virou e ergueu a mão acenando – Tchauzinho, a gente se vê em 4 dias na sala de aula.

- Você nem sabe se eu vou ficar na sua classe. - Ele disse arqueando as sobrancelhas.

- É uma intuição. - Ela respondeu com um sorriso. E foi embora.

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Segunda-feira, 08 de Janeiro de 2007 Oxfordshire - UK, 05:43 a.m

Colégio Magdalen - Alojamento feminino

O dia levantava-se e os primeiros raios de Sol se arrastavam pelo cômodo. O quarto era pequeno. Uma cama, uma escrivaninha, um armário e um pequeno espelho. Isolado do resto do alojamento feminino, em um dos pontos mais altos do edifício, ela dormia. Na realidade, havia mais 3 dormitórios ao lado do dela. O prédio era antigo. Os corredores pareciam labirintos e os quartos logo exigiriam uma reforma. E Deus, como havia escadas. Sim, escadas. As do gênero que você sobe, sobe mas termina em um buraco. Uma engenharia que não faz sentido. O bastante para se cansar durante o longo 'passeio' para se encontrar o quarto.

O colégio Magdalen é uma renomada instituição religiosa de ensino, na qual somente uma elite intelectual ou de poder aquisitivo pode fazer parte. Localizada em Oxfordshire, UK, este colégio data uma história de mais de 300 anos de tradição e compromisso com a formação acadêmica de seus alunos. Há uma catedral interligada aos edifícios escolares, onde localizam-se os alojamentos, as salas de aula, os ginásios desportivos e o anfiteatro. Uma estrutura perfeita para abrigar uma grande quantidade de estudantes.

O despertador apitava incessantemente. Ela exitava tirar os braços da coberta. Quantos graus estaria fazendo lá fora? Devia ser contra a lei ter aula num frio daqueles. Verdade, era o primeiro dia de aula do segundo trimestre. As pálpebras se abriram indolentemente. Os olhos verdes se revelaram. Levantou-se. Caminhou até a janela. Abriu as cortinas. Como imaginou, tudo estava branco. Uma camada alva sem uma imperfeição sequer. Já fazia mais um ano que estava ali. “Nossa, tanto tempo assim? “Foi o que pensou. Esse era o segundo inverno que passava longe de seu pai e irmão. Lembrou-se de quando ganhou a bolsa de estudos para estudar na Inglaterra.

- Olhe papai! Eu consegui!! Consegui!! Vou para Inglaterra, no mesmo colégio que a mamãe estudou! - exclamava Sakura em felicidade.

- Sim, minha querida... - O pai afagava a menina.

- É, monstrenga. Você vai matar todos ingleses com isso daí. - Provocou o irmão mais velho apontando para o violino.

- Touya!! - A menina exclamou mostrando a língua como uma criança.”

Ela sorriu discretamente com as lembranças. Como será que estariam todos? Fazia tempo que não recebia cartas, concluiu que todos estavam atarefados demais. O Touya com a faculdade. O pai com a loja de instrumentos e as aulas de música. Suspirou, fazendo o vidro da janela embaçar. De fato, estava congelando. Seus olhos deslizaram pelo campus e estacionaram ao encarar a Catedral. “Ontem a melodia estava mais forte.” Pensou. Desde a primeira noite que passou ali sempre ouvia o órgão tocar a mesma música, até ela cair no sono. Acostumou-se. Mas sentiu um calafrio ao tentar pensar com mais profundidade sobre a melodia ou sobre quem/ o quê a tocava.

Estava cedo demais, mas não se importou. Trocou de roupa e colocou o uniforme de inverno. As meias grossas, saia de pregas vinho, camisa branca, gravata vinho, um pulolver desbotado e um casaco antigo, mas que era o mais quentinho de todos.

Arrumou a cama. Guardou as partituras em uma pasta. Pegou o violino e saiu, tomando cuidado para não bater a porta, porque estas eram nada discretas quando fechavam sozinhas.

Decidiu ir praticar na Catedral, fazer companhia para o órgão que tocava para ela à noite. Era o local perfeito de ensaio. A acústica divina, pelo pé direito elevado e as abóbadas de pedra detalhadas. Na realidade, ela tratava o instrumento preso ao altar como um confidente também. Sua relação com ele era muito mais que uma personificação ou um caso sério de loucura, ela sabia que havia uma entidade ali. E de todos os espíritos que perambulavam pelo colégio, o caso dele parecia o mais necessitado. Entendia que as notas dele ressoavam uma tristeza contida. Talvez não fosse muito, mas ela pensava que se fosse na linguagem da música a amenizar a sina do órgão, ela não exitaria em fazer o que estivesse em seu alcance.

Ela adentrou pela porta lateral direita. Encarou o órgão. Um silêncio sepulcral. Sentiu que ali dentro estava mais frio que do lado de fora, onde a neve estava à altura de seus tornozelos. Caminhando lentamente até o instrumento. Ela abriu um sorriso enquanto tirava papéis da pasta.

- Veja só, dessa vez trouxe Caprice No.4. Acho que você vai gostar. - Com a mesma calma ela desatava a capa de seu violino. - Paganini. É meio difícil de tirar. Creio que em uns dois dias já estarei tocando decentemente. Mas por hora, creio que você irá sofrer um pouco com as minhas notas...

Como em um ritual sagrado, a menina tirou o arco e apoiou o violino nos ombros. Preparou-se para emitir o princípio dos sons. Fechou os olhos. Sentiu a madeira. Apertou as cordas. Quando o braço foi para trás para iniciar o primeiro movimento de fricção nas cordas... AAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!

Um grito agudo infantil extinguiu-se pelas enormes colunas.

Sakura quase derrubou o instrumento. Que susto. O que aconteceu? Que grito foi esse? Não teve tempo de elaborar perguntas, viu apenas um par de sapatinhos brancos correndo igreja afora.

Não pensou. Apenas um impulso. Sem largar o arco e o violino ela seguiu os sapatinhos neve adentro. Corria na imensidão congelada, quase na saída da propriedade do colégio. Tropeçou, deixando cair o que carregava em mãos. Sentiu o gelo queimar seu rosto. E nas mãos nuas sentiu um líquido quente e viscoso. Arregalou os olhos ao ver algo escarlate escorrendo por entre seus dedos.

- O-o que é... i-isso? - perguntou em um estado de quase pânico.

Queria gritar.

Mas sentiu somente um arranho na garganta.


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