Sobrado Azul escrita por Chiisana Hana


Capítulo 4
Capítulo IV




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Os personagens de Saint Seiya pertencem ao tio Kurumada e é ele quem enche os bolsinhos. Todos os outros personagens são criações minhas, eu não ganho nenhum centavo com eles, mas morro de ciúmes.

SOBRADO AZUL

Chiisana Hana

Beta-reader: Nina Neviani

Capítulo IV

No dia seguinte, um domingo, Shiryu acorda bem cedo e, sentado no colchão, olha para sua cama, onde Shunrei ainda dorme. Detém-se a observá-la. A moça respira tranqüilamente e tem quase um sorriso no rosto.

"Sinal de que está bem", pensa ele. "Com que será que ela está sonhando? Com quem...?", e então se volta para o outro lado, onde é Hyoga quem dorme. Shiryu levanta-se, dobra o lençol e a colcha, junta o travesseiro e põe tudo no guarda-roupa. Depois, empurra o colchão cuidadosamente para debaixo de sua cama, dá uma última olhada em Shunrei e sai do quarto. Pelo silêncio, presume que ou Shun e Ikki ainda dormem ou não voltaram para casa. Gosta de começar o dia com um banho e assim o faz. Depois, enrola-se numa toalha e volta ao quarto.

"Da próxima vez tenho que me lembrar de levar a roupa para trocar no banheiro," pensa, enquanto pega uma muda de roupa no armário. "Também preciso acabar com essa mania de perambular quase sem roupa pela casa...". Shiryu volta ao banheiro e troca-se lá. Retorna mais uma vez ao quarto, pega um livro e desce para a sala. "Ainda é muito cedo para preparar o café, então vou estudar um pouco," ele pensa ao sentar-se no sofá. Fecha os olhos por alguns segundos e concentra-se.

– Não devo pensar nela agora – ele diz a si mesmo. Repetindo isso mentalmente, ele começa a estudar.

Duas horas depois, Shiryu já tinha lido um capítulo inteiro do livro de Responsabilidade Civil e ninguém tinha acordado. Então ele decide preparar o café. Quando começa a mexer nos utensílios da cozinha, Shunrei aparece.

– Bom dia – ela diz, espreguiçando-se e bocejando.

– Bom dia – ele responde sorrindo. Ela ainda veste o pijama de coelhinhos e mesmo com os cabelos um tanto desgrenhados, é uma imagem muito acalentadora para ele.

– Quer ajuda? – oferece-se ela, sorrindo de volta.

– Não precisa. Estou acostumado a preparar o café. Sempre sou o primeiro a acordar.

– Também costumo acordar cedo.

– Já deu uma olhada em seu novo quarto?

– Ainda não. Shun não deixou – ela responde e senta-se à mesa.

– Eu sei, mas você não deu nem uma espiadinha?

– Ah, não. Eu sou paciente – ela diz, e pouco depois faz uma careta e franze a testa. – Bom, na verdade, eu não sou tão paciente! Estou me controlando muito para não ir lá dar uma espiada.

– Logo terminaremos e você verá o resultado – Shiryu diz, tentando amenizar a ansiedade da moça.

– Tomara! Eu bem que podia fazer um bolinho para o café, não acha?

– Seria ótimo, mas não temos batedeira. É mais fácil comprar bolo na padaria.

– Ah, tenho certeza que o da padaria não é tão bom quanto o meu! Além disso, quem disse que preciso de batedeira?

– Como não?

– Não precisa, ora! Como acha que fazem bolos em lugares que não têm energia elétrica? E antigamente? – ela questiona sorrindo, e vai em direção ao armário.

– Bom, nunca tinha pensado nisso.

– Deixe-me ver se tem todos os ingredientes. Posso?

– Claro. Você agora mora aqui. Não precisa pedir.

– Obrigada – ela diz, e olha bem nos olhos dele. Ao sentir que corava, ela volta a atenção para o armário. – Hum... farinha, açúcar... tem leite? Tem ovos? Tem manteiga? E fermento?

Ele confere a geladeira.

– Leite, manteiga e ovos, sim – ele diz. – Fermento? Não sei.

Ela encontra no armário um vidrinho que a agrada.

– Olha! Leite de coco!

– Sim. O Shun às vezes cisma de fazer alguma comida tailandesa.

– Será que ele se incomoda se eu usar?

– Claro que não.

– Achei fermento! Ah, vamos ter bolo no café! Quer ser meu assistente?

– Não sei em que posso ajudar, mas quero muito ver como um bolo nasce.

– Vai ver.

Shunrei e Shiryu pegam tudo que precisam para o bolo. Em seguida, ela começa a preparação.

– Primeiro você quebra os ovos e separa as claras e as gemas assim – ela explica, colocando claras numa tigela e gemas em outra. – Aí você bate as claras em neve com o fouet – Shunrei continua, mostrando a ele o acessório de metal, que ele olha intrigado.

– Isso se chama fouet? Nem imaginava.

– Aqui é preciso bater assim, olha – ela explica enquanto faz um movimento cadenciado. – Não basta girar o fouet, tem que bater assim para a clara crescer.

– Certo. Primeiro passo aprendido.

– Com as claras batidas, a gente acende o forno.

– Já?

– É. Ele tem que estar quente. Agora é a sua vez, assistente – ela diz, entregando a ele a forma do bolo, um pote de manteiga e o pacote de farinha. – Você tem que passar manteiga na forma toda, e depois salpicar farinha.

– Sim, senhora! – ele responde, batendo continência. O gesto faz os dois caírem na gargalhada. Depois, ele continua, ainda tentando parar de rir – Desculpa... eu não resisti!

– Foi engraçado! Vamos continuar o bolo, agora muito mais animados!

Ele concorda. Shunrei prossegue dando as instruções.

– Bom, agora temos que pegar outra tigela e bater a manteiga com o açúcar até ficar um creme amarelo-claro – ela vai explicando e batendo a mistura. Ele observa tudo atentamente, com mais interesse nos gestos dela do que na preparação do bolo em si. Sempre foi um homem observador, mas nunca tinha percebido que conseguiria permanecer olhando alguém por tempo indefinido sem se cansar. Com ela é assim. Ficaria observando-a por horas a fio, capturando os mínimos detalhes de cada movimento, as expressões mais imperceptíveis do rosto dela. Em tão pouco tempo de convivência, já percebera que ela costuma corar ao olhá-lo nos olhos e que sorri mais vezes quando está sozinha com ele.

– Quando está clarinho, colocamos as gemas – ela prossegue. – Tem que ser uma por uma. Depois, misturamos assim. Por último, alternamos farinha e o leite de coco. Podia ser leite de vaca, mas assim vai ficar mais gostoso. Misturamos tudo e só então colocamos o fermento.

– E as claras? – ele pergunta, com os dedos da mão direita sujos da manteiga que usara para untar a forma.

– Agora vou colocá-las aqui com cuidado. Tem que misturar devagar pra ficar fofinho. Colocamos na forma untada e polvilhada e em quarenta minutos teremos um bolo quentinho e delicioso, feito em casa.

– Você faz parecer muito fácil. Se eu tentar sozinho não vai sair nada.

– É fácil mesmo! Tenho certeza que você aprendeu.

– Acho que não... Enquanto o bolo não sai, vou lavar o carro. Quando ficar pronto você me chama? – ele pergunta, procurando alguma atividade para não ficar na cozinha e acabar por constranger a moça com tantos olhares.

– Claro – ela responde, vendo-o sair pela porta que dá para a garagem. Ele põe o carro para fora, enche alguns baldes com água e começa sua tarefa. Quarenta minutos depois, Shunrei sai à porta, já sem o pijama de coelhinhos, e usando um vestido branco estampado com flores cor-de-rosa.

– Já tirei o bolo do forno! – ela avisa, acenando para Shiryu.

– Ah! Já estou terminando! – ele acena de volta.

Então uma caminhonete para em frente ao sobrado. O motorista buzina bastante.

– Bom dia, pessoal! – Seiya grita de dentro da caminhonete.

– Seiya! O que está fazendo com essa caminhonete? – Shiryu pergunta intrigado.

– É da Sassá, claro. Ela me emprestou.

– Pra que diabos você queria uma caminhonete?

– Para trazer os móveis da Shunrei, ué?

– Meus? – ela pergunta, arregalando os olhos negros.

– É! Presente da minha namorada! Foi uma dureza convencê-la a não comprar um guarda-roupa de seis portas! Ela não queria acreditar que não cabia no quartinho. Ajuda aqui, Shiryu!

– Estou perplexo! Saori sendo generosa? – Shiryu ironiza.

– Ela é, sim! Meu amoreco é a generosidade em pessoa! – Seiya retruca.

– Sei... – Shiryu diz, pegando uma das caixas que estão em cima da caminhonete. Shunrei observa tudo ainda mais perplexa que Shiryu. Como essa moça que ela nem conhecia pode ter comprado móveis para ela? Como alguém pode ser generoso com um desconhecido? De imediato lembra-se que desde a sexta-feira vem sendo cuidada e protegida por aqueles cinco rapazes desconhecidos, dentre os quais apenas Shun pode dizer que tem alguma amizade anterior aos acontecimentos de sexta. Então se lembra de seu velho avô dizendo que "a ajuda vem quando e de onde menos se espera." Sorri nostálgica ao pensar nele e volta a atenção para os dois rapazes que retiram as caixas de seus novos móveis para dentro do quartinho.

– O que ela comprou especificamente? – pergunta Shiryu.

– Cama, cômoda, criado-mudo e colchão. Mas isso porque eu insisti que o quartinho era minúsculo. Como eu disse, ela queria comprar um guarda-roupa de seis portas!

– Eu realmente estou perplexo. Ela não costumava ser generosa.

– Isso foi quando ela era criança, Shiryu! Ela cresceu!

– Certo, certo. As caixas já estão aqui dentro. Vou guardar o carro, depois tomarei café, e então virei montar os móveis. Tentar pelo menos.

– Eu ajudo! – Seiya se oferece com animação maior que a necessária.

– Ai, meu Deus... – lamenta-se Shiryu, receando que a ajuda oferecida por Seiya não seja lá muito útil.

Shunrei entra na casa seguindo os rapazes e senta-se à mesa, ainda pensando no presente que acabara de ganhar.

– Seiya, eu não entendo... – ela diz, quando Seiya também se senta à mesa.

– Não precisa entender!

– Bom, eu gostaria de agradecer o presente pessoalmente.

– Tudo bem – ele diz. – A Saori vai almoçar conosco, aí você agradece.

– Ah, sim? Então poderei agradecer! Que bom!

– Opaaaaaaa! Bolo! – Seiya exclama ao perceber o bolo que esfria sobre o fogão.

– Shiryu e eu fizemos para o café.

– Shiryu? Desde quando ele sabe fazer bolo? – Seiya questiona incrédulo, voltando-se para o amigo que está encostado na parede.

– Aprendi há uma hora... mas acho que não aprendi muito bem... – explica-se o rapaz.

– Que nada! – corta Shunrei. – Você prestou bastante atenção. Na próxima vez, vai tentar sozinho. Só vou ficar olhando.

– Não... – ele diz fazendo uma expressão de "tenha piedade de quem vai comer o bolo".

– Ah, não importa quem fez! Bolo é uma delícia! Já posso comer? – Seiya pergunta, olhando ansioso para o pobre bolinho.

– Claro – Shunrei afirma, já se levantando para trazer o bolinho à mesa.

– Eu também quero! – Shiryu diz, sentando-se à mesa.

Sempre sorrindo, Shunrei serve bolo e café aos dois. Mais uma vez, Shiryu percebe o rubor na face dela quando o olhar cruza com o dele.

– Realmente, Shunrei. Este é muito melhor que o da padaria – Shiryu diz.

– Não falei?

– Quem casar com você vai ser um sortudo, hein? – Seiya diz, com a boca cheia de bolo.

– Imagina... – Shunrei responde e um rubor ainda maior toma conta de sua face. "Será que um dia irei me casar?", ela pensa e, inevitavelmente, olha para Shiryu por alguns segundos.

– A minha sorte é que a Saori tem empregadas – continua Seiya, alheio aos olhares entre Shiryu e Shunrei. – Se eu dependesse do que ela sabe fazer, ia morrer comendo pão com manteiga. Ela não sabe fazer nada! Duvido até que saiba acender o fogão.

– Não exagera, Seiya – Shiryu ameniza, e desvia o olhar do de Shunrei.

– Juro! Saori não nasceu para cozinhar! O que é uma pena, pois eu amo comer!

– Opa! Já estão tomando o café? Nem esperaram por nós! – diz Shun, ao descer a escada.

– Vem logo, senão eu como o bolo todo! – brada Seiya, mais uma vez com a boca cheia de bolo.

– Hum... eu bem que senti cheirinho de bolo! – afirma Shun. – Aposto que é obra da nova moradora da casa!

– É... – Shunrei diz. – Mas o Shiryu ajudou!

– Ajudou? – surpreende-se Shun. – Como assim?

– Eu ajudei a untar a forma – Shiryu explica.

– Ah, grande ajuda... – ironiza Shun.

– Ah, foi sim! – discorda Shunrei, num tom mais amável do que o que ela pretendia usar. – Ele foi meu assistente.

Sensível, Shun percebe de imediato o tom amoroso na voz dela, bem como os olhares que troca com Shiryu.

– Bom, deixa eu guardar um pedaço para Ikki e Hyoga, antes que vocês três devorem o bolo inteiro – ela diz e vai pegar um prato limpo no armário. Demora-se ali mais que o necessário e volta à mesa para cortar um pedaço de bolo.

– Ei, que caixas são essas? – Shun pergunta, mudando de assunto e apontando as caixas encostadas em frente ao quartinho de Shunrei.

– São os móveis da Shunrei! – explica Seiya.

– Hein? – indaga Shun.

– Móveis! Sassá deu de presente. Shiryu e eu vamos montá-los.

– Nossa! Presente de Saori? – Shun arregala os olhos.

– Por que todo mundo se surpreende? – intriga-se Seiya.

– Não é nada – desconversa Shun. – Acho que também quero ajudar a montá-los!

– Ah, não, pelo amor de Deus! Já basta um pra me atrapalhar! – reclama Shiryu.

– Poxa, obrigado por não confiar em mim.

– Não é questão de confiar, Shun. É que você também não leva muito jeito pra essas coisas. Além disso, o quartinho é minúsculo. Não vai nem caber todo mundo lá dentro.

– Tá... se você diz. Mas eu me magoei com essa sua desconfiança.

– Não exagera, Shun. Bom, já acabei meu café. Agora vou lá cuidar dos móveis.

– Shiryu! – Shunrei chama. Ele volta-se para ela.

– Quê?

– Obrigada – ela diz sorrindo ternamente.

– De nada – ele responde com a mesma ternura, e vai buscar o martelo e a parafusadeira.

No quartinho, Shiryu se debruça sobre as instruções de montagem dos móveis. Já perto das dez horas, quando ele começa a usar a parafusadeira, Ikki acorda e desce esbravejando.

– Quem é o filho da mãe que está fazendo barulho? – ele grita, já no último degrau da escada.

– Sou eu! – Shiryu responde do quartinho.

– O que é que você está aprontando, hein?

– Estou montando os móveis que Saori deu a Shunrei – explica Shiryu.

– Ora, ora. Quem diria que a riquinha mesquinha daria algo a alguém?

– Pois é, quem diria?

– Quer ajuda?

– Sua ajuda eu quero.

– Hum... Seiya já se ofereceu, foi?

– É. E Shun também.

– Fez bem em não aceitar. O Seiya é um tapado e o Shun não leva jeito para tarefas como essa. Bom, mas em que posso ajudar?

– Você podia começar a montar a cama aí fora. Depois colocaríamos para dentro.

– Certo. Vamos lá – ele diz, rasgando o papelão que envolvia as tábuas da cama.

– Não vai nem tomar café?

– Depois eu tomo – Ikki diz, pegando uma das tábuas laterais da cama. – O que a paixão faz, né?

– Paixão, Ikki? – Shiryu questiona, muito vermelho.

– É. Paixão. Isso que você está sentindo pela branquelinha. Eu vi vocês dois abraçados ontem.

– Para, Ikki. Eu e ela somos amigos. É só.

– Sei... E por que você ficou nervoso?

– Eu não fiquei nervoso. Eu nunca fico nervoso.

– Nunca ficava, meu amigo. Até que a branquelinha apareceu e despertou a paixão aí dentro. Sabe, às vezes eu até achava que você não gostava muito de mulher.

– Ikki! – censura Shiryu.

– Sério, cara. Vinte anos, bonitão, culto, bem empregado, com carro e sem pegar ninguém! Dá pra desconfiar, não dá? Mas aí eu vi que esse seu jeitão sério afastava as meninas, talvez até de propósito, porque você só deixaria se aproximar alguém que fosse realmente especial. Alguém como a Shunrei.

Shiryu permanece cabisbaixo e em silêncio por alguns segundos. Depois, fala pausadamente:

– Tem razão. Eu nunca quis me envolver com ninguém, porque nunca senti sinceridade em nenhuma das que se aproximaram. Porque as que o fizeram, viam o corpo torneado, os olhos azuis, o carro, o emprego. E eu não sou essas coisas. Eu sou mais que isso.

– Poucas mulheres são como essa branquelinha, Shiryu. E ela gosta de você. Só o Seiya ainda não percebeu.

– Você acha mesmo?

– Eu tenho certeza.

Seiya se aproxima dos dois.

– Falou no diabo... – Ikki diz.

– Larguem isso aí! Já vamos sair para almoçar – brada Seiya.

– Tenho que tomar um banho primeiro – diz Shiryu, levantando-se.

– Então vai logo! – Seiya diz.

– Vou tomar banho também – Ikki diz. – Você sabe, vou levar Shun e Hyoga. Aí terei que passar nas casas das namoradas deles. Essa vida de motorista é foda. Seiya, você vai buscar Saori de moto...

– Moto, não! Estou com uma caminhonete dela.

– Que seja. E você, Shiryu, toma seu banho e vai para o restaurante com a branquelinha.

– Certo – responde Shiryu, com a certeza de que a arrumação de Ikki era de propósito.

No quarto de Shun...

– Shun, você não faz idéia de como estou feliz! – Shunrei diz, sentada na cama de Shun, com as pernas dobradas. – Eu nunca tinha me sentido assim.

– Ah, nós é que estamos felizes – Shun diz, sentado na cadeira da escrivaninha. – Você trouxe tanta luz para essa casa, sabia? Quando é que teríamos bolo fresquinho no café da manhã?

– Eu adoro cozinhar, Shun. Comecei pequenininha, mais por obrigação mesmo. Mas agora é um grande prazer. Eu me distraio muito enquanto cozinho.

– É uma boa terapia. Também gosto de cozinhar, mas bolo eu não sei fazer!

– Eu vou ensiná-lo!

– Por falar em ensinar, como foi essa história de Shiryu ajudá-la?

– Ele ficou lá comigo, untou a forma... – ela diz, olhando timidamente para os próprios pés.

– Eu acho que temos um casal se apaixonando aqui nesse sobradinho... – Shun diz, e arrasta a cadeira para mais perto dela.

– Imagina... não é isso...

– Você não sabe mentir, Shu. E nem precisa.

– Nós vimos um filme ontem... – ela diz, em tom confessional.

– Hum... viram filme juntinhos! E aí?

– Aí teve uma hora que eu abracei ele... não sei o que me deu... Então nós ficamos vendo o filme abraçados.

– Uau! Foi mais rápido do que eu esperava! Mas e depois? – questiona Shun, curioso.

– Depois o quê?

– Depois do abraço teve beijo?

– Não!

– Aaaah! Que pena!

– Shun, eu nunca beijei ninguém... – ela diz, olhando novamente para os próprios pés.

– Beijar por beijar não é legal, mas beijar quem a gente gosta é maravilhoso. Eu quero ser o primeiro a saber quando vocês se beijarem!

– Ai, Shun! Não é assim!

– Se já rolou esse abraço, o beijo está bem perto de acontecer.

– Que nada... Ele só tem pena de mim...

– Não é isso que eu vejo nos olhos dele quando ele olha pra você.

Ikki entra no quarto num rompante, só de toalha.

– Opa. Não sabia que estavam aqui – ele diz. Shunrei desvia o olhar.

– Vamos, Shu – Shun chama, levantando-se. Shunrei o segue, ainda sem olhar para Ikki. Antes que os dois deixem o quarto, o rapaz de cabelos azuis diz:

– Daqui a pouco vamos sair para almoçar.

– Eu sei. Já estamos prontos – Shun diz, parando em frente à porta.

– Você e Hyoga vão comigo, e nós pegamos suas respectivas namoradas. Shunrei vai com Shiryu – Ikki diz e sorri. Shun responde cúmplice:

– Ótimo!

Shun e Shunrei vão até o quarto de Shiryu e Hyoga, onde o loiro ainda dorme.

– Hyoga – Shun o chama. – Quase meio-dia. Já vamos sair para almoçar.

– Hum... o quê? – o rapaz responde, virando-se para Shun e esfregando os olhos. – Já?

– É. Levanta. Ikki já está se trocando. Sabe como ele é, né? Se demorarmos ele vai embora.

– Tudo bem – o loiro diz, sonolento, sentando-se na cama. Veste apenas a calça do pijama e a cruz do Norte que sua mãe lhe dera reluz em seu peito nu. – Nesse caso eu vou com Shiryu.

– Não! – Shun diz, sem pestanejar.

– E por que não? Shiryu não vai?

– Vai. Mas nós dois temos que ir com o Ikki – insiste Shun.

– E por que razão?

– Não importa. Levanta logo e vai se arrumar.

– Você está estranho... – Hyoga diz, levantando-se e saindo do quarto. – Ah, bom dia, Shunrei. Desculpa não ter falado antes.

– Bom dia, Hyoga – ela responde e pensa: "Eu vou ter mesmo que me acostumar com rapazes sem camisa."

Shunrei e Shun descem para a sala. Pouco depois, Ikki aparece.

– Aí, cadê o loiro? – ele pergunta impaciente.

– Já vem – Shun responde e Ikki se senta no sofá. Shun olha para o irmão com ares de incredulidade e diz: – Não vai gritar? Não vai subir e bater na porta do banheiro até o Hyoga sair?

– Hoje não – ele diz, esparramando-se no sofá.

– Hum... como as coisas mudam!

– É. Mudam.

Shiryu chega à sala.

– Ô Suiyama, vai logo pro restaurante com a Shunrei e escolhe umas mesas estratégicas lá – orienta Ikki.

– Estratégicas... – Shiryu repete rindo, e volta-se para Shunrei. – Certo. Vamos, Shunrei?

– Ah, vamos – ela responde e o acompanha até o carro.

Na sala, Shun e Ikki olham-se cúmplices mais uma vez.

– Isso! – comemora o irmão mais novo. – Bom, já é de praxe eu dar uma de cupido, mas não estou entendendo o que deu em você para ajudar também.

– Eu sei reconhecer quando um amor é de verdade – o mais velho diz, e levanta-se do sofá num salto. Da escada, ele grita: – Ô boneca loira! Quer terminar de se enfeitar logo?

– Já estou indo, cabeça de bagre – Hyoga brada de dentro do banheiro.

– Esse é o meu irmão! – ri Shun.

– Já estou indo buscar Saori – Seiya diz, ao passar pela sala.

– Ok, Seiya – Shun responde. – Iremos daqui a pouco.

Enquanto isso, Shiryu e Shunrei chegam ao restaurante. Ele escolhe uma boa mesa e pede para o garçom juntar mais duas.

– É aqui que costumamos almoçar aos domingos – ele explica, puxando uma cadeira para Shunrei sentar.

– Obrigada – agradece a moça. – Parece um ótimo restaurante.

– É, sim – ele afirma, sentando-se ao lado dela. – E não é muito caro.

Ela responde com um sorriso.

– Seu quarto vai ficar muito bonito – ele diz. – Os móveis brancos ficarão bonitos no quarto azul.

– Sim, deve estar ficando lindo – ela assente. Os dois continuam conversando sobre o quarto. Pouco depois, Ikki chega ao restaurante trazendo Shun, June, Hyoga e Eiri. O rapaz de cabelos tingidos de azul aproxima-se da mesa sem ser percebido por Shunrei e Shiryu.

– E aí? O papo está bom, hein? – ele diz, e senta-se na cabeceira. – Nem me viram chegar. E olha que a minha presença é marcante demais para não ser percebida.

– Ikki! – ri Shiryu. – Estávamos falando sobre o quartinho.

– Já estão falando em quarto? – diz o rapaz, fazendo Shiryu e Shunrei corarem.

Eiri e Hyoga entram em seguida. A moça acomoda-se ao lado de Shunrei, e ele senta-se na cadeira vizinha.

– Olá, olá! – Eiri cumprimenta a todos, bastante sorridente, depois se volta para Shunrei. – Hoje temos nova companhia no almoço. Seja bem-vinda, Shunrei! Sou Eiri, namorada do Hyoga.

– Obrigada – Shunrei responde, sorrindo de volta. – Muito prazer, Eiri.

– Igualmente! É bom ter gente nova. Pelo menos mudamos os assuntos.

Shun e June detêm-se na porta do restaurante. Antes de entrar, a loira quer observar Shunrei minuciosamente.

– Então essa é a famosa garota que vocês estão acolhendo? – June sussurra ao ouvido de Shun, olhando para Shunrei, que nesse momento conversava com Shiryu.

– É – ele sussurra de volta. – Não vá arranjar confusão. Você sabe que eu não gosto dessas coisas.

– Basta ela não me provocar e nem se meter com você.

– Shunrei não é de provocações e ela não vai “se meter” comigo, June.

– Assim espero. Já percebeu que você fala como se a conhecesse há tempos?

– Só de olhar pra ela dá pra perceber que ela é uma boa menina.

– Você a defende demais...

– June, vamos parar com isso? Se continuar com essa implicância, eu vou deixá-la falando sozinha...

– Tá, desculpa. É que eu tenho medo de perder você – ela diz, faz uma expressão dengosa, e finalmente se aproxima da mesa, seguida por Shun. – Boa tarde, pessoal.

Todos respondem praticamente ao mesmo tempo. June senta-se de frente para Shunrei. Shun senta ao lado dela, de frente para Shiryu.

– Então é você que está morando no sobrado? – pergunta June, esboçando um sorriso.

– É – Shunrei responde, tímida. – Os rapazes foram muito generosos comigo.

– Não é muito comum moças morarem com rapazes – continua June.

– Eu sei, mas eu não tenho alternativa neste momento – Shunrei retruca, um tanto constrangida.

– Aham... – June diz, desconfiada. – Bom, seja bem-vinda à turma.

– Obrigada... – agradece Shunrei. Sente-se um pouco intimidada pelo comportamento de June, mas sabe que é apenas ciúme e que logo ela perceberá que não há motivos para isso.

– Vamos pedir logo o almoço – apressa-se Ikki, acenando para o garçom. – Seiya sempre chega atrasado mesmo.

– Realmente é melhor pedir logo – concorda Shun. – Irei daqui direto para o trabalho.

– Tadinho do meu fofo! – June diz, apertando as bochechas de Shun. – Não é moleza trabalhar dia de domingo.

– Não é mesmo, mas fazer o quê? Não podia ser sustentado pelo meu irmão.

– Quem disse que eu ia sustentá-lo? Minha obrigação era só até você fazer dezoito anos. Fez. Então, já era. Você que se vire!

– Isso é porque ele me ama! – diz Shun. – Imaginem se não me amasse! Tinha me colocado na rua!

O garçom aproxima-se da mesa e os rapazes fazem o pedido. Nesse momento, June acena para alguém que acaba de chegar ao restaurante.

– Pandora! – a loira diz, chamando a outra para a mesa. Ao ouvir o nome, Ikki, que estava sentado de costas para a porta, volta-se para a direção da moça com seu sorriso mais sedutor. Ela, entretanto, está acompanhada por outra pessoa e finge não notar.

– Pandora, senta aqui com a gente! – June chama outra vez. A alemã aproxima-se de mãos dadas com um rapaz alto, bonito, forte, mas de cara fechada.

– Ah, nós vamos sentar ali na outra mesa. Obrigada, June – ela desconversa, sem sequer olhar para Ikki. O rapaz, por sua vez, encara o acompanhante dela.

– Por favor! Preciso contar pra você as coisas da minha última viagem! – insiste June.

Pandora olha para seu acompanhante e, discretamente, pede paciência.

– Está bem – ela diz, forçando um sorriso e sentando-se. Seu acompanhante faz o mesmo.

– Pessoal, esta é a Pandora, minha amiga alemã. Quando eu fiz intercâmbio na Alemanha, fiquei no castelo da família dela. E este é...

– Radamanthys, meu namorado – corta a alemã, abraçando o rapaz e fazendo-o erguer as grossas sobrancelhas. Até dez segundos atrás, eles eram apenas amigos...

"O que deu nela?", ele se perguntou em pensamento. Sempre fez questão de deixar bem claro que gostava dela, mas ela nunca deu qualquer demonstração de que podia haver algo entre os dois. Agora, de repente, ela o apresenta como namorado. Ele não entende o que está acontecendo, mas resolve entrar no jogo, sem se importar com os motivos de Pandora.

– Exatamente – ele diz, sorrindo com orgulho.

Todos cumprimentam os dois, exceto Ikki.

– Como é seu nome mesmo? – o rapaz de cabelos azuis pergunta. – Rada-o-quê? Tem certeza de que isso é nome de gente?

– É Radamanthys. Obviamente um sujeito que pinta o cabelo de azul não sabe que se trata de um personagem mitológico.

– E quem seria esse Radamanthys na mitologia? Algum animal de estimação dos deuses?

– Radamanthys era um dos juízes do inferno. De nada adiantava esconder crimes e pecados. Ele sabia de tudo – explica o rapaz, em tom pomposo. (1)

– Hum... tão importante que ninguém aqui sabia disso.

– Eu sabia, sim! – Shun diz, e é quase fuzilado por um olhar de Ikki. Radamanthys sorri vitorioso.

– Certo. Mas então, Rada, está criando uma taturana em cima dos olhos? – Ikki pergunta, referindo-se às grossas sobrancelhas do rapaz. Shiryu, Hyoga e Shun olham-no estupefatos. Radamanthys faísca de raiva. Por um segundo, ele pensa em levantar-se e partir para a briga com o insolente rapaz que acaba de conhecer, mas contém-se por não querer decepcionar Pandora. Depois de respirar fundo, ele rebate:

– E você? Pinta o cabelo de azul para quê? Pra ver se a tinta escorre pelo corpo e o transforma num Smurf? Isso não é meio gay?

Agora é Ikki quem pensa em cobrir de pancada o rapaz de nome esquisito. Mas Pandora está lá, é preciso manter o controle... Ela, aliás, olha desconfortável de um rapaz para o outro, esperando a hora em que um deles salte por cima da mesa e agarre o pescoço do outro.

– Gay é a senhora sua mãe – Ikki diz, muito calmamente. – Meu cabelo azul é para dar mais estilo na hora do "vamos ver". Sou lutador de vale-tudo.

– E daí? – desdenha Radamanthys. – Vale-tudo é simplório. Dois idiotas de shortinho colado se atracando? Humf... Não faz meu estilo. Hóquei é esporte de homem.

Hyoga, Shiryu e Shun começam a se desesperar com a troca de farpas entre os dois. Pandora só deseja sair do restaurante o mais rápido possível.

– Vamos embora, Rada – ela murmura para o inglês, antes que Ikki responda à provocação.

– Nós vamos ficar, querida – Radamanthys responde, enfatizando a última palavra. – Está ficando interessante.

– Hyoga, fica atento – Shiryu murmura para o amigo. – Pode ser que a gente precise segurar os dois.

– Pode deixar – o russo responde.

Ikki continua a provocar Radamanthys.

– Então, Radamanthys, você pratica hóquei no gelo ou na grama?

– Gelo – ele responde, encarando Ikki.

– Hum... quanta frescura, não? Deslizar no gelo como uma patinadora alegre.

– Ikki, eu faço patinação no gelo e não sou uma "patinadora alegre"! – protesta Hyoga.

– Fica na sua, Hyoga – Ikki diz. – Não é com você.

– Patinadoras alegres não batem com tanta força quanto eu – Radamanthys responde. –Aliás, por falar em bater, como ganhou essa cicatriz na testa? Estava querendo ser o Harry Potter e caiu da vassoura? Ou pulou de uma árvore para ver se voava como uma arara azul?

– Vocês já se conheceram, não é mesmo? – Shiryu interfere quando Ikki faz menção de se levantar da cadeira. – O Seiya está demorando mais que o normal. Acho melhor ligarmos para ele.

– É, vamos ligar – concorda Hyoga.

– Não precisa. Lá vem o retardado e suas duas mulheres – Ikki diz, referindo-se a Saori e Minu. – Só alguém mais retardado que ele não percebe que a baixinha também é apaixonada por ele.

– Ikki, não precisa ficar falando isso aqui no restaurante – Shun censura o irmão.

Alheio ao comentário, Seiya entra no restaurante de braços dados com Saori. Minu segue o casal de perto.

– E aí, pessoal? Tudo legal? – ele pergunta com sua alegria habitual. – Poxa, amigos da onça! Deixaram a outra cabeceira da mesa pra mim!

– Cala a boca e senta, Seiya – brada Ikki.

– Ué, que bicho mordeu você? – ele questiona, confuso.

Hyoga pensa em responder "foi culpa da taturana", mas a animosidade entre Ikki e Radamanthys é grande o suficiente para fazê-lo guardar o comentário para si.

Continua...


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Notas finais do capítulo

(1) Fonte: O Livro de Ouro da Mitologia, Thomas Bulfinch



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