Ameno Dore escrita por MyKanon


Capítulo 3
III - Comportamento




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Itacy conseguiu se controlar a tempo de não gritar.

_ Nicolai! - reconheceu – Me assustou. - disse baixando os olhos.

_ Perdoe-me. Mas não posso abrir mão de meus passos leves.

_ Eu entendo. - timidamente, encarou-o – Que bom estar de volta.

Sem demonstrar qualquer sentimento, o homem alto e de cabelos grisalhos impecavelmente alinhados, a estudou de cima abaixo com seus perfurantes olhos cinzentos.

Itacy manteve-se em silêncio enquanto ele terminava.

_ Vamos nos juntar a Eloy para a ceia? - sugeriu ele.

Por um instante, os olhos de Itacy brilharam, mas logo a empolgação deu lugar ao habitual sentimento de repulsa.

_ Sim. Ele está precisando...

_ Você também. -interrompeu com dureza.

Itacy estava ciente de sua palidez excessiva e de suas olheiras, mas não se comparava ao seu irmão. Eloy era mais jovem e fraco.

_ Eu estou bem...

Lembrou-se de dizer isso repetidas vezes, e de mentir em todas elas.

+

Enzo jogou-se sobre sua cama, afundando confortavelmente.

Analisou o cronograma de ensaios.

_ Grande valsa brilhante? Grande valsa brilhante? - repetiu frustrado.

Largou a folha sobre o próprio rosto e a assoprou para o alto. Cruzou os braços atrás da cabeça enquanto observava a folha pousar no carpete do quarto.

Se ela era tão intelectual, por que não escolhera algo menos... Animado?

Não importava. Já tinha se comprometido. E tocaria até “parabéns” se fosse para observar um grupo de belas garotas usando apenas um justo colan para cobrir suas silhuetas bem trabalhadas... Especialmente uma ruiva petulante, de incríveis olhos azuis.

Era insuportável, mas apenas observá-la já era extremamente prazeroso.

+

_ Boa noite Francine!

Itacy jogou seus livros de história e geografia sobre a mesa com bastante vigor.

Francine que tentava terminar seu exercício de física não conseguiu impedir o grito de susto.

_ Ei, ei! Calma! Tá devendo para alguém? - Itacy estreitou os olhos como se realmente falasse sério.

_ Não me assuste desse jeito, caramba! Eu estava concentrada!

_ Uh! Que linda! Mas por que minha amiga está tão concentrada antes de começar a aula?

_ Oras... Não posso estudar um pouco?

_ Estudar? Sei...

Itacy deu uma breve olhada para os exercícios pela metade da amiga. Pendeu a cabeça para um lado e cantarolou:

_ Alguém não fez o dever de casa... Menina má.

_ Não começa, Tacy! - Francine voltou a se debruçar sobre seu caderno numa vã tentativa de terminar os exercícios – Nem todos tem a sua facilidade. Vá em frente, me ridicularize.

Ouviu-a gargalhar vigorosamente, e sentiu seu caderno deslizar rapidamente por baixo de seu braço.

_ O que é hein...

_ Shh! - Itacy ergueu um dedo para a amiga – Não me atrapalhe.

Olhou com desprezo para as questões de física e começou a escrever as respostas. Em poucos minutos, jogou o caderno de volta sobre a mesa da amiga com uma das sobrancelhas arqueadas, aguardando agradecimento.

_ É, você está com uma cara ótima hoje... Posso saber o que fez ontem à noite?

Itacy gargalhou novamente.

_ Algo que me deu muuuito prazer amiga... Muito.

_ Sua safada! - Francine riu com a amiga.

+

_ E aí cara? - perguntou Jonas quando Enzo passou por ele.

_ Beleza.

Jogando-se sobre sua cadeira, Enzo guardou as mãos nos bolsos. Já que não levava material, não precisaria fazer lição.

Jonas não entendeu sua atitude. Ainda na noite anterior havia sido chamado na sala da coordenação, mas mesmo assim continuava demonstrando uma displicência despreocupada. Encolheu os ombros e ajeitou-se em seu lugar.

Enzo mirou a janela, e procurou por sua colega. Logo a avistou conversando alegremente ao lado da mesa de uma amiga.

Assim que pousou os olhos sobre ela, recebeu sua atenção. Notou que a garota logo se enfezou ao notar que era observada. Especialmente por ele.

Achou graça de sua irritação, e para provocá-la ainda mais, apoiou o rosto numa das mãos para continuar a observá-la com mais conforto.

Percebeu o gesto obsceno que ela lhe fez, e isso só contribuiu para seu deleite.

_ Ela está mesmo te mostrando o dedo? - ouviu Jonas perguntar.

Enzo terminou de rir e respondeu sem se desviar:

_ Parece que sim.

_ Essa garota não tem limites...

_ E você não acha isso extremamente excitante?

Jonas encarou-o incerto. Seria um delinquente prestes a atacar uma aluna?

Mas depois de uma última olhada em Itacy, se deu conta de quem precisaria tomar cuidado, seria ele.

+

_ Ihhh, que foi hein Tacy? Estava tão bem humorada no início da aula... - comentou Francine ao toque do intervalo.

Itacy pensou em responder que o assédio vindo da sala do outro prédio acabava com seu humor, mas se conteve. Não podia dar tanto crédito a um reles descarado.

_ Eu sou bipolar, Fran.

Quase tendo de correr para acompanhar a amiga para fora da sala, Francine dirigiu-se ao refeitório.

_ Tacy, Tacy! - Míriam começou a exclamar ao se aproximar da dupla – E aí, ficou bom?

A garota sacudiu os cabelos - antes castanhos claros, e agora vermelhos - de um lado a outro. Os fios retos e leves voaram como labaredas ao seu redor.

_ Por que fez isso? - perguntou Itacy inexpressiva.

_ Oras, eu sempre disse que achava seu cabelo vermelho ma-ra-vi-lho-so! E nunca escondi que queria um igual!

_ Ah é, Míriam !– intrometeu-se Francine – Totalmente igual! Quase as confundo...

_ Não enche, Fran! - reclamou a nova ruiva.

Itacy continuava estudando seu novo visual. Preferia os cabelos de tom castanho leve... Agora como estavam, vermelho vivo, não pareciam se encaixar na figura miúda e indefesa de Míriam.

O vermelho era a cor que indicava perigo, muito mais adequada a ela, Itacy, que a Míriam.

_ Míriam, espere um mês... E tinja-os novamente. - finalmente se manifestou.

_ Viu só? Zumbi imitador! - zombou Francine.

_ Fran, fofinha, por que você não retoca sua raiz antes de falar da minha atitude?

Inconscientemente, Francine levou uma das mãos ao alto da cabeça. Depois deslizou os dedos pelos fios dourados e desfiados até a altura do queixo e prosseguiu:

_ Bem, ao menos eu não estava querendo parecer a Itacy...

Itacy revirou os olhos para a discussão infundada de suas amigas e lhes deu as costas. Os estranhamentos de Francine e Míriam sempre minavam sua pouca paciência. Mas apesar da aversão que uma tinha pela outra, acabavam sempre juntas.

Assim como acontecia com ela própria... Talvez aquela ligação inquebrável entre elas tivesse um propósito verdadeiro.

_ Oizinho, Tacy! - cumprimentou Júlia quando Itacy sentou-se ao seu lado – Onde estão aquelas duas?

_ Estavam fazendo amor no pátio. Já devem ter terminado. Mas o que é isso que você está comendo?

_ Ah, é o novo croissant recheado com chocolate... Tinha que experimentar! Quer um pedaço?

_ Afaste essa bomba de calorias de mim! Posso engordar só de encostar nele. Mari, espero que não tenha se atrevido. - disse apontando um dedo para a amiga logo à frente.

_ Jamais! Veja: barra de sementes! Não tem nem farinha! - animada, a jovem mordiscou seu lanche – Tem mais aqui! Pega uma!

_ Não, obrigada.

_ Você se importa se eu pegar uma para experimentar? - perguntou Michele.

_ Claro que não, precisamos nos ajudar! Somos praticamente irmãs em calorias!

_ Ou melhor, na falta delas! - corrigiu Michele abrindo um pacote.

_ Vai Tacy, pega uma! - Insistiu Marian.

_ Eu não quero Mari. Não estou com fome...

_ Você nunca está com fome, Tacy. Mas você sabe que isso não pode... - aconselhou-a.

_ Isso o quê, Mari? Falta de apetite? Me desculpe por não ter um botão para ligá-lo ou desligá-lo.

_ Não estamos falando de falta de apetite. Estamos falando de... - Marian olhou para os lados, como se checasse que era seguro prosseguir – Se os professores descobrirem, podem mandar te internar, e aí sim vão te entupir de calorias.

Então Itacy entendeu a quê se referia. Não resistiu a uma pequena gargalhada. Meneou a cabeça, desacreditando do que ouvia, quando alarmada Francine perguntou:

_ O quê? A Tacy com Ana?

_ Tanto quanto você é drogada, Fran. - rebateu sem emoção.

_ Gardenal é droga, não é? - provocou Míriam.

_ Fecha a matraca, Bic vermelha. Quer que eu arranque sua tampa?

_ Palhaçona.

_ Menstruação inversa.

_ Tacy, você sabe que não pode dar bandeira... - continuou Marian.

_ Ei, ei! Eu não tenho Ana coisa nenhuma, vocês tá louca? Dá aqui essa droga de semente!

Tomando com violência o cereal que Marian ainda estendia em sua direção, Itacy rasgou sua embalagem e deu uma mordida. Mastigou a combinação de grãos e sementes e engoliu.

_ Eca! O que tem aqui além de alpiste?

_ É gergelim e quinoa. - respondeu Michele lendo a embalagem – Não é tão ruim. Podíamos distribuir dessas barrinhas aos finais dos ensaios... Não acha, Tacy?

Quando Michele voltou-se para ela, Itacy deu outra mordida no petisco.

_ Hum-hum. - confirmou mastigando.

Marian consentiu com um aceno de cabeça, como se aprovasse a atitude da amiga.

Itacy sabia do estereótipo atribuído às aspirantes de bailarina, e sabia que não devia se surpreender por imaginarem que tivesse anorexia, mas se surpreendeu. Jamais sofreria desse mal, mas a única forma de provar, era satisfazer os caprichos das amigas e acompanhá-las vez ou outra em seus lanches.

_ Toma Tacy, é light, e de soja. - Francine empurrou uma caixinha de suco para a amiga.

Mesmo sem a mínima vontade, Itacy perfurou a caixinha com o canudo e bebeu seu conteúdo.

Eca, eca, eca!” Pensou irritada sugando o conteúdo insípido.

+

_ Tacy? Oi, queria tirar algumas dúvidas sobre a Grande Valse Brilhante... Podemos ir embora juntas? - pediu Marian parada à porta da amiga no final da aula.

_ Não posso, Mari. Amanhã falamos no ensaio. Tenho q resolver umas coisas.

_ Que coisas?

Sem responder à ultima pergunta, Itacy passou pela amiga, jogando a mochila nas costas.

Marian a observou atravessar o corredor, e tomar as escadas rumo ao subsolo, onde ficava o estúdio. Talvez fosse algum assunto relacionado ao corpo de balé, mas alguma coisa em sua aparência não parecia bem. Estava pálida, e parecia suar. Estaria passando mal? Precisava de ajuda?

Não hesitou em segui-la para a academia.

+

Itacy apoiou-se na beirada da pia. Enrolou o cabelo num coque e molhou o rosto. Outra vez sentiu uma fisgada na boca do estômago e gemeu de dor.

_ Porcaria de sementes!

Respirou fundo pressionando a barriga, e a dor pareceu diminuir.

Mas mal diminuiu a pressão sobre o estômago e ela voltou intensamente. Sentiu que ele se contraiu num espasmo de dor, e correu para o cubículo mais próximo.

+

Marian não viu ninguém no estúdio, mas um som abafado lhe chamou a atenção. Parecia um gemido. E vinha da direção do banheiro. Sentiu uma pontada de medo, pois estava tudo na mais completa escuridão.

Olhou para trás, para as portas duplas que havia acabado de atravessar. Como elas ainda balançavam para a frente e para trás, algumas frestas de luz tinham a oportunidade de iluminar fracamente o salão.

Aproveitou o movimento bruxuleante da iluminação para correr até a porta do banheiro. Empurrou-a e rapidamente acertou o interruptor de luz.

_ Tacy?

Continua


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