Os Pássaros não Voam escrita por Eica


Capítulo 4
Capítulo 4




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             Hoje de manhã, Tomas bateu na porta da casa de Jodi e o levou na garupa de sua bicicleta a todas as ruas do bairro onde moravam. Nunca houve tamanha explosão de alegria no coração de Jodi. Isto porque nunca teve amigo tão alegre e gentil como Tomas.

- Segure firme. – disse Tomas, feliz.

            Jodi agarrou-se forte a sua cintura para que não caísse da bicicleta e sentiu o vento bater em seu rosto.

Puxa! Que sensação maravilhosa! E Tomas melhorava ainda mais o momento, a situação.

            Ambas as famílias dos rapazes já se davam bem e revezavam: às vezes almoçavam na casa de Tomas e outras vezes na casa de Jodi. Hoje foi a vez de almoço na casa de Tomas. Marta e Ivete fizeram nhoque, arroz, salada e muitos pratos apetitosos.

            Nathan e Jodi chegaram a casa antes das duas horas e a comida já estava na mesa. Tomas abriu a porta para eles entrarem e, quando isto se deu, sorriu ao ver seu adorado amigo Jodi, cujos cabelos castanhos claros estavam lindamente penteados. Usava um casaco azul marinho com botões prateados. A mão delicada segurava sua bengala de madeira que Tomas havia feito para ele com suas próprias mãos.

- Vieram na hora certa. – disse Marta, alcançando a porta.

- Oi, como vai? – disse Nathan,

            Marta cumprimentou o homem e depois o rapaz. Foram todos para a sala de jantar onde Jodi sentou-se ao lado de Tomas. Comeram e conversaram.

- Sabe pescar? – perguntou Nathan a Tomas.

- Sim, sei.

- Que bom! Leve Jodi e eu para pescar um dia desses. Nunca tive oportunidade para levá-lo.

- Nunca pescaram? – disse Marta.

- Não. Trabalhava muito na cidade grande. Nunca sobrava tempo para nada.

- Posso levá-los ao rio quando quiserem. – disse Tomas.

- Então está combinado.

            Durante a semana de espera, Jodi ficou em alegre expectativa. Viu Tomas nos dias seguintes ao jantar em que combinaram a pescaria e como se tornou o costume, andaram juntos pela comunidade. Houve dois dias em que Lídia andou junto com os meninos e, curiosamente, ambos não chamavam muito Lídia para andar com eles. Nem mesmo Tomas, que já a conhecia fazia bastante tempo.

            Nos dias sem Lídia por perto, saíram sozinhos pelos campos da cidade. De vez em quando cavalgavam com Noddy e em outras vezes exploravam a pé às regiões mais afastadas da comunidade. Aquelas em que as árvores cobriam a grama.

            Em uma dessas explorações, onde os rapazes foram mais longe do que chegaram a ir, Jodi sentiu canseira nas pernas e o seu amigo, o adorado Tomas, carregou-o nas costas boa parte do trajeto.

- Oh, não sabe como me sinto mal quando faz isso. – disse Jodi, quando já estava sobre as costas de Tomas.

- Eu é que me sinto mal quando o vejo caminhar com tanta dificuldade. Não me incomodo de carregá-lo. Se isto o fizer descansar pelo menos um pouco...

            Desta vez, ficar sobre Tomas fez com que Jodi sentisse algo diferente. Não poderia explicar o que foi aquilo que sentiu. Foi exatamente quando se segurou ao pescoço do outro. Seu rosto ficou próximo demais do rosto de Tomas.

            Oh, que perfume gostoso! E que cabelos macios!

            Agora seus dedos sentiram o desenho dos ombros do outro. E também as mãos de Tomas segurando as pernas de Jodi tocaram Jodi de uma forma surpreendente.

            No início, Jodi sentia-se envergonhado com essas aproximações, mas aprendeu a adorar esta aproximação e lá no fundo do seu ser, ansiava por aproximações como esta, pois Tomas era seu amigo querido.

            Tomas caminhou pelos campos verdes e em nenhum momento pareceu cansado por estar carregando Jodi.

- Não quer fazer uma pausa?

- Não preciso.

            E não parecia precisar mesmo.

            “Oh! Como Tomas é forte!”

            Tomas não sabia, mas estes passeios significavam muito a Jodi.

            O dia da pesca chegou. Nathan arrumou suas varas e iscas e devo dizer que ele comprou todos aqueles equipamentos sofisticados. Comprou coisas que nunca usou em sua vida. Depois de arrumar sua mochila com todos esses equipamentos e também com lanches feitos de pão, mortadela e queijo, foi até o quarto do filho.

- Como está hoje, amigão?

- Estou bem. – respondeu Jodi com um sorriso.

            Estava sentado na beirada de sua cama e calçava seus tênis. Assim que os calçou, recolheu sua bengala de cima da cama, levantou-se e caminhou ao lado do pai até a porta do quintal. Saíram de casa e atravessaram a distancia que os separava da casa de Marta. Encontraram Tomas no prado, com os cavalos.

- Estamos prontos. – gritou Nathan a Tomas, parecendo feliz.

            Tomas acenou para os dois, em especial para Jodi, assim que o viu. Depois que entrou dentro de casa para pegar sua vara de pescar e suas iscas, levou Nathan e Jodi para o rio, que não era tão longe da casa deles.

            Ao chegarem à margem do rio, escolheram um bom lugar para sentar. O dia estava fresco e ensolarado. Ótimo para uma pescaria, segundo Tomas. Preparou sua vara e ajudou Jodi com a sua. Nathan ficou atento a cada explicação de Tomas, assim como prestou atenção a cada movimento que fazia, para fazer igual. E, apesar de toda sua dedicação, o coitado não conseguiu pegar nenhum peixe. Em contrapartida, seu filho, Jodi, pegara dois. Dois peixes. Ambos eram pequenos, mas a felicidade de Jodi em pegá-los não teve tamanho.

- Muito bem, Jodi! – disse Nathan, quando o filho ergueu o peixe como um troféu.

            Em seu rosto, no rosto do garoto, via-se um sorriso maravilhado e intenso. Compartilhou da emoção com o pai e também com seu querido amigo Tomas, que pescou ao seu lado sempre o ajudando no que precisava.

            Seis peixes foram pescados. Dois por Jodi e o restante por Tomas. Foram estes mesmos peixes que foram preparados para o jantar na casa de Marta. Após o jantar, os rapazes retiraram-se da sala de jantar e sentaram-se no penúltimo degrau da escada da sala. Lá, Jodi ofereceu a Tomas um de seus fones de ouvido. E então ouviram música de seu mp4. Estavam sentados um ao lado do outro, quase que grudados, pois não poderiam se distanciar por causa do fio do fone.

- Você tem mp4, Tomas?

- Não, não tenho.

- Não? Puxa! Eu não sei o que faria sem o meu. É muito bom ouvir música de vez em quando. Vou lhe dar um de aniversário. Quando será seu aniversário?

- Já fiz aniversário. – disse, sorrindo.

- Então te darei um de Natal.

            Riram juntos, sabe-se lá o porquê. Continuaram a ouvir música em silêncio. Vinte minutos depois, ouviu-se passos e Nathan e Marta apareceram na sala.

- Vamos embora? – disse o homem ao filho.

Tomas passou a Jodi o fone de ouvido que usava, o rapaz guardou seu mp4 no bolso da calça, pegou sua bengala e foi-se para casa com seu pai.

            Depois destas coisas, Tomas e Jodi saíram juntos a muitos outros lugares e era admirável os modos de Tomas para com o menor: lembrava-o sobre os remédios que tinha que tomar, assim como o ajudava nos serviços domésticos quando Nathan não estava em casa e quando Jodi ficava indisposto. Era um verdadeiro cavalheiro, um verdadeiro irmão mais velho atencioso. Daqueles que se pode contar a qualquer hora e em qualquer ocasião.

            Houve um dia em que, Tomas olhou para fora da janela de casa e viu sua mãe conversando com Nathan. Viu-a sorrir.

- Nenhum homem a fez rir depois do meu pai. – comentou ele, em voz alta.

            Ivete, que estava por perto, veio até ele e olhou para fora da janela.

- Não sei, mas acho que estão gostando um do outro.

- Você acha? – perguntou Tomas, virando-se para ela.

- Sim, acho.

            Tomas não teve muitos dias para pensar a respeito. Não teve muitos dias para suspeitar de Nathan e sua mãe, pois pouco tempo depois ambos começaram a sair. E mesmo que sua mãe dissesse que Nathan era apenas um amigo, as coisas não pareciam ser assim.

            Nesta terça-feira, Jodi passou quase o dia inteiro dentro do seu quarto com seu coelho perninha. Não estava inteiramente desanimado, mas alguma coisa o incomodava. Ficou deitado em sua cama, com seu coelho no colo. Com o olhar estático. Enquanto acariciava seu coelho, pensava numa pessoa que, freqüentemente, ocupava seus pensamentos.

            Jodi levantou-se da cama, deixou Perninha sobre ela e dirigiu-se a janela de seu quarto. Dali pôde ver, ao horizonte, seu amigo Tomas no prado verde, onde os cavalos corriam livremente.

- Não vai sair hoje, amigão? – ouviu-se a voz de seu pai, quando ele entrou no quarto de repente.

- Tomas está ocupado.

- Não precisa sair só com ele. Não tem uma amiga?

- Tenho.

- Então saia com ela. Não faz bem ficar trancado aqui.

- É, eu sei. – respondeu Jodi, tornando a olhar Tomas pela janela.

            Nathan se aproximou e também olhou pela janela.

- Olhe, você e Tomas se dão bem. Por que não vai até lá e aparece de surpresa? Ele vai gostar.

- Tem muito serviço e não quero atrapalhá-lo.

            Seu pai observou o rosto abatido do filho.

- Você é quem sabe. – disse ele, beijando o topo de sua cabeça. – Sairei agora.

- Para onde?

- A um restaurante. Com Marta.

            Jodi sorriu.

- A um encontro com ela?

- Sim, um encontro. – respondeu o pai, feliz. – Não se esqueça de trancar a casa se for sair.

- Tudo bem.

            Nathan saiu do quarto, acenando para o filho.

            Seu pai não compreendia. Sair com Lídia não era a mesma coisa que sair com Tomas. Era completamente diferente. Preferia a companhia do amigo. Era mais legal sair com ele. Além do mais, Tomas fazia com que Jodi conseguisse expressar coisas difíceis, o que com Lídia já era outra história...

            Jodi ficou em seu quarto por mais alguns minutos. Quarenta minutos, talvez. Foi o máximo que agüentou. Depois, saiu de casa e foi para a casa de Tomas. Ao chegar lá, teve uma surpresa um tanto desagradável ao ver que Lídia fazia companhia a Tomas, no alojamento dos cavalos.

- Achei que nunca fosse aparecer. – disse Tomas, ao amigo.

            Estas suas palavras fizeram aliviar a disposição de Jodi, que se sentiu um pouco mais feliz ao ouvir que o amigo o esperava. Mesmo a contragosto, passou aquela tarde com Tomas e Lídia, ajudando o amigo a cuidar dos cavalos. E durante aquelas horas com os dois, Jodi teve que disfarçar totalmente seu desagrado e sua falta de estima por Lídia, porque, no final das contas, quanto mais pensava mal dela, menos conseguia sentir-se bem ao seu lado.

            A felicidade de Jodi elevou-se a cem por cento quando Lídia teve de voltar para casa. Assim sendo, ficou sozinho com Tomas o resto do dia. Após terminarem os serviços com os cavalos, Tomas e Jodi foram para a sala da casa de Tomas.

- Ligue a TV. – disse Tomas.

            Jodi, com seus passos instáveis, ligou a televisão e depois se sentou no sofá. Tomas foi a cozinha e pegou, no armário, pacotes de batatas fritas, refrigerantes e chocolates. Uniu-se a Jodi no sofá. Sentou-se ao seu lado e lhe passou uma latinha de refrigerante. Assistiram a um filme. Às vezes faziam algum comentário durante o filme. Às vezes riam. Às vezes conversavam.

            Chegou uma hora em que Tomas apoiou o braço nas costas do sofá e então descansou o rosto sobre a mão fazendo as madeixas castanhas penderem para o lado. O campo de visão de Jodi permitiu-lhe ver toda a ação e achar extremamente bonita a visão de seu amigo e, algo inexplicável aconteceu: o rapaz sentiu um aperto no peito. Um aperto que nunca aconteceu. Bastou olhar para Tomas para que a sensação de aperto se intensificasse.

            Oh! Como Jodi foi indiscreto, olhando para Tomas sem nenhum motivo aparente, Tomas virou o rosto para ele.

            Olharam-se demoradamente como nunca antes fizeram. Havia algo nos olhos de Jodi e algo nos olhos de Tomas. Um tipo de fulgor diferente. E bastou Jodi fitar os lábios do rapaz por alguns segundos para que os rostos se aproximassem numa lentidão que fez os corações balançarem de tanto nervosismo. A ponta do nariz de Jodi tocou no rosto de Tomas, assim como o nariz de Tomas tocou no rosto de Jodi. E foi este o primeiro contato cuja sensação foi a mais intensa e em seguida os lábios superiores se tocaram. Depois os lábios inferiores finalizaram a aproximação num beijo cheio de incertezas, mas também curiosidade.

            O beijo seguiu-se perfeito, delicioso. Tanto para um quanto para o outro. Porém tiveram de se afastarem ao ouvirem barulho na porta. Disfarçaram quando Marta e Nathan entraram na sala, aos risos.

- Oh, ainda estão acordados?

- Não é muito tarde. – disse Tomas, olhando para os dois.

            Seu coração estava aceleradíssimo. Evitou olhar para Jodi.

- Bem, vamos indo, Jodi. – disse Nathan. – Já está na hora de dormir, não?

            Jodi levantou-se do sofá e olhou rapidamente para Tomas, com seu coração tão ou mais acelerado que o do amigo. Foi até o pai e despediu-se de Marta. Por último despediu-se de Tomas, com um breve aceno.

- Adorei o passeio. – disse Marta a Nathan, abraçando-o na despedida.

- Boa noite, Marta. Boa noite, Tomas.

            Tomas sorriu para Nathan.

            Pai e filho foram para casa.

            Em casa, Jodi foi direto para o quarto e não teve cabeça para dormir, afinal, algo extraordinário aconteceu com ele. Extraordinário, assustador, mas também esplêndido.

- Vai precisar de alguma coisa antes de eu ir dormir? – perguntou seu pai, próximo a porta do seu quarto.

- Não. Boa noite, pai.

- Boa noite.

            Nathan fechou a porta do quarto e Jodi deitou-se na cama. Perninha descansava em sua caminha, no chão. Jodi abraçou-se ao travesseiro.

            Oh, minha nossa! O coração estava descontrolado. Totalmente descontrolado. O que Tomas fez a este pobre coração? Oh, que lábios! Que lábios! Foi o beijo mais longo da vida de Jodi e o mais significativo. Suas pernas, que já eram fraquinhas, estavam totalmente geladas e trêmulas. As mãos geladas como pedras de gelo. Os lábios ainda quentes e úmidos preservando o último contato com Tomas.

           Jodi levantou-se da cama, abriu a janela e olhou para a casa de Tomas. Queria voltar para lá e terminar o que havia começado. Queria dizer algumas palavras ao amigo, pois temia que, lá no fundo, houvesse arrependimento da parte de Tomas ao mesmo tempo em que sentia grande esperança de que o possível sentimento por trás do beijo tivesse sido verdadeiro. Ficou inquieto a noite toda por causa deste assunto inacabado.


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