E se Fosse Verdade escrita por EmyBS


Capítulo 24
E foi um sonho




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Carlos realmente cumpriu com o que disse e assim que coloquei meus pés de volta a minha casa percebi que não havia nada ali que me lembrasse dele. Inclusive as fotos em que ele aparecia não estavam mais lá. Roupão, rosas, presentes, até mesmo o cheiro que vinha dele não estava mais ali. Parecia absurdo que alguém pudesse fazer tal coisa, apagar uma existência completamente da minha vida, não deixar nenhum rastro, apenas memórias.

Memórias.

Ele não podia apagar minhas memórias.

E os dias pareciam cinzentos e frios.

A rotina logo voltou, mais uma vez, ao lugar.

Trabalho, amigos, risos soltos, abraços, saídas, viagens, aniversários, vida. Um pulsar irritante martelando em minhas veias marcando o compasso daquela realidade. Minutos, horas, dias, meses e um ano se passou com uma velocidade absurda ou talvez fosse apenas a sensação de se deixar levar pela correnteza da vida.

Tentei sair algumas vezes com Rodrigo, mas depois de todos os acontecimentos, acabamos convencidos que não tinha como ter alguma coisa além de uma relação física entre nós. Eu nunca o amei, contudo poderia apenas continuar usando-o e ele aceitando, mas nenhum de nós queria algo desse tipo para nossas vidas.

E o tempo passou e realmente tinha dias em que eu me jogava na cama e pensava se realmente aquilo tudo tinha acontecido. Se não tinha sido apenas um sonho doido ou mais uma das minhas histórias entre realidade e ficção. As lembranças começavam a se embaralhar com sonhos, o gosto, as lembranças e sensações ficavam a cada instante mais distante.

Deixei os livros açucarados de lado e comecei a ler alguns de ação evitando consideravelmente vampiros e lobisomens. Mudei de hábitos e filosofia. Busquei coisas novas, abri minha mente, respirei o ar gelado da manhã, estiquei minhas pernas, alonguei meu corpo, voltei a fazer cursos que tinha parado e conclui projetos inacabados.

Mantive meu emprego, fui convencida a sair para dançar algumas poucas vezes, fui promovida, recebi flores de um admirador nada secreto, que era irmão de uma colega de trabalho, e a vida seguiu seu rumo ininterrupto. O tempo passou, a imagem no espelho refletia a idade que avançava. A saudade se tornou uma lembrança distante.

E era quase como se ele nunca tivesse existido.

Eu teria seguido em frente esquecendo completamente o motivo do meu coração doer tanto, que muitas vezes tinha ido parar a emergência de algum grande hospital para tentar fazer parar. Nenhum médico nunca descobriu algum problema comigo, mas me receitavam remédios. Remédios que faziam a dor amenizar a noite e eram cada vez mais fortes, mas o aperto e a angustia não parecia passar. Era fincada constante, uma ferida aberta que sangrava sem parar.

O problema é que esses mesmos remédios que aplacavam a dor me levavam a um mundo de sonhos e nesses sonhos eu via Carlos tão nitidamente, que ele parecia real. Em algum momento entre sonhos e realidade eu me perdi. Era tão bom, perfeito e impossível. Não tinha como ser real, era apenas um sonho. Apenas um sonho bom que tinha chegado ao fim. Sonhos não têm finais felizes.

E depois daquele longo inverno, eu finalmente esqueci como quem esquece o nome da boneca predileta ou da minhoca de estimação da plantação da pré-escola, coisas sem importância que cruzam a nossa vida sem que consigamos controlar. Os remédios foram jogados fora e um colorido estranho voltou a minha vida.

- Bom dia! – minha estagiária sorriu assim que chegou a sua mesa.

- Bom dia! – respondi animada sentindo uma felicidade naquele dia que nem eu mesma conseguia compreender.

- Empolgada com nossa reunião à tarde?

Kelly era uma menina agitada, muito nova ainda e extremamente auto-astral.

- Com quem é nossa reunião para deixá-la tão entusiasmada? – perguntei sorrindo verificando os documentos em cima da mesa.

- Pierre Meyer!

Olhei para ela com uma cara que a deixou desconcertada.

- Como assim você não o conhece? – ela praticamente me acusou – Lindo, loiro, olhos azuis e dono da maior vinícola no sul do país? Um dos mais novos e brilhantes empreendedores rurais desse país? Capa de várias revistas especializadas?

- Achou que faltei a essa aula. – respondi sincera.

A garota me olhou indignada, mas no fundo alguma coisa me parecia familiar com esse nome. Devia ser algum cliente antigo ou talvez alguma reportagem no jornal. Ignorei deixando isso para depois do almoço, quando teria a tal reunião com o deus grego sulista, segundo minha estagiária.

A manhã transcorreu tranqüila, finalmente a esperada reunião chegou e eu me vi em frente a um homem alto, ombros largos, impecavelmente vestido num terno cinza, jovem, intensos olhos azuis e um sorriso desconcertante.

- Isabella! – o executivo pegou minha mão para beijá-la e estranhei.

Ele era quente, extremamente quente e um arrepio percorreu meu corpo.

- Sr. Meyer! – sorri sem graça retirando rapidamente minha mão enquanto minha estagiária suspirava ao meu lado.

Aquela havia sido a mais estranha reunião da minha vida. Pierre parecia me conhecer e me hipnotizava com seus intensos olhos azuis. De uma maneira estranha eu me sentia desconfortável diante aquele olhar e a sala estava quente. Talvez algum defeito no ar condicionado central.

- Como herdou a vinícola, se me permite perguntar?

Pierre riu e sua risada lembrava um latido de cachorro.

Aquilo me parecia familiar, assim como o cheiro que vinha dele.

- Do meu pai, após ele falecer num acidente de carro há alguns anos.

- Lamento.

- Tenho certeza que não... – ouvi-o murmurar, mas não fazia nenhum sentido.

Não prestei mais atenção a reunião, palavras, atos, tudo me parecia familiar naquele homem e isso me irritava. Até mesmo a maneira como ele me tratava era como se nós conhecêssemos, mas de onde eu o conhecia? Buscava na mente de onde tudo aquilo era familiar, o calor, os cheiro cítrico, a voz rouca.

Flashes.

Um quarto.

Um vestido rasgado.

Sangue, latidos, lobos.

Um enorme lobo cinzento com olhos azuis em brasa.

Deixei a caneta cair no chão e realmente não via o que acontecia a minha volta. Meus olhos fixos nos azuis de Pierre. E ele sorriu. Um familiar sorriso torto e piscou um olho brincalhão.

Na despedida ele me entregou um envelope e voltou a piscar como se conhecesse uma piada interna que eu me recusava a entender, mas eu queria lembrar mais. Queria que fizesse sentido toda aquela familiaridade.

Não percebi que minhas mãos tremiam até abrir o envelope, já sentada na minha mesa, por algum motivo eu sabia que alguma coisa estava mudando, mais uma vez, na minha vida e um arrepio percorreu minha coluna.

Uma passagem aérea.

Porque Pierre me entregou uma passagem aérea em meu nome para aquele dia a tarde?

Porque olhei apreensiva para o relógio, apenas para constatar que eu teria que decidir rápido o que aquilo significava. Um sorriso bobo brotou em meus lábios e me levantei num pulo recolhendo minhas coisas. Não teria tempo de passar em casa.

- Aonde você vai nessa pressa toda?

Ouvi minha estagiaria perguntar e sorri ainda mais.

- Não sei.

Corri pelo aeroporto tentando chegar a tempo no embarque. Portão 12. Não sabia nem que voou era aquele, mas não importava. O que eu sabia, ou sentia, era que deveria entrar naquele avião. Era como se minha vida dependesse dessa decisão. Como se todos os dias eu esperasse por aquela oportunidade. Uma esperança e uma felicidade inexplicável brotavam em meu peito. Meu coração disparava e eu ofegava, há quanto tempo eu não me sentia assim? Viva?

Ondas elétricas percorriam meu corpo quando sentei na poltrona, fechei os olhos e respirei fundo, tentando acalmar meu coração, um aroma inebriante e familiar invadiu meus sentidos e eu senti uma brisa gelada como um vento esquecido da madrugada ao meu lado.

- Olá Isabella!

Me virei em choque para o homem sentado ao meu lado.

Não podia ser.

Não era real.

Meu coração martelava enlouquecido em meu peito e ar ficava a cada instante mais gelado.

- Quem é você?

Perguntei tremula e ele sorriu. Era uma pergunta tola, eu sabia, eu lembrava. Tinha tentado esquecer e deixado de lado, mas todas as noites eu olhava para o céu estrelado e abria as janelas da casa esperando por uma visita, buscando pelo menos sentir as cobertas mais frias do meu lado. Minha mente podia ter ignorado, mas meu subconsciente esteve esperando por todos esses anos.

Ele sorriu, um sorriso amplo e iluminado na sua pele extremamente branca.

- Você sabe quem eu sou Isabella!

Ele não deixou de sorrir e tirou os óculos revelando os brilhantes olhos dourados como ouro líquido. Ofeguei encarando-o e me perdendo num redemoinho de emoções enquanto aqueles olhos tão sedutores me fitavam apreensivos.

- Isso não é verdade. – sussurrei, minha mente continuava em não querer acreditar, mas eu sabia que era real, meu coração sabia. Um sorriso há muito esquecido surgiu em meu rosto sem pedir licença. Eu estava feliz. Tão feliz.

Ele tocou minha pele deslizando com seus longos dedos gelados até tocar meu pescoço delicadamente me fazendo derreter por completo ao sussurrar em meu ouvido.

- E se fosse verdade?

FIM


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Notas finais do capítulo

Esse é o último capítulo.

Muito obrigada a todos que acompanharam essa história. Fiquei muito feliz com todos os comentários.

Só para notificar: Esse é o fim dessa linha, mas não o fim da história como um todo.

Daqui alguns dias estarei postando "E se fosse verdade 2".


Até lá, beijinhos...



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