Os Pássaros não Voam escrita por Eica


Capítulo 14
Os pássaros não voam




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Jodi olhava para a paisagem pela janela do carro. Nunca em sua vida viu campos tão esplendorosos. A brisa que batia em seu rosto trazia o cheirinho das flores que coloriam o verde dos campos. Parecia que estava a ver aquelas lindas pinturas que enchem nossos olhos.

- Está sentindo saudades da cidade grande? – perguntou Nathan.

Jodi virou-se para o pai e respondeu, com um belíssimo sorriso:

- Nem um pouco.

Seu pai sorriu-lhe de volta. O rapaz tornou a olhar para os campos. Em uma área cheia de flores amarelas – que Jodi não saberia dizer o nome – viu centenas de borboletas pretas e vermelhas levantarem vôo ao mesmo tempo. Ficou extremamente encantado.

Quantas maravilhas o rapaz ainda veria neste dia tão especial? Jodi perdeu a conta de quantas paisagens lindíssimas viu antes de entrar na tal comunidade rural onde o pai o estava levando.

- Pena não estar com minha câmera. – lamentou o rapaz quando já estava no centro da pequena cidade.

- Terá tempo de sobra para tirar fotografias. Bem, acho que o caminho é por ali.

            Chegaram numa rua onde o pai do rapaz estacionou o carro em frente a uma casa.

- É aqui?

- Sim.

- Bonita casa. Ficaremos por quanto tempo?

- O tempo que quiser.

            Jodi abriu a porta do carro e saiu. Apoiou-se na bengala para andar até a varanda da casa.

- Que coisa! O caminhão da mudança ainda não apareceu. – disse Nathan, já fora do carro. – Devem estar perdidos. Bem, pegue a chave, Jodi, pode abrir a casa para conhecer o lugar.

            O rapaz foi até o pai e pegou a chave. Depois retornou a varanda e abriu a porta da frente. O interior da casa era bem aconchegante e espaçoso. O chão era de madeira e a lareira da sala era enorme. De pedra. O rapaz entrou nuns cômodos e depois abriu a porta que dava para o fundo da casa.

- Vou dar uma volta. Quem sabe eu encontro o caminhão da mudança. – ouviu seu pai gritar.

            Jodi gritou em resposta: “Está bem”.

            No quintal da casa, avistou um amplo campo verde e mais distante dele, campos com arbustos altos e enormes árvores. Quando olhou para o lado, viu uma propriedade enorme onde cavalos andavam livremente. Encantado pelos animais, Jodi fechou a casa e foi até eles. Teve que andar uns cem metros e então parou em frente a um cercado de madeira. Dali ele pôde ver melhor os animais que eram muito lindos. Tinham pêlos que brilhavam ao sol e crinas de igual brilho. Nunca viu cavalos tão lindos.

            Jodi apreciou ainda mais a vista quando um dos cavalos se aproximou dele lentamente. Curioso e cheio de coragem, o rapaz esticou o braço e conseguiu acariciá-lo. O cavalo veio mais para perto dele e pouco tempo mais tarde, uma pessoa se aproximou do rapaz. Jodi olhou para o jovem de longas madeixas castanhas quando este chegou.

- É o maior cavalo que já vi. – disse Jodi, parando de acariciar o cavalo.

- É da raça Shire. São os maiores cavalos do mundo. Podem chegar a um metro e oitenta de altura.

- Nossa! Tanto assim?

            Por um momento Jodi não soube dizer o que mais lhe chamara a atenção: o lindo cavalo ou o lindo rapaz de camisa vaquera. Alternou em olhar para o animal e olhar para o rapaz.

- Ele tem nome?

- Noddy.

- É belíssimo.

- É meu cavalo preferido. – disse o outro, sorrindo e acariciando o cavalo. – Foi nele que montei pela primeira vez.

            Os rapazes se olharam.

- Você é daqui?

- Não. Mudei-me hoje com o meu pai para a casa ao lado da sua. Bem, supondo que você more aqui. Sou Jodi.

- Tomas.

            Deram as mãos, num cumprimento amigável.

            Aaaah! Como esquecer o primeiro aperto de mão? Como esquecer o primeiro toque entre os dois? Como esquecer o primeiro sorriso? O primeiro olhar? Aliás, como esquecer Tomas, o pássaro indomável que vaga pelas florestas e leva Jodi a lugares inimagináveis? Como esquecer este rapaz belíssimo que o ensinou a amar? Como esquecer o rapaz que veio como fogo aquecer o corpo de Jodi da maneira mais selvagem e pura?

            Jodi não tem dúvidas de que jamais amará alguém como ama a Tomas. Tomas era a flor que faltava em seu jardim. A última gota que faltava cair durante a tempestade.

Como nos dias anteriores, Jodi continuou esperando por ele. Hoje, um dia um pouco mais quente que o anterior, Jodi sentiu um pouco mais de ânimo. Afinal, por que ficar no desespero? Tomas não disse que viria? Por que duvidar dele?

Quando o tio não estava em casa, Jodi saiu para a garagem. Chegou bem próximo do portão. E, inevitavelmente, de modo súbito, uma tristeza profunda inundou o rapaz. Uma dor que apertou seu peito com força. Jodi tocou na grade, tentando arrancar aquela tristeza do coração.

- Vamos! – disse para si mesmo. - Não é hora para isso. Tomas vai vir.

            Jodi lutou contra a tristeza e contra os olhos, que arderam e teimaram chorar. Ao olhar para a rua, um carro muito bonito – prateado – estacionou na frente da casa do tio. Um homem saiu de dentro do automóvel. Era um dos amigos do seu tio. Aquele que chegou a entrar em seu quarto certa vez.

            O homem lhe sorriu.

- Olá. Seu tio está?

- Trabalhando.

 - Oh. – exclamou o homem, desapontado.

            Veio até a calçada. Balançou a chave do carro e virou o rosto para o lado. Depois tornou a olhar para Jodi.

- Tudo bem com você?

            Jodi respondeu com um sinal de cabeça.

- Toda vez que venho você está infeliz. Gostaria de falar sobre isso?

- Desculpe, mas não.

- Pode confiar em mim... Seu tio me disse que o trouxe aqui por causa dos seus estudos.

            Jodi sorriu de lado.

- Mentira.

- É mentira? Então por que está aqui?

- Porque não posso voltar pra casa.

- Difícil acreditar que ele mentiu pra mim.

- Mas mentiu. E se mentiu é porque tem vergonha de admitir a verdade.

            O homem bem vestido olhou-o interessado.

- Qual verdade? – perguntou, aproximando-se mais do portão.

- Ele me mantém aqui por ordens do meu pai.

- Está enfrentando problemas?

            Subitamente, a dor de anteriormente retornou mais aguda.

- Não me deixarão voltar. – disse o rapaz, com voz trêmula. – Não me deixarão vê-lo de novo.

- De quem está falando?

            Jodi levou as mãos aos olhos para impedi-los de transbordar em lágrimas. O amigo de seu tio agachou-se em frente ao jovem, observando-o com compaixão.

- Pode se abrir comigo. – persistiu o homem. – Seu pai não quer que você veja quem?

            O rapaz, já tomado pela dor, deixou o homem para trás e entrou para a sala, fechando a porta atrás dele. Foi para o quarto.

            Dois dias depois, Jodi trancou-se em seu quarto depois de tomar banho. De onde estava o rapaz pôde ouvir um falatório vindo do lado de fora. Imaginou que o tio fosse dar outro almoço para os amigos. Por isto, o rapaz ficou sentado em sua cama e não saiu do quarto.

            No dia seguinte, Jodi foi obrigado a almoçar com o tio. Nesta ocasião, aproveitou para perguntar-lhe quando voltaria para casa.

- Não sou eu a resolver isto. – disse seu tio.

- Não poderei nem falar com meu pai? Não posso ligar pra ele?

            Seu tio não respondeu.

            Um dia, seu tio veio ao seu quarto para avisá-lo de que o levaria ao hospital.

- Por que? – perguntou o rapaz.

- Seu pai me pediu que eu cuidasse de sua saúde enquanto ele não pode.

            Sem alternativas, Jodi arrumou-se para sair. Foi levado a sala e ficou junto ao sofá, esperando pelo tio que terminava de se arrumar no quarto. O rapaz abaixou o olhar, com uma expressão triste e cansada no rosto. De súbito, uma reportagem que passava na televisão chegou aos ouvidos de Jodi:

- “O corpo de um jovem foi encontrado, na tarde desta sexta-feira, em uma estrada de terra próximo à SP-338. De acordo com a Polícia Militar, o corpo, já em decomposição, foi encontrado por caminhoneiros que passavam pelo local.” – disse a repórter.

            O rapaz olhou para a televisão. A repórter prosseguiu:

- “O delegado responsável pelo caso, Fernando Carvalho, informou que havia uma mochila e documentos junto ao corpo. Um destes documentos é um RG identificando o jovem como Tomas Amorim, de 20 anos. Os peritos acreditam que ele tenha sido morto com um tiro na cabeça. De acordo com a mãe da vítima, Tomas estava desaparecido há aproximadamente três semanas.”

            Demorou alguns segundos até Jodi compreender a reportagem. No entanto, quando compreendeu, não quis acreditar.

- Não estão falando sério! – disse ele, sentindo uma dor extraordinária no peito. – Deve estar errado!

            Seu tio apareceu na sala. Jodi ainda viu a imagem do RG de Tomas ser mostrado na reportagem e a mochila que devia estar em sua posse. O RG era de Tomas. E a mochila também.

- Não!

            Logo os gritos agoniosos do rapaz se transformaram em gritos desesperados.

- Nããão! Está errado!

- O que foi? – indagou seu tio.

- QUERO VOLTAR! ME DEIXE VOLTAR! QUERO VOLTAR AGORA! – berrou o rapaz, com os olhos vermelhos e molhados. – ME DEIXE VOLTAR! QUERO VER TOMAS! NÃO É ELE! NÃO É!

            Com a dor e frustração, Jodi sacudiu-se na cadeira de rodas e acabou caindo no chão.

- NÃÃÃÃÃÃO! QUERO VOLTAR!

            Seu tio acorreu a ele e tentou levantá-lo, mas Jodi recusou-se, contorcendo-se no mar de dor.

- NÃO É ELE! NÃO É! ESTÃO ERRADOS!

- Jodi!

            Jodi berrou mais uma vez, sentindo uma dor tremenda que nunca sentiu em sua vida. Foi como se tivessem tirado uma parte dele. A realidade era tão cruel, que Jodi sentiu que ia sucumbir.

- QUERO VOLTAR! QUERO VÊ-LO!!!! ME DEIXE IR!


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