Estrela Solitária escrita por AnaYukina


Capítulo 10
Capítulo 8:Antipatia


Notas iniciais do capítulo

O interrogatório



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[center][b][u]Capítulo 08:Antipatia[/u][/b][/center] [b]"Nunca se pode concordar em rastejar, quando se sente o ímpeto de voar"[/b] (Helen Keller - escritora norte-americana) [i]“É muito importante que você viva sob o acompanhamento do Serviço de Inteligência,Fujiwara...dessa forma,a família do seu pai pensará bem mais que duas vezes antes de se aproximar...o mesmo vale para qualquer outro youkai:sabendo que não estará desamparada,eles fingirão nem mesmo ter sentido sua energia...olhe,isto é diferente de uma invasão de privacidade...o que pretendemos é facilitar a coisa para todos os lados...queremos ao mesmo tempo garantir a segurança do povo,inibindo a ousadia de todos e quaisquer inimigos com nossos sistemas e demonstrando nossa ação abrangente...sabe que está colaborando para a paz deste mundo ao colaborar conosco?...queremos garantir também que você possa levar uma vida normal ao máximo possível,sem pessoas histéricas com medo de seus poderes e origem,sem a mídia instalando o caos,e mais importante,sem a estúpida interferência do governo e dos inescrupulosos,como cientistas buscando autopromoção-estes são terríveis,pode acreditar...além do mais,existe um ponto do qual somente nós,do Serviço de Inteligência,e você,teremos conhecimento:os estudos que fazemos...o monitoramento do seu dia-a-dia...fazem parte de uma pesquisa sócio-psicológica que decidimos fazer acerca dos híbridos...não se deixe enganar por aquelas anotações aparentemente preconceituosas...se agirmos de outro modo,a Guarda Expedicionária nos acusará de negligência,fraqueza moral,conivência...você sabe que o Rei Enma Daiou não possui boas referências sobre os youkais...você sabe o quanto esse povo é cruel e violento,até com seus próprios semelhantes...levará tempo até provarmos que o seu caso é singular...você tem um lado humano bem educado graças à uma família estruturada,que a cerca de carinho e apoio...e sei que não quer contato com aquele mundo destrutivo...então mantenha-se na linha...agüente firme!Mostre à eles quem são os verdadeiros animais...nunca dê a chance de dizerem que estavam certos sobre você.Tudo na vida exige sacrifício...sua mãe sacrificou-se em nome de um romantismo ilusório...seja mais prudente:sacrifique-se pela sua sobrevivência.Isto significará a sua estada permanente neste mundo,longe da guerra e de uma vingança despropositada...posso dizer uma coisa num plano mais pessoal?...Você age com muita elegância e dignidade...use isto para vencer a ignorância,e se tornará melhor do aqueles que a feriram ou ainda ferem....”[/i] Mizuki Kaho dissera tudo aquilo à Reiko durante uma das visitas de monitoramento,realizada logo depois da conversa entre Koenma e a garota sobre a morte de seus pais.Os agentes do Reikai revezavam-se naquela atividade como forma de evitar algum ‘apego’,embora Fujiwara desconsiderasse totalmente a idéia de se apegar à Otake e seus capachos. A diretora do Serviço de Inteligência foi concisa e lúcida, sem ares emocionais apelativos.Reiko não pôde concluir até que ponto houve sinceridade, entretanto, mesmo chateada por ter sido vencida pela esperteza da outra, conseguiu admirá-la. Durante o “evento”, a jovem admirou-a mais uma vez ao vê-la mostrar tanto poder através da centralidade. Koenma Daiou estava muito ansioso,alterando o tom de voz com freqüência,sorvendo grandes goles de água para aliviar a secura da garganta. Ryuji Otake aborreceu Kaho ao insistir na conversão do interrogatório em julgamento,como se formassem um conselho fanático religioso cuja pauta perpétua consistia na caça às bruxas e aos infiéis. Tanto o comandante quanto Koenma,este manipulado pelo empenho exagerado em defender sua tutelada,começaram uma inusitada batalha verbal repleta de circunlóquios e grandes mesuras,discutindo desde ideologias até paranóias pessoais.O basta foi dado pela diretora do Serviço de Inteligência,ao puxar Reiko pelo braço anunciando as ausências de ambas enquanto os dois resolviam a questão divergente da finalidade principal. Dez minutos depois,ânimos em repouso,a mulher decidiu que era a hora de ‘infiltrar-se’.Sob o pretexto de servir como relatora ao presidente-da-sessão,ela informou à Fujiwara notícias interessantes:a estória do espetacular suicídio de Kaoru Motomiya espalhara-se,transformando a residência dos Yukimura numa espécie de Santuário Macabro Sem Fins Lucrativos,uma vez que muitos curiosos e monges budistas visitavam o lugar,mas nenhum cliente honrava o restaurante com sua presença. Kenichiro Fujiwara havia arcado com os prejuízos materiais (depois de esgotar todas as suas forças convencendo o orgulhoso Jyou Yukimura) e facilitara,em segredo,junto à um ortodoxo gerente de banco,o empréstimo para que a família pudesse alugar outro estabelecimento para instalação do restaurante,pois a casa dos Yukimura e a Rua Baramui passaram a ser vistas como amaldiçoadas. [i]“Agora,Comandante,gostaria que apreciasse este roteiro que improvisei para orientação minha e do Senhor Koenma...verifique se está de acordo...”[/i] Sabendo que valorizá-lo provocava uma aceitação automática,após anos servindo cegamente à um sistema no qual apenas recebia e cumpria ordens,Mizuki acabou por dominar o processo através do próprio processador.Já tivera conversas com Otake,na mesma linha da que tivera com Reiko:“O Serviço de Inteligência e a Guarda Expedicionária devem trabalhar como se fossem uma balança,pesando adequadamente para manter o equilíbrio”. A primeira etapa da entrevista foi acerca das impressões pessoais de Reiko Fujiwara em relação às dificuldades da família Yukimura,à interferência de seu avô no problema e ao acontecido em geral.Ainda mergulhada em profundo mal-estar,a menina entendera a jogada,e orientando-se pelo próprio julgamento e pelas dicas de Gaspard Murakami,safou-se perfeitamente. A verdade é que o S.I. recolhera um vasto material e absolutamente coisa alguma denotava más intenções nas atitudes da mestiça ou incongruências / anormalidades no roteiro dos acontecimentos. O prejuízo dos Yukimura estava sendo coberto pela família Fujiwara...“Um dano remediável não constitui dano!”,dissera Koenma,momentaneamente inspirado.Reiko refreou seu franco sorriso:se estivesse ali,o promotor Fujiwara teria tido a mesmíssima idéia. De modo que Ryuji Otake concentrou suas ressalvas nos três únicos pontos fracos: [b]1)[/b]O que Fujiwara realmente estava fazendo num lugar como aquele,àquela hora,uma vez que tinha tanto temor em deixar os avós sozinhos? [b]2)[/b]Porquê não pediu ajuda à polícia ou à um adulto se notou que a menina estava com sérios problemas? [b]3)[/b]O que faria com relação ao trauma de Keiko Yukimura?Ataque sobrenatural,lavagem cerebral...aquilo sim,fora de sua exclusiva responsabilidade! Reiko secou o tímido suor de suas mãos na própria roupa. O contato entre as travas de segurança e sua pele despertava-lhe deprimentes recordações. Fora muito difícil olhar dentro dos olhos reprovadores e austeros de Otake.Sentia-se humilhada. [i]“Eu faço parte do clube de jornalismo,na escola,como o senhor comandante tem conhecimento...”[/i] A frieza e antiquada austeridade revoltavam Reiko.Quem a porra daquele palhaço pensava que era?Poderia fazer muitas coisas com ele se quisesse ‘meter as mãos na merda’,ah!,se poderia... [i]“Nós tivemos a idéia de entrevistar os alunos,para promover uma interação melhor entre todos...na verdade,a idéia foi minha,mas eles me apoiaram...muitos viram isso como um meio de aparecer...então eu resolvi procurar alguém diferente...Yusuke Urameshi,um estudante que costuma freqüentar as áreas nem um pouco nobres do distrito onde moro...foi somente por isso.Eu e meus avós temos um sistema portátil de alarme,os mesmos usados pela polícia...não posso passar a vida inteira trancada dentro de casa.”[/i] Otake estava de pé,fitando-a do alto.[i]“Tem como provar este intento?”[/i] [i]“Este é o termo correto,pois não passou de um intento.Quando encontrei Urameshi,ele já estava com Kaoru Motomiya...não posso lhe apresentar provas de uma coisa abstrata”[/i] Mizuki Kaho duvidava cada vez mais da inteligência do comandante:era incompreensível aquela insistência em massacrar a menina.À seu ver,seria muito mais seguro aquela individua perigosa estar integrada ao Reikai de algum modo,e não segregada abertamente por ele. O Rei Enma não era um inconseqüente estúpido...Mizuki tinha certa impressão de que havia alguma coisa da qual não lhe estavam informando...essa desconfiança tornava-a tensa e irritadiça,mas foi com inexpressividade que ouviu a resposta de Reiko à segunda questão: [i]“Não creio que o senhor conheça os códigos sociais do meu país...tudo é muito reservado...silencioso...rígido...ela me pareceu ter sofrido um tipo especial de violência...aprendo alguma coisa sobre crimes com meu avô...não há espontaneidade entre a maioria do meu povo...não há cooperação...isso gera excesso de insegurança nas pessoas...é preciso tato e paciência para chegar à todos...eles tem fixação por um conceito disforme de honra,baseado na superioridade...em outro lugar,o caso já seria complicado por causa da vergonha,do medo,do trauma,mas aqui torna-se mais grave porquê implica exclusão social,julgamento público,rejeição familiar...”[/i] [i]“Há algum tempo atrás,você humilhou publicamente um sujeito durante um encontro de pais,alunos e professores em sua escola...chama isso de possuir tato e paciência?”[/i] Certo.Já deveria estar habituada à estas coisas. [i]“Eu jamais humilhei aquela pessoa.Quis apenas mostrar que compreendia sua verdade...como isso estava machucando,prejudicando,limitando injustamente...na esperança de que ele ouvisse o próprio senso...e lutasse contra o que o aflige...”[/i] [i]“Expondo-o à uma situação vexatória ao esmiuçar-lhe a intimidade na frente de todos?”[/i] Koenma protestou,exasperado: em que aquela conversa contribuiria para o interrogatório? Mizuki contatou o herdeiro de Enma por telepatia.{ [i]Deixe-o prosseguir...[/i] } .O rapaz olhou para a mulher,sem compreender.Ela não era a rainha da objetividade? [i]“É notável o gosto de Fujiwara por tumultos que possam enaltecê-la...deveria respeitar os sentimentos alheios,e principalmente,as regras do mundo que lhe acolheu.Elas já organizavam a vida destas pessoas quando você surgiu.Não pode querer que joguem tudo para o alto de uma hora para outra como forma de comprovar sua suposta genialidade!”[/i] Custosamente, Reiko expressava firmeza em seu rosto,mas suas emoções estavam contidas em seu olhar,emprestando-lhe um digno refulgir. [i]“O senhor está aqui para auto-promoção,Comandante?”[/i] [i]“Não me faça perguntas,você é quem...”[/i] [i]“O senhor está aqui...por causa do modo como enxerga a minha existência...para o senhor,eu sou uma espécie de tumor maligno que cresce no mundo dos humanos...ameaçando contaminar...e destruir...feito uma doença peçonhenta...pois saiba que a violência moral e psicológica que homens como aquele sofrem todos os dias também mata e destrói...e tal qual o senhor,eu acredito que os tumores malignos devem ser extirpados...pela raiz.”[/i] Há tempos Mizuki vivia sem surpresas. Seu jejum acabara naquele momento. { [i]Ela é uma pessoa interessante...[/i] } Koenma não respondeu ao comentário telepático.Pediu recesso de quinze minutos. Otake dirigiu-se respeitosamente ao príncipe.-Em vez disso,eu gostaria de falar à sós com Fujiwara. -Antes a deixe responder à terceira questão,Comandante...-Mizuki sugeriu.-Todos nós temos a mesma dúvida,e será mais eficaz saciá-la de imediato.-Ela fitou o homem significativamente. -Você está presidindo este interrogatório,mas não pode privar-nos de assisti-lo!Tudo o que se refere à esse assunto diz respeito ao Reikai como um todo! Kaho lançou à Koenma,de soslaio,um olhar quase crítico.[i]Se ele está presidindo é claro que pode,seu idiota![/i] -Jamais pretenderia esconder-lhe algo,senhor!-Otake curvou-se,com sincera reverência.-Desejo apenas conversar com a interrogada para verificar até que ponto vossa influência pode estar encobertando-a. -O que está insinuando,Comandante? -Nada que possa desaboná-lo!O senhor tem a tutela da garota no Ningenkai...e ela,sendo muito jovem,precisa aprender à assumir por si mesma a responsabilidade do que faz,sem contar com o escudo de sua presença acolhedora.Se é tão madura,não deve ser tratada feito criança. -Será que eu poderia...-Mizuki forjou certo interesse.-...participar como observadora,Comandante?Eu ainda não havia considerado este importante aspecto...os dados recolhidos por sua experiência tem de estar inclusos nos relatórios de conduta. Ela percebeu que ele dividia-se entre o ego lisonjeado e o sucesso daquela inédita manobra individual. De repente,alguém pediu licença para dizer:-Eu também gostaria de falar à sós com o Comandante Otake. Mizuki estupefou-se.Koenma engoliu em seco.[i]E agora,mais esta...![/i] Reiko Fujiwara e o Comandante Ryuji Otake ficaram sozinhos na sala.Ao passo em que ele caminhara brevemente,com as mãos para trás,Reiko permanecera sentada e nervosa,articulando um plano incerto. -O que você quer me dizer?-Ele a fitou,de modo impessoal. -Eu...bem...-Além de estar muito cansada,a menina precisava ganhar tempo.-O senhor primeiro,não quero atrasá-lo. -Por certo! O homem fez sinal à ela para que levantasse.Ao apontar com o dedo uma cadeira vazia diante da mesa próxima,não teve o intento de fazê-la sentir-se ainda mais como um cachorro. Ele também parecia um tanto perturbado,em meio ao ar sisudo,quando acomodou-se atrás do móvel,numa poltrona marrom. -Muito bem...admita de uma vez.Se falar a verdade,isto será levado em conta na aplicação da pena. Fujiwara perdeu todos os sentidos.Mas juntou-os depressa,precisaria de cada um deles.-Do que...,do que está falando? O olhar do oficial tornou-se ameaçador,quase irado.Seu rosto revestiu-se de dureza calculada.Ele pareceu à Reiko estar cheio de indignação,mas um pouco tenso. -Sou o chefe da segurança nacional.Estou acostumado a lidar com TODOS os tipos de situações,das mais críticas às relativamente simples,como esta.Não gozo da inteira credibilidade do Sr. Enma Daiou sem motivo. -Eu sei...-Reiko acautelava-se,em alerta,aparentando tranquilidade.-Já conheci muito sobre a sua competência,pelos jornais...do Reikai,é claro! -NÃO TENTE ME ENROLAR COM ELOGIOS,FUJIWARA!Comece a falar...VAMOS! Por um instante,Reiko ficou paralisada.Pediu à Deus que lhe desse paciência.Urgente. -Por favor...primeiro tem de me dizer do que quer que eu fale... -Você tem faltado às aulas de orientação da mestra Genkai... -Eu... -Fale somente quando for necessário!Você está sendo interrogada,esta não é uma conversa informal!Ao menos hoje o senhor Koenma escapará deste inconveniente trazido à si por sua própria generosidade.Ele não está presente para ser pressionado pelas suas artimanhas. A menina fitava-o,extremamente séria.Um estranho desespero assombrava-lhe a postura civilizada.Vários professores já tinham dispensado (e ainda dispensavam) tratamento igual à Reiko,mas ela nunca tivera o ímpeto de arrancar-lhes a cabeça como desejou fazer naquele momento com Ryuki Otake. -Sim,senhor.-O murmúrio digno entre seus lábios enervou-a contra si mesma. -Você tem faltado às aulas de orientação da mestra Genkai...deu a desculpa de estar ocupada com uma reportagem para o jornal da escola,não se engane,eu estou sempre muito bem informado! Escondendo as mãos debaixo da mesa,Reiko não parava de flexionar os dedos.‘Sempre muito bem informado?’.Naturalmente.O trabalho do Serviço de Inteligência era indispensável para quem se dispunha a utilizá-lo ao invés de fazê-lo,ela pensava. -Também sei que anda fazendo experimentos ilegais,utilizando a sua paranormalidade,chegando ao cúmulo de registrá-los num inocente diário! [i]Deveria existir uma droga reguladora do senso de ridículo...[/i] -Você não estava ajudando aquela pobre moça,coisa nenhuma!Usou à ela e à Keiko Yukimura nas suas experiências,alguma coisa deu errado,e tem-se aí esta desgraça! [i]Em supositório...![/i] O homem calou-se,fitando-a.Cerrou os punhos,mas um trejeito de dor atravessou-lhe o semblante.Reiko observou quando ele abriu rapidamente as mãos enfaixadas. -Estas observações...devo respondê-las...ou apenas fazem parte de um roteiro,como aquele da Diretora Kaho? A polidez surpreendeu-o,assim como a atitude aristocrática adotada pela garota.Seus olhos brilhavam esplendidamente, denotando uma fúria que ele não era capaz de detectar.No timbre de sua voz,havia uma nota bastante seca indicando desgosto,no entanto,coberta em elegância.Por mais violentos que fossem os membros do clã Kadaisha,os Fujiwara conheciam o segredo envolvendo a genuína superioridade desde o berço.No caso daquela jovem,alguma dose de violência em sua superioridade também existia. -Estou ansioso para saber até que ponto tentará chegar! -Para quê,Senhor Comandante?Possui a certeza do que ocorreu...de modo que deve haver provas...a não ser que pretenda somente torturar-me com seu maquiavelismo... -Estas piadinhas pseudo-sofisticadas tornam o seu cinismo ainda mais vulgar! -Sinto muito.Então, posso responder? -Quanto mais tentar ganhar tempo,será pior! -Não foram encontrados vestígios de energia sobrenatural no corpo de Kaoru...quanto à Keiko,a análise do S.I. mostrou que não foi aplicada nenhum tipo de energia concentrada diretamente,descaracterizando quaisquer intenções ofensivas de minha parte...sendo que ela desmaiou devido à pancada na cabeça.Isto nos leva à seguinte conclusão:um experimento paranormal deixaria vestígios e provocaria resultados esdrúxulos...como objetos suspensos no ar...principalmente se mal conduzido...aquelas anotações encontradas em meu diário são apenas técnicas de controle,jamais de expansão...num dos laudos do S. I.,também consta o meu quadro psíquico após a ocorrência...eu utilizei uma destas técnicas anotadas em meu diário para equilibrar as forças alheias à minha vontade...foi graças à isto que a casa dos Yukimura por pouco escapou de um incêndio...a minha condição paranormal não advém do meu Ki maligno...pode ser potencializada por ele,é claro...no entanto...este problema está resolvido...usarei as travas de segurança do Reikai...para sempre...se assim for necessário...-A voz de Reiko quase vacilou neste ponto.-...E...retomarei as aulas de orientação com a mestra Genkai,dividindo minha pesquisa com ela...não dividi antes porquê meus deveres para com o clube de jornalismo impediram-me de encontrá-la...aliás,pedi autorização para ser liberada,e o Departamento de Segurança Nacional concedeu-a...preocupo-me com a suposta ameaça que represento às pessoas...meu objetivo é apenas colaborar com o Reikai e comigo mesma,do mesmo jeito que o seu pessoal colabora com a Diretora Kaho...acho que mereço esta chance...do contrário,todos os soropositivos,por exemplo,deveriam ser banidos do convívio social...eles são humanos e também ameaçadores,supostamente... Otake manteve-se composto,embora taciturno.-Lembra do que ocorreu há quatro anos? Enquanto Reiko assentia,suas mãos transpiravam,apertando as bordas da cadeira.A garganta estava muito seca. Num dia qualquer de seus dez anos de idade,Fujiwara estivera passeando por um parque de Sarayashiki quando avistou um grupo de finalistas do ginásio reunidos em um círculo. Acompanhada pelo primo Shuichi,aproximou-se esperando encontrar alguma brincadeira da qual pudessem participar. A diversão,na verdade,consistia em estimular um colega de classe à praticar abusos contra outras crianças presentes no local,a fim de adquirir seu passaporte para o descolado Trio da Primeira Arte,um bando de talentosos desenhistas e estudantes aplicados que nas horas vagas perseguia os ‘idiotas’. Reiko tentou levar o ‘calouro’ consigo,mas a situação também complicou-se para ela e o pequeno Shuichi.Negociar,conforme o avô sempre lhe ensinara,de nada serviu...o jeito foi adoçar o juízo de um dos arruaceiros com uma boa descarga de energia elétrica. Temendo agir feito uma youkai assassina e mentirosa,ela admitira o caráter doloso da ação:ao vê-lo fechar as mãos em volta do pescoço fininho de Shuichi,bastou segurá-lo pelo pulso para presenteá-lo com dois dias de reflexão num hospital. A mestiça também confessara que a vítima não atacara seu primo efetivamente.Mesmo sendo de mal gosto,apenas uma brincadeira justificava sua violenta contrapartida. O Serviço de Inteligência fizera seu trabalho,assim como o Departamento de Segurança Nacional:Reiko fora condenada à quatro meses de prisão,a ser cumpridos na carceragem do Castelo-sede do Reikai. Fazendo o que sempre faziam nos momentos difíceis, Kenichiro Fujiwara e Koenma Daiou juntaram as cabeças, conseguindo transferir o local do cumprimento da pena para o domicílio da família. Reiko passara todo aquele período isolada no próprio quarto, cuja entrada era guarnecida por uma surpreendentemente agradável integrante da Guarda Expedicionária,disfarçada de enfermeira. Ouvia,do lado de fora,a birra e o choro de Shuichi,o constrangimento da moça,pedindo que o levassem dali...recebia visitas que duravam 1 hora,à cada dia,muitas vezes de profissionais do Reikai,roubando-lhe o pouco tempo com sua família e Koenma...estudava e fazia os deveres da escola via internet,mas quando retornou,os colegas já não a olhavam da mesma forma... Um pouco da agressividade quase dissimulada resvalava em seu olhar,tornando sua elegância pitoresca,igual à de uma fera paciente.O peito poderia explodir em sua tentativa de conter o ofego.Teve o impulso de mandar aquele homem estúpido ir se foder.Mas ao invés disso, preparou-se.Precisava reunir a força que se originava daquelas reminiscências, custasse o que custasse.[i]“Você não vai enjaular-me outra vez,seu filho da puta!”[/i] -Esse caso já foi resolvido e encerrado,Comandante. -Mas o TUMOR...-Ele apontou o dedo na direção dela,energicamente.-...como diz você mesma...ele ainda existe!E quanto à Keiko Yukimura? -Eu sinto muitíssimo...é uma boa pessoa...mas quando...esbarrei nela...não o fiz de propósito...e nem manifestava o Ki maligno... E agora?O que diria?...nada mudaria o fato de que existia uma vítima com seqüelas!...Ah...mas é claro!Poderia emplacar esta...quem sabe conseguisse algo mais... -...Quanto à paranormalidade...se é um problema tão acima do superável...eu gostaria de encontrar-me com os demais.Eles também devem estar contidos de algum modo,com certeza.O Serviço de Inteligência nunca perde alguém de vista. -De que ‘demais’ está falando? -Dos outros paranormais,naturalmente.Se apenas a paranormalidade é o bastante para conservar-me um perigo em potencial,deve existir algum tratamento mais específico...a mestra Genkai é muito sábia,mas esta não é a sua especialidade...nos treinamentos com ela eu posso queimar minha energia,aprender a controlar as ondas sobrenaturais...mas penso que apenas algum método desenvolvido por cientistas especializados pode dar um jeito no único problema que temos agora...o dom não impediu minha mãe de trabalhar para vocês...e meu avô contou-me que ela controlava-o melhor após tornar-se detetive do Reikai... -Sua mãe era humana!-A voz dele soou ligeiramente histérica em meio à sua autoridade.Escorria-lhe suor pela testa.-CEM POR CENTO! Muito aristocrática,Reiko ergueu as sobrancelhas.-Esta aparelhagem de contenção,Senhor Comandante,deixou-me com energia equivalente à dos humanos,cem por cento...mas a paranormalidade persiste...durante o ápice do distúrbio,desgastei bastante minha mente e espírito,de modo que os poderes telecinéticos estão suspensos temporariamente...foi uma providência dos sistemas psíquico e biológico...aliados ao excelente tratamento à que fui submetida,no Serviço de Inteligência...do mesmo jeito que o organismo humano produz anticorpos.Mas em menos de um mês,voltarão com força total...eu quero controlá-los plenamente para evitar problemas como este no futuro.Gostaria que o Reikai me ajudasse com isto...de forma direta,para evitar também mal entendidos.Por isso eu pergunto...onde e como estão os outros? Ela concentrou-se em captar a expressão que banhou o rosto do Comandante Otake antes que se recolhesse tão rápido quanto a maré:a surpresa inicial plantada nas feições rígidas,como lâminas riscando a superfície de uma rocha.Um pouco tensa,logo foi sobrepujada pela desconfiança,culminando numa suave perturbação causada pelo conflito entre um provável pensamento muito sério e a urgência em dissimular o melhor possível.Logo surgiu a máscara imperiosa e formal,sob a testa enrugada,enfeitando aquela fachada de intrigado desinteresse. -De onde tirou essa estória de que...é um fenômeno muito raro!Você e sua mãe são as únicas já registradas no país desde a Segunda Guerra!Não existe um tratamento especial...apenas técnicas simples de controle! -Eram estas técnicas que minha mãe utilizava? -Sim!-Mesclavam-se o nervosismo e o autoritarismo. -Orientada pelo Reikai? -Ela não era dada à estranhas pesquisas e experiências,como você. -Mas o mundo espiritual com certeza...é isso o que está dizendo? -ESTAMOS FALANDO SOBRE VOCÊ!E sobre esta situação que... -A [u]situação[/u],Comandante,é que eu estou sendo negligenciada por aqueles que deveriam orientar-me!Porquê nunca falaram à respeito destas técnicas?Porquê eu tive de recorrer à estudos e deduções que,embora eficazes,tiveram fundamentos empíricos,quase leigos,quando vocês já tem uma fórmula pronta?Porquê não a repassaram à mestra Genkai,se não podem aplicá-la diretamente?Aliás...porquê puderam aplicá-la à minha mãe e não à mim?Talvez porquê precisassem de algo com que...[u]motivá-la[/u],a assumir um cargo tão importante mas tão perigoso... Os dois estavam sem fôlego,porém,altivos,cada um à sua maneira:ela,calmamente segura,ele,de queixo erguido.Guardados no íntimo,ambos tinham um sentimento em comum e armas semelhantes:absoluta revolta e suas próprias feridas,prontas para envenenarem um ao outro através de si mesmas,respectivamente. -CALADA!INSOLENTE!-Otake levantou-se.QUEM PENSA QUE É? -Por favor,Comandante... -VOCÊ NÃO ESTÁ SENDO NEGLIGENCIADA COISA NENHUMA! O dedo em riste sacudia violentamente, muito próximo ao rosto de Reiko.Mesmo que a raiva e a tensão rasgassem-na por dentro,ela jamais desistiria da civilidade.[i]Isso mesmo,machão de merda...grite feito uma bicha![/i] -Sua mãe tinha outros potenciais além da telecinesia!Foi por isso que a procuramos,ensinar-lhes as técnicas de controle foi uma conseqüência desse relacionamento!O mundo espiritual decidiu entregar você à uma orientadora para que aprendesse a dominar seus poderes de um modo geral...a mestra Genkai é extremamente qualificada para a tarefa!O caso é que VOCÊ,ACHA QUE PODE SER MELHOR QUE TODOS AO SEU REDOR! Agora ele perdera o controle de vez.Tornara-se irascível.-SÓ VOCÊ CONHECE A VERDADE DA VIDA!SÓ VOCÊ SABE O QUE ACONTECE COM AS PESSOAS!SÓ VOCÊ TEM A SOLUCÃO PARA OS PROBLEMAS DELAS! -Eu só quero ajudar...! -SABE O QUE VOCÊ DEVERIA FAZER? O homem rodeara a mesa,indo parar do lado de Reiko.Ele agarrou a garota pelos braços,erguendo-a,chutando a cadeira para longe.Absolutamente espantada,ela sentiu as baforadas quentes da respiração dele sobre o rosto. -Comandante... -Será que você não percebe...!-Havia um brilho indignado nos olhos de Ryuji Otake.E uma angústia misteriosa,transformada em intolerância.-Você é uma aberração,Fujiwara!A sua existência neste mundo está totalmente errada! As mãos dele oprimiam-lhe a carne.-Eu...eu sou metade humana...quer o senhor queira ou não,Comandante... -Escute!Olhe...você não tem culpa de ter nascido...isto,o que nasceu...mas não há nada em você que possa ser aproveitado por aquelas pessoas!Você não quer ajudá-las!Na verdade, sabendo que não pode controlá-las com seus poderes, você tenta dominá-las através de outras formas!Você está tentando marcar um território, onde todos tenham de obedecê-la pensando igual à você!Fazem isso também no Makai!A essência daquele...daquele mundo,dentro de você,é inegável! Ele a sacudiu.Reiko estava sobre as pontas dos pés.Ela mantinha-se digna e educada,desesperadamente. -Eu venho tentando fazer justamente o contrário!Eu quero que eles parem de achar que é normal pisotearem uns aos outros e à si mesmos! Bruscamente,o comandante largou-a.Fujiwara massageou os próprios braços,contrariada. Ele dera-lhe as costas por um instante,e se voltara antes que ela pudesse esconder quanta raiva sentia.Apenas olhar dentro daqueles olhos intensamente agressivos pareceu nocivo ao oficial. -Você deveria deixar o Ningenkai.Este não é o seu lugar.O que insiste tanto em esperar deste mundo,Fujiwara?Daqui à trinta ou quarenta anos,os seus avós morrerão,talvez até muito antes!E você,por outro lado,viverá milênios à perder de vista! Ele havia se distanciado dela, mas o som de sua voz reboava pelas paredes, deslizando ao redor de Reiko. -Um dia,você pode até se rebelar contra as regras do mundo espiritual...mas isso não fará com que as pessoas normais aceitem você!Se não for embora,como continuará convivendo entre os humanos?Eles formam famílias,envelhecem,morrem...não pense que poderá viajar pelo mundo,porquê não vamos permitir!Você não vai contaminar o resto da humanidade com a sua...a sua deformidade!Sim,é isto o que você possui,uma deformidade no corpo,na alma,e no espírito!Você nasceu para destruir tudo e todos!Ninguém nasce com tanto poder sem uma razão!E seu poder não serve para mais nada além de causar dor!A sua mãe!A sua mãe foi uma vítima desta verdade!Em nome dela,você deveria partir!Lá no Makai,encontrará os seus,poderá acertar-se com eles da maneira que achar melhor...se ficar no Ningenkai,tudo o que poderá fazer será subir às montanhas dentro de pouco mais de uma década e viver escondida por toda a eternidade!No Makai,você poderá ser livre,à sua maneira,sem contrariar a natureza,a ordem divina,ou quem quer que seja!Você libertará à si mesma,e à todos os humanos se tomar essa decisão!O que fará se o clã de seu pai invadir este mundo para caçá-la?Temos a barreira da divisa,é claro,mas eles tem muitos ardis!Eu e meus homens controlaremos a situação,mas quantas pessoas terão morrido até lá?É desta forma que você preocupa-se com elas??Você disse que os tumores devem ser arrancados pela raiz...acho que o melhor seria você começar,dando o exemplo! O homem empertigara-se,decidido.Após alguns momentos,ele começou a inquietar-se:Reiko não demonstrava reação alguma.Ela fitava o nada,como que refletindo.Séria, mas muito suave.Sua defensiva arrogância pareceu ter cedido. Quando finalmente ela o fitou,Otake surpreendeu-se. -O que faria no meu lugar,Comandante?O senhor partiria para o Makai?Viveria lá,com eles? Ele ficou perturbado,e nada respondeu. -À respeito do que o senhor sente, quando olha para um youkai...Já considerou...ao menos por um instante...que eu também sinto a mesma coisa? -Do que está falando? -Eles são seres que o senhor e eu odiamos.De formas diferentes e por razões diversas...mas basicamente,é o mesmo sentimento. Ele pensou.Mas permaneceu em silêncio. -Quando eu olho para um deles...-Ela continuou,sensibilizada,mas com firmeza.-Eu penso em toda a pressão que recaiu sobre os meus pais...principalmente sobre o meu pai...eu tenho ódio quando lembro que eles escravizam os mais fracos,vendendo-os como se a fraqueza fosse o bastante para torná-los mercadoria...quando lembro que eles devoram a carne de humanos ou até de semelhantes...quando lembro o quanto acham que são superiores...apenas porquê passam a vida inteira dando porrada uns nos outros...sabe o que eu penso quando olho para qualquer um deles,Comandante?Que são uns covardes de mente vazia. O homem escutava,tenso,com os braços caídos.Ela parava apenas para engolir saliva. -O seu ódio,Comandante,é diferente do meu...o senhor odeia porquê sente medo e inveja! -COMO?!-O semblante dele se desfigurou,tornando-se mais uma vez truculento. -Eu não o censuro por me odiar...cada um de nós,age movido por sentimentos muito pessoais,o tempo todo...é um detalhe o fato de termos as melhores ou piores intenções... -Que bobagem é esta sobre ter medo e inveja?Eu sou... -Quando olha para mim,o senhor não consegue ver alguém que tem direito à desejar viver em paz...o senhor vê um monstro...como aquele à quem o senhor diz ter matado,há três anos trás,numa batalha que durou...quatro dias,se não me falha a memória... Na verdade,Reiko Fujiwara sentia tanto medo de youkais quanto o Comandante Ryuji Otake.No entanto,ele jamais saberia disto.Já bastava Gaspard Murakami tê-la revirado ao avesso.Chegara a sua vez de revirar.Do contrário,acabaria encerrada numa das celas do Reikai. [i]Não pode ter compaixão![/i].Ela repetiu para si mesma,enquanto ele digeria seu próprio choque.[i]Este cara não irá poupá-la!E ele não merece ser poupado![/i] -Eu não só disse,como também o fiz! Era evidente a confusão em que o outro se encontrava.Concentrando-se,Reiko assumiu mais uma vez a sua postura aristocrática,de fria elegância e modos impecáveis.Ela não falaria à ele como falara ao senhor Fukuda,num tom sinceramente preocupado e respeitoso.Sua voz teria de possuir o mesmo retumbar de uma guilhotina se quisesse o triunfo em suas mãos. [i]Eu não pretendo ajudá-lo...eu quero...não...eu apenas preciso...[u]massacrá-lo[/u]!ELE TRAIU MAMÃE!Ele só vai ter o que merece!Não estarei sendo desonesta coisa alguma!Oh,Deus,eu só quero salvar a minha pele![/i] Fazendo malabarismo com a própria ansiedade,ainda perturbada por tudo o que ele dissera,Reiko pediu licença e deu-lhe as costas.Ela apanhou a cadeira que ele chutara,e colocou-a de volta no lugar.À seguir,acomodou-se,olhando para frente. -Recordar,neste caso,não é apenas viver,Comandante...vamos também descobrir algumas coisas. Ela secou o suor das mãos na roupa,disfarçadamente,enquanto ele caminhava até sua poltrona de grande chefe,pisando firme. -O que está inventando agora?Fazer mais joguinhos só vai piorar sua situação e de maneira nenhuma deixará de cumprir... -Tem tido notícias do Senhor Grouza,Comandante? O olhar de Otake sobre Reiko intensificou-se,instintivamente.-Do que está falando? -Suas mãos.-Ela observou.-O que houve com elas? -Não se faça de tola!Sabe que todos os guerreiros enfaixam seus punhos! De repente,ele não queria mais insistir no tema ‘Senhor Grouza’.Reiko prosseguiu. -Mas há pequenas protuberâncias debaixo das ataduras...almofadinhas de algodão...e gazes,correto?Há mais de uma camada de atadura...o senhor feriu-se,com certeza. -Sou um lutador veterano!-O homem parecia estranhamente inquieto.-Sempre treinei com afinco,o que me rende muitas marcas,o tempo todo. -Estas marcas...foram de um treino de técnicas ofensivas e defensivas frontais...o senhor o concentrou bastante nas mãos...durante os seus treinos...luta com alguma coisa imaginária...quer atacá-la com todas as forças...mas ao mesmo tempo...deseja afastá-la do senhor... -DIGA LOGO AONDE QUER CHEGAR! -O senhor deve possuir uma academia particular,onde treina sozinho,longe dos seus subordinados...durante a noite,porquê de dia está muito ocupado...antes de dormir...para afastar os pesadelos...e também durante a madrugada,quando eles não se intimidam e acabam chegando... O nervosismo e a determinação de Reiko traduziam-se através de seus punhos cerrados.Ryuji carregava um duro semblante. -Eu...eu...eu tenho uma academia em casa!Qual o problema de treinar sozinho?E o que você teria a ver com meus pesadelos,se eu os tivesse,é claro?? -Ninguém pode saber o quanto o senhor pensa em Grouza.Ele está vivo!-Ela afirmou,suavemente.-O senhor jamais o matou!Nem ao menos pôde enfrentá-lo!Ele o manteve prisioneiro durante aqueles quatro dias...e quando achou que já era o bastante,tomou-lhe em seus braços e o levou até a fronteira entre o Makai e o mundo espiritual,como um carteiro deixa um telegrama na caixa de correio! Somente a expressão tensa,ultrajada e trêmula teria sido suficiente.-Mas que...que despropósito...!Está louca,está louca,desesperada!De onde tirou estas idéias?? -Primeiro...se o Comandante tivesse realmente matado aquele youkai,teria trazido consigo a cabeça ou qualquer outro pedaço dele,como troféu...não tanto para mostrar aos outros quanto ao senhor mesmo... -Como poderia pensar numa coisa tão doentia após aquela árdua batalha??Eu estava ferido!! -O senhor cresceu admirando a força do povo das trevas...apesar de saber,desde pequeno,que os youkais são tumores malignos...junto com esta admiração,também tinha o medo...a inveja...a incompreensão...talvez uma dúvida à respeito da sensatez de Deus...é difícil para o senhor compreender o porquê da existência de criaturas tão poderosas e destrutivas...tem medo e ódio deles porquê são mais fortes do que o senhor jamais será!...no quarto dia,chegou ao Reikai...andando por suas próprias pernas...não estava ferido à ponto de estar impossibilitado de concluir seu ritual de superioridade...quanto à uma coisa concordamos,de fato,é doentio... -Você...você...-Ele tentou sorrir com superioridade,mas o sorriso saiu desengonçado.-...você não sabe o que diz! -Deixe-me provar que sei. Reiko tornou-se menos tranqüila,mas conservava o auto-controle.Sempre que se dirigia seriamente à um grupo de pessoas,ela enervava-se,preocupada ao extremo em ser compreendida,logo,tendo utilidade ao cobrir seu objetivo.A tensão crescia enquanto falava. A recusa do Comandante em admitir os fatos para ela ruiria se fizesse com que admitisse para si mesmo,esfregando-os debaixo do nariz dele. Precisava ter calma.Agora estava falando somente à 1 pessoa.E aquela não era uma conversa de conscientização.Tratava-se unicamente do seu próprio rabo. -Está esperando pelo quê,Fujiwara?Nenhum milagre poderá salvá-la.Você está por sua própria conta,e acabou indo longe demais. -O senhor possui uma coleção de pedaços dos corpos dos youkais eliminados pela Guarda Expedicionária...é uma forma de transformá-los em objetos,animais insignificantes...por dois motivos:para fazê-lo sentir seguro de si...e para convencer seus subordinados de que podem tudo com quem quiserem...é um espetáculo de exibicionismo interno...o senhor não expõe essas peças publicamente por receio de enfurecer o mundo das trevas e pagar caro pela ousadia... Otake se levantou,lançando à ela um olhar terrível.Reiko estava quase sufocada pela própria respiração.Ele não a deixaria terminar,ia jogá-la pessoalmente no calabouço,naquele instante!,ela pensava. -ENTÃO!Acha que pode safar-se bancando a vidente...!Na possibilidade hipotética de ser verdade tudo o que disse...onde estariam as provas? Pronto,chegara o momento decisivo.Ela controlou-se um pouco mais.Correndo o risco de explodir,decidiu que teria de levá-lo consigo. -As provas estão impressas...na sua pele. O homem transfigurou-se.Diante da garota,ele fez-se lívido,perigoso e ferido. -Pare de brincar,menina... -Eu...eu sei...o que aconteceu...se me deixasse ocupar o cargo de detetive sobrenatural...saberia o quanto sou eficiente como investigadora... Reiko dissera aquilo apenas para descomprometer Koenma,porém,sentindo-se desconfortável.Admitiu que a visão do estado geral das coisas desgostava-lhe. -Em primeiro lugar...o tipo de ferimentos que o senhor teve...o sangue não escorreu e nem derramou-se por cima,ele fluiu em pontos concentrados,quase circulares,por baixo da roupa...a sua camisa,aliás,estava rasgada em direções díspares,que não combinavam com os locais das manchas...os rasgos eram dispostos ou acima,ou abaixo,ou nas laterais dos sangramentos...nunca sobre os mesmos!As bordas do tecido estavam simétricas ao invés de esfareladas,como se tivessem sido feitos cuidadosamente...para se encaixar...de modo a não revelar o desnecessário...foram feitos de propósito,pelo senhor...sem dúvida com um objeto cortante... Otake recusava-se a sentar,como se procurasse sustento para sua dignidade nas próprias pernas. -O senhor foi vítima de uma espécie...de tortura,praticada por youkais de um determinado clã muito antigo do Makai...todos os membros desse clã,sem exceção,pertencem à categoria S...isto derruba a sua estória oficial,de que o youkai com quem supostamente lutou e ao qual teria matado pertencia à categoria B...apenas este clã de categoria S,ao qual pertence o youkai chamado Grouza,possui as ferramentas necessárias para a...realização deste...ritual...eles o chamam de...‘Curso de Etiqueta’...é um trote introdutório...ele queria se apresentar ao senhor...e entregar-lhe o cartão de visitas do grupo...não o matou porquê...-Neste momento,Reiko empalideceu,quase perdendo o fôlego.-...para eles,a intimidação diverte um pouco mais que a matança...é a idéia deles de civilidade...querem preencher suas vidas vazias,cultivando todos os dias...o seu medo. O Comandante engoliu em seco,ostentando um olhar grave,embora cansado.Reiko desejava terminar com aquilo o quanto antes. -Esse ‘Curso de Etiqueta’...deixa cicatrizes eternas e bastante peculiares na pele...por isso o senhor precisava chegar com o peito e as costas cobertas ao Reikai,para que os outros não vissem...mas rasgou a roupa para simular ter sido atacado em batalha...o clã de Grouza criou e fabricou essas ferramentas...clã Lehura...é famoso em todo o mundo das trevas...eu imagino de que forma ele o tenha capturado...mas isto não interessa. -Como sabe tudo aquilo sobre a minha camisa? Ao olhar dentro dos olhos dele,ela soube que era odiada.Mas o oficial era,no momento,uma criatura vencida. Havia muitos repórteres esperando pela chegada do Comandante na ocasião.Tiraram muitas fotos,fizeram imagens.Empenhado em proteger seu orgulho e ampliar sua reputação,Ryuji Otake dera uma entrevista coletiva no mesmo instante,contando uma romântica e heróica lenda sobre a própria bravura. Reiko induzira o inocente Koenma a entregar-lhe todo aquele material.Durante todo seu tempo livre,semanas à fio,ela dedicara-se fervorosamente ao estudo e análise profundos,trancada no laboratório de audiovisual da escola e em sua casa.Submetera-se até ao que,para si,fora a pior das provações... -Não quero falar sobre isso,Comandante. -O que você quer? Mais uma vez,terreno movediço.Para Reiko,era o momento de calcular ainda mais.-Como assim? -Já que armou este jogo sujo,ao menos tenha a mínima decência de admitir!É óbvio que está me chantageando! -De maneira nenhuma!-Ela sacudiu a cabeça.-Apenas lhe perguntei se tinha notícias...do senhor Grouza...mudando de assunto...acredito que possa haver...empatia entre duas pessoas que tem o mesmo problema,como nós... Reiko deixou a sala certa de que fora perfeitamente compreendida. Pisando no ar,ela se jogou numa cadeira.Bastava atravessar um pequeno corredor e uma porta para chegar até Koenma e Mizuki Kaho,mas a loira não queria saber de pessoas pelas próximas duas horas... Estava atolada em confusa reflexão:a sua hipocrisia,usando contra uma pessoa a mesma fraqueza que lhe atormentava...a traição para com seus princípios,humilhando,pressionando e desesperando alguém,para obter vantagem própria...o seu instinto de sobrevivência,demandando-lhe que lutasse por si mesma...o desprezo por aquele homem medíocre que não a poupara nem quando criança,chamando-a de “animal irracional” aos berros,diante de todos...o desejo de voltar para casa imediatamente,rever a família,de descansar das perturbações...e tentar ser um pouco normal,fingir que tinha um coração humano batendo no peito como todas as outras pessoas,ao invés do núcleo de Ki maligno... Por um instante,ela dissociou o comandante implacável do homem,pensando no terror de sentir as garras do senhor Grouza ao redor do corpo...o decorrer da tortura,as risadas,o escárnio...não duvidava de que ele tivesse tido de implorar pela própria vida,para divertir os desgraçados...! Reiko tentou formar alguma analogia entre o Comandante Otake e o Senhor Fukuda:talvez os dois também tivessem a mesma sina,ser filhos de uma sociedade insensível. Então ela comparou os dois homens:um deles,conservador,zelava pela família,em meio à todas as dores.O outro,ignorante,zelava pelo próprio ego,a ponto de agir feito um sádico. Fujiwara tivera a intenção de dizer à ele que sentia muito,mas no último instante,resolvera simplesmente dar-lhe as costas.Só o que interessava era sentir outra vez o simples calor da liberdade nos braços das pessoas queridas.

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