Eurostar escrita por Major_Tom


Capítulo 1
Stop and smell the carnations


Notas iniciais do capítulo

Adoro escrever sobre o Sirius, ele é apaixonantemente complexo.
Escrevi isso há um tempo, mas só agora criei motivação para postar /procrastinadora profissional.
Boa leitura!



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Chovia. Pela primeira vez em meses, chovia. Ele acordou com o cheiro de terra úmida e um arrepio leve da epiderme. Abriu os olhos e encarou a tinta branca que descascava do teto. Chovia, e a chuva o lembrava da Inglaterra.

Café. Café preto, forte, sem açúcar. O jornal de ontem na cadeira ao lado, fazendo as vezes de companhia. Passou a mão no rosto, sentindo a barba por fazer e as olheiras fundas. O cheiro de café também o lembrava da Inglaterra.

Saint-Dié-des-Vosges acordava do lado de fora da janela, escancarando as portas e os olhos para receber a tão esperada chuva. Mas naquele pequeno apartamento no terceiro andar de um pequeno prédio, a chuva era apenas encarada pesadamente, como se fosse uma lembrança diáfana e não uma realidade concreta.

Ele prendeu o cabelo longo com um elástico de dinheiro, calçou um par de All-Stars vermelhos desbotados, e foi se sentar na sarjeta. Sentia a água escorrendo para dentro de sua camiseta, os pelos se eriçando com o vento, o gosto do café em sua garganta. Fechando os olhos, era quase como estar de volta.

James teria rido de sua cara.

Duas horas mais tarde, estava num ônibus velho e barulhento em direção a uma faculdade de Artes, onde o jornal lhe dissera que conseguiria seu próximo aluguel.

James, com certeza, teria rido de sua cara.

O estilo da faculdade era antigo, de tijolos escuros cobertos de hera morta, e a chuva que só fazia aumentar. As árvores grandes e velhas derrubavam gotas largas em seus ombros. O prédio de Música derramava cravos e cravos, enquanto o de fotografia despejava luzes pelas janelas.

Pintura. Sala H. Cavaletes dispostos ao redor de um pequeno palco, luz branca, uns sete graus a mais do que do lado de fora. Tirou o casaco e pendurou-o num gancho na parede.

- Bom ver que já está confortável, Monsieur Black. – veio a voz baixa e simpática da porta. Pedi que aumentassem a temperatura há pouco, deve se estabilizar antes da aula.

Seu interlocutor tinha cerca de um metro e oitenta  e cinco, talvez um pouco menos, cabelos castanho-claro ondulados pela altura dos ombros e olhos de um tom estranho atrás de armações pretas. Não podia ter mais de vinte e cinco anos.

- Professor substituto?

- Remus Lupin, recém-contratado. – aperto de mãos, sorriso leve. O senhor, Monsieur Black, é deveras mais novo do que eu supus.

- Sirius, por favor. E a surpresa é mútua.

Não uma de todo ruim. Ou talvez fosse péssima. Não importa, de qualquer forma, pois o que realmente deve ser evitado é a mediocridade.

Voltou para a sala vestindo um roupão, uma dúzia de jovens vestidos estranhamente o esperavam. Subiu no palco, deixou seu roupão cair, e a voz do jovem professor moldava a forma de seu corpo. Fazia-se de tímido, de desajustado, e mordia os lábios, como que por nervoso, para conter um esgar que ameaçava tomar seu rosto. Era divertido brincar com a mente alheia, esparramado nu diante da vista pública e ainda assim, perfeitamente escondido.

Talvez morar sozinho o estivesse deixando meio sociopata.

Vagou seu olhar pela sala, parando nos olhos estranhamente coloridos do mestre. Estreitou os olhos, angulou a cabeça, estudando aquele de quem era objeto de estudo. Era um garoto, era um rapaz, não era um professor. Professores de Artes são artistas frustrados, e Monsieur Lupino não tinha idade para ter tido seus sonhos dilacerados ainda.

Ah, sim, lupino, com certeza.

Seu ombro estalou. A chuva havia baixado para uma garoa, uma névoa branca pela rua. Gostava do cheiro da tinta, das tintas. Uma garota de cara estúpida entrava e saía da sala a todo momento, lhe dando ganas de esganá-la.

Ganas de esganá-la.

É, morar sozinho estava deixando-o sociopata.

Não que fizesse alguma diferença. Mais de dois terços do mundo era um câncer, podre e dispensável.

Ou talvez fosse só ele.

Enfim.

A voz baixa do pseudo-professor ressoou novamente, anunciando o final da aula. Colocou seu roupão, desceu do palco. A garota de cara estúpida sorriu-lhe um sorriso igualmente estúpido, pretensamente sedutor, e estendeu-lhe a mão. Sentiu nojo.

- Gigi.

- Discutível.

Vestiu-se, amarrou o casaco em torno dos quadris e prendeu o cabelo. Saiu do prédio alguns euros mais rico, com o prospecto de voltar em uma semana.

- Paga o meu mestrado, Monsieur Sirius. E são bons garotos. Me divertem.

- Não notei nada de relevante, perdão. O senhor, Monsieur Lupin, parece-me um tanto fora de lugar nessa peça.

- E o senhor, Monsieur Sirius, tem uma mente fascinante. Estaria livre terça-feira para uma aula de desenho?

- Aula sua?

- Aula minha.

- Claro.


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Notas finais do capítulo

Gigi é um nome classicamente francês, significa brilhante e confiável.
Eurostar é o nome do trem que liga França, Inglaterra e Bélgica.
Me recuso a chamar o James de 'Tiago' |:
Espero que tenha gostado ♥



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