Os Pássaros não Voam escrita por Eica
Jodi olhava para a paisagem pela janela do carro. Nunca em sua vida viu campos tão esplendorosos. A brisa que batia em seu rosto trazia o cheirinho das flores que coloriam o verde dos campos. Parecia que estava a ver aquelas lindas pinturas que enchem nossos olhos.
- Está sentindo saudades da cidade grande? – perguntou Nathan.
Jodi virou-se para o pai e respondeu, com um belíssimo sorriso:
- Nem um pouco.
Seu pai sorriu-lhe de volta. O rapaz tornou a olhar para os campos. Em uma área cheia de flores amarelas – que Jodi não saberia dizer o nome – viu centenas de borboletas pretas e vermelhas levantarem vôo ao mesmo tempo. Ficou extremamente encantado.
Quantas maravilhas o rapaz ainda veria neste dia tão especial? Jodi perdeu a conta de quantas paisagens lindíssimas viu antes de entrar na tal comunidade rural onde o pai o estava levando.
- Pena não estar com minha câmera. – lamentou o rapaz quando já estava no centro da pequena cidade.
- Terá tempo de sobra para tirar fotografias. Bem, acho que o caminho é por ali.
Chegaram numa rua onde o pai do rapaz estacionou o carro em frente a uma casa.
- É aqui?
- Sim.
- Bonita casa. Ficaremos por quanto tempo?
- O tempo que quiser.
Jodi abriu a porta do carro e saiu. Apoiou-se na bengala para andar até a varanda da casa.
- Que coisa! O caminhão da mudança ainda não apareceu. – disse Nathan, já fora do carro. – Devem estar perdidos. Bem, pegue a chave, Jodi, pode abrir a casa para conhecer o lugar.
O rapaz foi até o pai e pegou a chave. Depois retornou a varanda e abriu a porta da frente. O interior da casa era bem aconchegante e espaçoso. O chão era de madeira e a lareira da sala era enorme. De pedra. O rapaz entrou nuns cômodos e depois abriu a porta que dava para o fundo da casa.
- Vou dar uma volta. Quem sabe eu encontro o caminhão da mudança. – ouviu seu pai gritar.
Jodi gritou em resposta: “Está bem”.
No quintal da casa, avistou um amplo campo verde e mais distante dele, campos com arbustos altos e enormes árvores. Quando olhou para o lado, viu uma propriedade enorme onde cavalos andavam livremente. Encantado pelos animais, Jodi fechou a casa e foi até eles. Teve que andar uns cem metros e então parou em frente a um cercado de madeira. Dali ele pôde ver melhor os animais que eram muito lindos. Tinham pêlos que brilhavam ao sol e crinas de igual brilho. Nunca viu cavalos tão lindos.
Jodi apreciou ainda mais a vista quando um dos cavalos se aproximou dele lentamente. Curioso e cheio de coragem, o rapaz esticou o braço e conseguiu acariciá-lo. O cavalo veio mais para perto dele e pouco tempo mais tarde, uma pessoa se aproximou do rapaz. Jodi olhou para o jovem de longas madeixas castanhas quando este chegou.
- É o maior cavalo que já vi. – disse Jodi, parando de acariciar o cavalo.
- É da raça Shire. São os maiores cavalos do mundo. Podem chegar a um metro e oitenta de altura.
- Nossa! Tanto assim?
Por um momento Jodi não soube dizer o que mais lhe chamara a atenção: o lindo cavalo ou o lindo rapaz de camisa vaquera. Alternou em olhar para o animal e olhar para o rapaz.
- Ele tem nome?
- Noddy.
- É belíssimo.
- É meu cavalo preferido. – disse o outro, sorrindo e acariciando o cavalo. – Foi nele que montei pela primeira vez.
Os rapazes se olharam.
- Você é daqui?
- Não. Mudei-me hoje com o meu pai para a casa ao lado da sua. Bem, supondo que você more aqui. Sou Jodi.
- Tomas.
Deram as mãos, num cumprimento amigável.
Aaaah! Como esquecer o primeiro aperto de mão? Como esquecer o primeiro toque entre os dois? Como esquecer o primeiro sorriso? O primeiro olhar? Aliás, como esquecer Tomas, o pássaro indomável que vaga pelas florestas e leva Jodi a lugares inimagináveis? Como esquecer este rapaz belíssimo que o ensinou a amar? Como esquecer o rapaz que veio como fogo aquecer o corpo de Jodi da maneira mais selvagem e pura?
Jodi não tem dúvidas de que jamais amará alguém como ama a Tomas. Tomas era a flor que faltava em seu jardim. A última gota que faltava cair durante a tempestade.
Como nos dias anteriores, Jodi continuou esperando por ele. Hoje, um dia um pouco mais quente que o anterior, Jodi sentiu um pouco mais de ânimo. Afinal, por que ficar no desespero? Tomas não disse que viria? Por que duvidar dele?
Quando o tio não estava em casa, Jodi saiu para a garagem. Chegou bem próximo do portão. E, inevitavelmente, de modo súbito, uma tristeza profunda inundou o rapaz. Uma dor que apertou seu peito com força. Jodi tocou na grade, tentando arrancar aquela tristeza do coração.
- Vamos! – disse para si mesmo. - Não é hora para isso. Tomas vai vir.
Jodi lutou contra a tristeza e contra os olhos, que arderam e teimaram chorar. Ao olhar para a rua, um carro muito bonito – prateado – estacionou na frente da casa do tio. Um homem saiu de dentro do automóvel. Era um dos amigos do seu tio. Aquele que chegou a entrar em seu quarto certa vez.
O homem lhe sorriu.
- Olá. Seu tio está?
- Trabalhando.
- Oh. – exclamou o homem, desapontado.
Veio até a calçada. Balançou a chave do carro e virou o rosto para o lado. Depois tornou a olhar para Jodi.
- Tudo bem com você?
Jodi respondeu com um sinal de cabeça.
- Toda vez que venho você está infeliz. Gostaria de falar sobre isso?
- Desculpe, mas não.
- Pode confiar em mim... Seu tio me disse que o trouxe aqui por causa dos seus estudos.
Jodi sorriu de lado.
- Mentira.
- É mentira? Então por que está aqui?
- Porque não posso voltar pra casa.
- Difícil acreditar que ele mentiu pra mim.
- Mas mentiu. E se mentiu é porque tem vergonha de admitir a verdade.
O homem bem vestido olhou-o interessado.
- Qual verdade? – perguntou, aproximando-se mais do portão.
- Ele me mantém aqui por ordens do meu pai.
- Está enfrentando problemas?
Subitamente, a dor de anteriormente retornou mais aguda.
- Não me deixarão voltar. – disse o rapaz, com voz trêmula. – Não me deixarão vê-lo de novo.
- De quem está falando?
Jodi levou as mãos aos olhos para impedi-los de transbordar em lágrimas. O amigo de seu tio agachou-se em frente ao jovem, observando-o com compaixão.
- Pode se abrir comigo. – persistiu o homem. – Seu pai não quer que você veja quem?
O rapaz, já tomado pela dor, deixou o homem para trás e entrou para a sala, fechando a porta atrás dele. Foi para o quarto.
Dois dias depois, Jodi trancou-se em seu quarto depois de tomar banho. De onde estava o rapaz pôde ouvir um falatório vindo do lado de fora. Imaginou que o tio fosse dar outro almoço para os amigos. Por isto, o rapaz ficou sentado em sua cama e não saiu do quarto.
No dia seguinte, Jodi foi obrigado a almoçar com o tio. Nesta ocasião, aproveitou para perguntar-lhe quando voltaria para casa.
- Não sou eu a resolver isto. – disse seu tio.
- Não poderei nem falar com meu pai? Não posso ligar pra ele?
Seu tio não respondeu.
Um dia, seu tio veio ao seu quarto para avisá-lo de que o levaria ao hospital.
- Por que? – perguntou o rapaz.
- Seu pai me pediu que eu cuidasse de sua saúde enquanto ele não pode.
Sem alternativas, Jodi arrumou-se para sair. Foi levado a sala e ficou junto ao sofá, esperando pelo tio que terminava de se arrumar no quarto. O rapaz abaixou o olhar, com uma expressão triste e cansada no rosto. De súbito, uma reportagem que passava na televisão chegou aos ouvidos de Jodi:
- “O corpo de um jovem foi encontrado, na tarde desta sexta-feira, em uma estrada de terra próximo à SP-338. De acordo com a Polícia Militar, o corpo, já em decomposição, foi encontrado por caminhoneiros que passavam pelo local.” – disse a repórter.
O rapaz olhou para a televisão. A repórter prosseguiu:
- “O delegado responsável pelo caso, Fernando Carvalho, informou que havia uma mochila e documentos junto ao corpo. Um destes documentos é um RG identificando o jovem como Tomas Amorim, de 20 anos. Os peritos acreditam que ele tenha sido morto com um tiro na cabeça. De acordo com a mãe da vítima, Tomas estava desaparecido há aproximadamente três semanas.”
Demorou alguns segundos até Jodi compreender a reportagem. No entanto, quando compreendeu, não quis acreditar.
- Não estão falando sério! – disse ele, sentindo uma dor extraordinária no peito. – Deve estar errado!
Seu tio apareceu na sala. Jodi ainda viu a imagem do RG de Tomas ser mostrado na reportagem e a mochila que devia estar em sua posse. O RG era de Tomas. E a mochila também.
- Não!
Logo os gritos agoniosos do rapaz se transformaram em gritos desesperados.
- Nããão! Está errado!
- O que foi? – indagou seu tio.
- QUERO VOLTAR! ME DEIXE VOLTAR! QUERO VOLTAR AGORA! – berrou o rapaz, com os olhos vermelhos e molhados. – ME DEIXE VOLTAR! QUERO VER TOMAS! NÃO É ELE! NÃO É!
Com a dor e frustração, Jodi sacudiu-se na cadeira de rodas e acabou caindo no chão.
- NÃÃÃÃÃÃO! QUERO VOLTAR!
Seu tio acorreu a ele e tentou levantá-lo, mas Jodi recusou-se, contorcendo-se no mar de dor.
- NÃO É ELE! NÃO É! ESTÃO ERRADOS!
- Jodi!
Jodi berrou mais uma vez, sentindo uma dor tremenda que nunca sentiu em sua vida. Foi como se tivessem tirado uma parte dele. A realidade era tão cruel, que Jodi sentiu que ia sucumbir.
- QUERO VOLTAR! QUERO VÊ-LO!!!! ME DEIXE IR!
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