Love Is Waiting escrita por Gabriela Rodrigues


Capítulo 1
Capítulo 1




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O vôo foi tranqüilo (para mim, pelo menos). Minha mãe passou mal quando descemos em Brasília e, de lá pra cá precisou usar o saquinho de vômito duas vezes. Não o mesmo, é claro. O primeiro foi uns trinta minutos após a decolagem, quando passamos por uma leve turbulência. A segunda foi na hora do lanche, por causa do cheiro enjoativo dos sanduíches que eles servem.

Quanto a mim, quase não percebi o tempo passar. Li as últimas 257 páginas do meu livro, fiz algumas páginas de uma revista de palavras cruzadas, ouvi música e depois caí no sono. Quando acordei com a minha mãe mais pálida que de costume me cutucando nós já estávamos pousando em Campinas – SP.

Encarreguei-me de pegar as malas (eram cinco!) e fui procurar um táxi vago. Foi assim que paramos nesse aqui: eu, com a cara amassada de sono, minha mãe, pálida e com o cabelo embaraçado, suando que nem maluca mesmo a 10°C (temperatura local) e o doido do taxista, sedento por freguesia, que só faltou jogar a nós duas dentro do carro da mesma forma que ele fez com nossas malas.

Para completar a desgraça, minha mãe resolve apavorar o motorista e desmaiar dentro do carro do coitado. Dei graças a Deus quando chegamos, 45 minutos depois, à casa de minha tia, Margareth, em Americana – SP.

O almoço estava na mesa quando chegamos. Arroz, creme de milho, feijão, bife a cavalo, macarrão, almôndegas e lasanha, além dos sucos de abacaxi e caju e as sobremesas, torta de limão e mouse de chocolate. Ninguém havia almoçado ainda (estavam à nossa espera), então nos cumprimentamos rapidamente e fomos comer. Servimo-nos bem, mas como havia muita gente e não cabíamos todos na mesa da sala nem da cozinha, eu saí e fui comer na salinha de estudos.

De todos os cômodos da casa, a salinha de estudos sempre foi e ainda é o meu preferido. O segundo melhor é a garagem, com espaço para três carros. O que faz da garagem um lugar tão legal é que como o único carro da família quase não para em casa, minha tia resolveu presentear um de meus primos com uma tabela de basquete (a cesta, sabe?) e fez da garagem, a quadra. É lá que jogamos quando estamos entediados.

Como eu disse, a sala de estudos é a melhor parte da casa. Quando passamos pela porta, damos de cara com uma bancada única com três gavetas (uma para cada um dos meus primos: Luke - 24 - Jake - 19 - e Fred - 12). Do lado direito há uma estante em L que pega a quina da parede. Nela fica o computador, a televisão (que não tem controle remoto) com o vídeo-game conectado, e um quebra-cabeça em 3D da Torre Eiffel montado recentemente. No resto da parede que fica perto das janelas (posicionadas em frente à porta) ficam penduradas sete prateleiras abarrotadas de livros.

Sentei em uma das cadeiras, abri espaço na frente do computador para pôr meu prato e fui checar meus e-mails. Pouco tempo depois parei no meio da frase que escrevia, pois senti alguém de pé atrás de mim lendo cada palavra que eu digitava. Sem me virar, apaguei todas as letras e recomecei:

“Não digite nada de importante ou que possa ser um segredo: o idiota do meu primo está lendo cada vírgula.”

Minha cadeira virou de repente e dei de cara com Jake. Ele estava tomando banho quando cheguei e ainda não tínhamos nos falado. Ele me puxou para um abraço mudo. Pode parecer estranho, mas entendi rápida e perfeitamente o significado daquele gesto silencioso. Fora assim nossa despedida na última vez que nos vimos, há quase quatro anos. Eu estava furiosa com ele e não abri a boca ao entrar na sala de embarque. Só o abracei, pois minha mãe mandara. O motivo? Não lembro.

Não quebrei o silêncio, mas desliguei o computador com ele ainda me fitando. Virei-me outra vez para encará-lo. Ele parecia lutar com as palavras. Finalmente, tomou coragem e perguntou, a voz baixa, quase um murmúrio, mas audível e perfeitamente clara:

- Ainda com raiva?

A pergunta me pegou desprevenida e me chocou ao mesmo tempo. Constrangida, abracei-o novamente, ainda muda. Ele deve ter percebido meu constrangimento, pois assim que o soltei ele desfez o semblante de culpa e montou uma careta divertida acusando-me, como costumávamos fazer tempos atrás:

- Mas é folgada, mesmo! Mal chega e já vai invadindo o computador dos outros... – ele me olhou nos olhos, avaliando minha expressão de ofensa mal fingida e sorriu – Se bem que não te culpo. Acho que faria o mesmo se viesse do meio do mato e me deparasse com uma pequena amostra de tecnologia...

Não consegui evitar e comecei a rir.

De todos os meus vinte primos, Jake, três anos mais velho que eu, sempre foi meu preferido. Olhos castanho-claros, pálido como o resto da família, cabelos castanho escuros quase negros que clareavam formando mechas douradas quando expostos muito tempo ao sol (como os meus, exceto pelo fato de minhas mechas serem ruivas) e uns sete centímetros mais alto que eu, Jake sempre me fazia rir, desde o dia em que o conheci quando tinha três anos. Sinceramente não lembro o que aconteceu para ficarmos sem nos falar por tanto tempo.

Terminamos de comer (graças à nossa conversa) só perto das quatro da tarde. Estava louca de vontade de tomar um banho, mas insisti em lavar a louça. Ele cedeu e se pôs a enxugar os talheres ao meu lado.

Chovia fraco quando eu finalmente entrei no banheiro, uma hora depois, e a temperatura já tinha caído uns dois graus. Saí de meu banho relaxante, deixei minha mãe arrumando nossas coisas na suíte que minha tia nos cedera, onde dormiríamos nos próximos dois meses (ela iria dormir no quarto da filha mais velha dela, April, que faria 28 anos em setembro), vesti meu moletom preto por cima da minha blusa de alcinha branca (não estava frio, mas o vento era forte) que acompanhava meu bermudão jeans até o joelho (herança de Marquinhos, outro primo), calcei meu chinelo e fui à salinha de estudos para me distrair.

Eram agora 05h30min e estava passando jornal na TV Globo. Quando eu finalmente encontrei um filme que prestasse em um dos outros 499 canais disponíveis e me acomodei em uma cadeira, notei um vulto entrar na sala, passar correndo por mim, desligar a TV e, antes que eu pudesse sequer pensar em alguma coisa, virar minha cadeira, me pegar no colo, me jogar no sofá da sala de estar, e sentar na minha barriga. Jake. O primo que tentava reviver nossas antigas brincadeiras, esmagando meu estômago, as pernas cruzadas, pés balançando, tampando minha boca e reclamando quando comecei a me virar tentando escapar e sacudir de tanto rir e ofegar. Jake. A imagem do conforto.

Empurrei-o para o lado e a guerra começou. Fazia cócegas nele enquanto desviava das almofadas que ele usava para tentar me acertar. Caí no sofá e ele se jogou em cima de mim. Tentei levantar, mas ele segurava com força meus pulsos. Retorci-me, libertei uma de minhas pernas (ele sentara em cima delas) e me pus a chutá-lo. Ríamos alto e sem medo de que alguém brigasse conosco: minha mãe acabara de organizar nossas coisas e todos haviam saído. Estava muito legal. Essa era nossa brincadeira preferida: brincar de brigar. Como sempre, ele ganhava, eu o fazia rir com minhas tentativas inúteis de me libertar e quando parávamos, horas depois, estávamos ofegantes, cansados e famintos.

Eram quase oito horas quando ouvimos o portão ranger e corremos para reorganizar as almofadas, o tapete e disparar para a cozinha. Ofegantes, e suados mesmo a quase 5°C, (a temperatura caía rápido durante a noite) minha mãe logo percebeu que tínhamos aprontado alguma.

Minha tia, não sei por que, pareceu aliviada quando viu Jake vermelho arfando perto da pia da cozinha engolindo às pressas um copo de água. Bem mais tarde, depois de uma rápida conversa, minha mãe me perguntou, pouco antes de dormir o que nós tínhamos feito naquela tarde:

- Nada demais... – eu recuei.

- Mas vocês estavam arfando... – ela insistiu.

- Ta bom... – e comecei – Estávamos brincando. – eu não era louca o bastante para contar a ela cada detalhe do meu fim de tarde, mas achei que parte do ocorrido bastasse.

- Fico feliz que vocês tenham se divertido. Foi por isso que você não quis ir pra praça com a gente? Tava um vento tão bom...

- Foi. Fazia um bom tempo que a gente não brincava, mas tava cansada demais pra andar por aí. – menti – Mas, como eu disse, não fizemos absolutamente nada demais.

- Mesmo assim. Afinal, você sabe que o seu primo praticamente se isolou do mundo em uma bolha imaginária desde que seus tios se separaram, não é?

Eu já tinha ouvido aquela história antes. Um ano depois da minha saída dramática há quatro anos, meus tios se divorciaram, só que foi algo tão repentino que abalou a todos da casa.

Era um dia comum, e estavam meus tios e meus quatro primos na sala assistindo à TV quando meu tio se levantou de repente, arrumou as malas dele, disse que estava de saco cheio dali e foi embora sem se despedir ou dar melhores explicações a ninguém.

Todos foram pegos de surpresa, incluindo minha mãe e eu quando descobrimos. Mas isso afetou cada um de uma maneira diferente. Fred, o mais novo, criou uma obsessão por comida. Ele come convulsivamente; por pura gula; estando com fome ou não.

April, a mais velha, passou a trabalhar dobrado. Quase não pára em casa. Luke, o segundo filho, praticamente voltou a ser criança. Implica com todos, é irresponsável, não quer saber da faculdade e começou a furar a cara toda pra pendurar piercings (ele já tem sete, atualmente).

Quanto à minha tia, ela criou certa aversão a qualquer tipo de relacionamento. Para ela, com exceção dos filhos e alguns poucos homens, nenhum indivíduo do sexo masculino presta.

Jake é, de todos os outros, o caso mais complicado. Desde que seus pais se separaram abruptamente e pararam de se falar (mesmo que meu tio entre em contato com eles por telefone quase todos os dias e faça visitas sempre que dá) ele se isolou do meio externo. Quase não desgruda do computador, mal fala com os pais (só responde quando falam com ele, mas nunca inicia a conversa), parou de sair com os amigos (uma vez por mês agora parece bastar) e não sai de casa por vontade própria.

Jake parou de conversar com quase todos à sua volta e, segundo minha mãe, a única pessoa com quem ele se abre sou eu e, muito raramente, através de e-mails, meu pai.

Fui me deitar pensando naquilo, mas demorei a pegar no sono. Devo ter dormido já de madrugada, ouvindo um som baixo de violão vindo da sala. Era uma música antiga e lembrei onde a tinha escutado pela última vez: Jake, na véspera de meu retorno a Belém, na última vez que viajei pra cá, tocara a Marcha Fúnebre pra mim. Era assim que eu dormia e, pelo visto, continuava sendo.


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Notas finais do capítulo

pessoal! Essa é a segunda fic que eu gosto e é completamente diferente. se gostar, comente e se não gostar, comente assim mesmo! XD Ah! e não esqueça de indicar essa história para quem você conhece caso você ache que vale a pena continuar lendo.