Scarlet Romance escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 7
Capítulo 7




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"Konya mo chi ga hoshii."
Esta noite eu também quero sangue.
BUCK-TICK - ROMANCE


          - Imai-san?
          A voz agradável e educada da recepcionista chegou aos ouvidos do caixa depois do que lhe pareceu um século, assustando o pobre homem mais do que deveria. A atendente sorriu de uma forma naturalmente gentil, indicando uma porta de madeira ao seu lado direito com o braço:
          - O doutor vai atendê-lo agora, Imai-san. Pode entrar, por favor.
          - Aa, arigatou.
          Ele se levantou devagar do sofá, testando a sua capacidade de se sustentar sobre as próprias pernas. Quando pareceu que ele iria conseguir caminhar até o escritório do psiquiatra, ele finalmente deu passos pequenos e hesitantes na direção da porta apontada pela moça, esboçando um fraco sorriso na sua direção enquanto procurava se esquivar de todo e qualquer espelho. Imai estava positivamente traumatizado depois de ter conversado com seu próprio reflexo em lugares inusitados, incluindo madeira bem polidas e poças d'água.
          Ele estava ficando louco. E resolveu tomar providências a respeito.
          Ele abriu a porta e observou o interior do consultório, seus olhos vasculhando o ambiente em busca de normalidade, familiaridade e sobretudo segurança. Sem detectar nada que pudesse lhe causar uma repentina crise de pânico por se ver refletido em qualquer superfície, Imai entrou suavemente na sala, fechando a porta atrás de si e esperando que o médico aparecesse enquanto ele andava até um divã de couro marrom, colocado no meio do consultório e bem ao lado de uma linda poltrona.
          - Imai-san? - a voz pausada veio de algum lugar atrás do caixa, que imediatamente se virou para encontrar o psiquiatra sorrindo para ele, os óculos equilibrados na ponta do nariz e os dedos da mão esquerda segurando firmemente um caderno de capa dura e escura - Muito prazer, meu nome é Higuchi Yutaka. Queira se sentar, por favor.
          O atormentado homem concordou com a cabeça em silêncio, esboçando o fantasma de um sorriso enquanto ocupava o divã que ele havia observado com curiosidade mais cedo. O médico reivindicou a poltrona vistosa ao lado para si, mudando a posição das suas pernas assim que sentou para apoiar o caderno sobre elas, abrindo uma folha em branco e rabiscando o nome do seu novo paciente com uma caneta que retirara do bolso.
          Imai engoliu em seco, entrelaçando os dedos das mãos que repousavam sobre a sua barriga; ele se sentia aterrorizado, desorientado e... Louco. Ele havia tentado negar todas as visões, memórias e sensações que pareciam dominá-lo sem aviso durante vários momentos do dia, mas sem sucesso. A única opção que lhe restava, por mais sombria que fosse, era a constatação de que ele era clinicamente insano; pelo menos isso explicaria tudo e era exatamente de motivos e explicações que ele precisava no momento.
          Ele queria que seu mundo voltasse a ser normal, nem que para isso ele tivesse de ser um louco convencional.
          - Muito bem, Imai-san. Poderia me contar o que lhe aflige no momento? - a voz do médico veio de algum lugar genérico atrás do caixa, que se descobriu desconfortável com aquele arranjo. Ele sabia que havia uma espécie de regra ou mandamento que proibia os pacientes de relatarem seus problemas enquanto pudessem ver o rosto do seu analista; até onde Imai sabia, servia para evitar que aqueles que estavam sendo ouvidos se intimidassem por qualquer expressão facial do médico e parassem de falar, mas sua educação severa lhe dizia que ele sempre deveria falar olhando na direção de seu interlocutor.
          - Eu... É difícil começar a falar sobre isso, Higuchi-san.
          - Compreendo a sua hesitação, Imai-san. É um grande passo você estar aqui... - o psiquiatra replicou em um tom de voz tão ameno e suave que era quase como se o seu sorriso de compreensão fosse audível - Temos tempo de sobra para você escolher a maneira menos sofrida para falar.
          - H-Hai. É que eu tenho... - o caixa suspirou profundamente - Passado por momentos difíceis. Eu tenho... Visões.
          O barulho quase imperceptível de uma caneta rabiscando papel chegou até os ouvidos de Imai, mas aquele ruído era mundano, comum e ordinário como a buzina dos veículos que passavam na rua e o girar contínuo de um ventilador preso ao teto. Animado internamente pelos pequenos sinais de que ele ainda se encontrava na dimensão terrena que sempre conhecera, o caixa de supermercado continuou seu relato em voz baixa:
          - As visões são sempre precedidas por outras coisas, como um frio repentino e a total ausência de iluminação natural. É tudo muito rápido, Higuchi-san: em um momento eu estou esperando o elevador e no próximo segundo eu sinto um ar gelado e a luz do teto pisca até apagar de vez e então... E então vem uma voz.
          Ele engoliu em seco e apertou os dedos das próprias mãos antes de continuar.
          - É uma voz inconfundível. É masculina, aveludada e... Hipnotizante. Acho que não existe palavra melhor para descrevê-la... - Imai fez uma pausa de alguns segundos - Ele pode estar a metros de distância, mas basta ele partir os lábios para falar que eu o escuto como se estivesse do meu lado. É assustador e magnífico porque todos os outros sons parecem sumir quando ele fala.
          A caneta continuava sua tarefa, enchendo o papel com a caligrafia corrida do analista.
          - E ele... Ele é um mistério total. É mais alto do que eu e branco, pálido como mármore mas ao mesmo tempo dono de olhos tão cheios de vida... Parece que as luzes que somem antes das suas aparições são sugadas por eles. O cabelo é curto e cortado perto do ombro, suas roupas sempre são escuras, mas isso tudo parece ser proposital para formar um contraste intenso com os seus lábios, vermelhos como sangue.
          Um arrepio desceu a espinha do caixa, que se ajeitou no divã antes de continuar:
          - Ele... Ele sabe meu nome e me chama de "mestre", mas não faço idéia do porquê. Ou melhor... Agora eu faço. - Imai de repente estava grato pelo fato de que ele não podia enxergar o rosto do psiquiatra - Um dia ele me atraiu para um lugar estranho e me mostrou visões ou memórias, não sei... E eu lembrei do nome dele. E ontem eu simplesmente... Conversei com meu reflexo no banheiro. Eu sou prisioneiro de mim mesmo, uma ficção criada por um outro eu que só está esperando os passos finais para ser libertado por ele... Atsushi.
          Um grande alívio encheu o corpo do caixa; ele nunca havia contado nada sobre Atsushi para ninguém e relatar tudo aquilo para outra pessoa, mesmo que ela acreditasse que todas aquelas palavras fossem apenas o testemunho de um delírio, trazia um bem-estar inesperado para o pobre homem. Aproveitando aquela rápida sensação reconfortante, Imai não percebeu o modo como as luzes piscaram ao seu redor ou como a temperatura caiu sensivelmente no cômodo; foi somente com um murmúrio de apreciação em uma voz que ele conhecia tão bem que ele notou o que havia acontecido.
          Virando-se rapidamente sobre o divã e sentando sobre o mesmo, o caixa de supermercado descobriu primeiro a janela do consultório escancarada, as cortinas escuras e pesadas flutuando no ar conforme o vento forte soprava da rua, a luz da lua entrando com toda a sua majestade no cômodo e iluminando um espetáculo de horrores: ainda sentado na sua confortável poltrona, o psiquiatra tinha o caderno no colo e a caneta largada sobre ele, as suas mãos inertes ao longo do corpo e a sua cabeça caída para trás em um ângulo impossível para o corpo humano; uma criatura tinha o rosto enterrado na curva do pescoço do analista e um aroma estranhamente doce e intoxicante chegou às narinas de Imai:
          Sangue.
          O odor do sangue que aquela sombra esguia sugava com vigor do corpo desfalecido do psiquiatra era mais forte do que qualquer outra coisa que o pobre homem já havia sentido e parecia acordá-lo para aquele momento, intensificando a percepção de tudo que estava ao seu redor. Esses detalhes, no entanto, passaram desapercebidos pelo caixa, que observava a cena grotesca na sua frente com um misto de repulsa e atração, inconscientemente temendo e ansiando pelo momento em que o mais novo ocupante do cômodo iria levantar a sua cabeça e brindá-lo com o mais intenso dos olhares.
          Os lábios de Atsushi estavam contra os de seu mestre em uma questão de segundos, o movimento tendo acontecido tão rápido que a única criatura humana ali dentro não conseguiu registrar. Apesar do choque profundo e do medo intenso que Imai sabia que deveria estar sentindo, uma parte da sua mente notou com interesse o modo como a boca da criatura sensual e hipnotizante que lhe havia atacado estava mais cálida, bem como os seus dedos longos e pálidos que traçavam carícias na base do seu pescoço.
          Encontrando dificuldade para respirar, o caixa sentiu o gosto do sangue na sua língua, empurrado para dentro da sua boca com habilidade por Atsushi; a mesma reação que ele havia experimentado no hospital voltou a ele: uma necessidade crescente e incontrolável por mais, uma vontade irracional que parecia anular qualquer outra coisa que ele sentia no momento. E foi exatamente aí que a coisa mais natural a fazer pareceu ser justamente afundar os seus dentes no pescoço elegante e tão convidativo de seu pupilo, obstruído apenas por poucas mechas de um cabelo sedoso e negro como a escuridão que envolvia a ambos.
          Imai parou a centímetros da pele do vampiro que, agora ele percebia, havia se entregado completamente aos seus braços e mudado levemente de posição de modo a facilitar a tarefa que o caixa quase havia completado. Passando a língua pelos seus dentes, o pobre homem percebeu que seus caninos não eram mais tão inofensivos quanto antes.
          - Kami-sama...
          A pequena prece escapou dos lábios do caixa sem que ele percebesse. Sua voz, porém, trouxe a figura anormalmente quente que parecia ter desfalecido contra o seu corpo de volta à vida, a respiração de Atsushi próxima da curva do seu pescoço e por fim perto da sua orelha, onde ele começou a falar:
          - Mestre... Já se vão mais de trinta anos de espera.
          Hipnotizante parecia ser, de fato, a classificação exata da voz daquele homem. Imai tinha certeza absoluta, naquele momento, de que nada poderia desviar sua atenção da linda criatura que o abraçava com tanta força e desejo, suas mãos subindo para se entrelaçarem na parte de trás do seu pescoço. Os lábios ainda cálidos do outro voltaram a se mexer, inundando o corpo do caixa com sensações prazerosas causadas pelo simples fato de que ele, Atsushi, falava.
          - Você se lembra de tudo agora, Mestre? - os sussurros pareciam urgentes, as mãos do vampiro pressionando com vontade explícita o corpo do atormentado homem contra o seu.
          - E-eu... Eu não lembro de nada. Eu não tenho essas memórias! - a resposta do caixa havia saído num tom de voz baixo, aumentando proporcionalmente à sua recusa em aceitar tudo aquilo - Eu não sou um vampiro, não é possível... Você está enganado!
          Imai praticamente gritou suas últimas palavras, usando forças que ele não sabia possuir para se desvencilhar do viciante abraço de Atsushi. Tremendo, o pobre homem acabou por rolar para o chão do consultório, colocando-se de quatro e começando a engatinhar para a saída o mais rápido possível. Ele tinha que sair dali, ele precisava fugir daquela criatura estranha que havia transformado sua vida em um...
          O caixa não sabia dizer o quê tinha acontecido, mas em questão de segundos ele se encontrava novamente colado ao corpo do vampiro, envolto pelos seus braços e pelo tecido grosso do casaco preto que ele vestia naquela noite. Atônito e sem conseguir pronunciar qualquer palavra de protesto, Imai mais sentiu do que viu Atsushi levantá-lo sem esforço e correr na direção da janela quebrada, desviando com habilidade do cadáver do psiquiatra e do resto da mobília.
          - Você vai se lembrar, mestre. Segure-se firme.
          A voz do pobre humano voltou quando ele percebeu que se encontrava suspenso no ar, movimentando-se com rapidez e suavidade pela atmosfera e sobre as ruas iluminadas da noite de Tokyo. Enchendo os pulmões de ar e gritando mais por instinto do que necessidade, Imai acabou enterrando as unhas nos braços do vampiro, ganhando deste um murmúrio de aprovação que ele nunca teve a intenção de causar.
          - Mas o quê...
          - Um dos muitos presentes seus, mestre. Seu sangue tem um poder inacreditável... - veio a breve explicação de Atsushi, sussurrada contra o ouvido do seu mentor. Não fosse a característica peculiar que a voz daquela criatura tinha de ser ouvida mesmo a metros de distância, Imai nunca teria entendido uma palavra sequer com o vento batendo no seu rosto naquela velocidade.
          - Meu sangue não tem nada disso... - o caixa murmurou para si mesmo, passando a língua pelos seus caninos e sentindo quão afiados eles estavam naquele momento; sem dúvida ele conseguiria fazer algum pequeno furo com eles dentro da sua própria boca para provar seu sangue mas... Não. Aquilo era ridículo.
          - Curioso como seu tempo entre mortais mudou seu comportamento, Imai. - o outro respondeu em um tom de voz que permitia a qualquer um imaginar o sorriso que estava estampado nas suas feições tão exóticas e atraentes. Ao ouvir seu nome ao invés do suposto título que possuía, o caixa não conseguiu conter um arrepio que desceu lenta e prazerosamente pela sua espinha - Mas isto está para mudar. Chegamos.
          Foi somente nesse momento que Imai se permitiu olhar para baixo, tendo escondido o rosto nas dobras de tecido das roupas de Atsushi durante todo o percurso. Ele percebeu que estavam em terra firme, algum lugar afastado das ruas movimentadas e mais próximo do interior; afinal, se existia um cheiro que ele não captava com freqüência na grande metrópole japonesa era exatamente o de grama molhada.
          Grama molhada...
          O pobre homem sabia que deveria ter aproveitado a oportunidade de ser ver livre dos braços do vampiro para fugir correndo, mas algo o prendeu no chão. Girando no seu próprio eixo devagar e temendo o que ele iria encontrar na paisagem, o caixa percebeu que estavam em um cemitério.
          Os túmulos estavam todos iluminados pela luz da lua, que brilhava com um vigor beirando o mágico. O caminho por entre as sepulturas era de fácil visualização e Atsushi se moveu primeiro, caminhando por um dos vários corredores que compunham o ambiente local. Apesar das estradinhas serem pavimentadas com cascalho, as botas de aparência pesada da bela criatura sobrenatural que caminhava com tranqüilidade à frente de Imai não faziam qualquer ruído.
          Ele não fazia idéia de onde estavam; o silêncio era quase ensurdecedor, quebrado apenas pela sua própria respiração e pela manifestação de vida de pequenos insetos noturnos. A maioria dos túmulos parecia antiga e construída em um padrão estético há muito abandonado em favor de outros mais modernos, mas era inegável que eles possuíam seu próprio encanto. Distraído com esses pequenos detalhes, o caixa quase foi de encontro às costas largas e cobertas de preto do seu pupilo, que havia parado na frente de uma das várias sepulturas.
          - Aqui. - ele replicou na sua voz aveludada de sempre, os cantos dos seus lábios escarlates se curvando para cima enquanto ele lançava um olhar significativo para o seu companheiro - Observe a placa.
          Imai até tentou não olhar, sabendo que se arrependeria de seguir aquela instrução do vampiro... Mas as palavras de Atsushi pareciam hipnotizá-lo de forma a sempre obedecer o que a bela criatura ao seu lado lhe dizia. Talvez aquele fosse mais um dos poderes sobrenaturais que ele possuía; não havia como ter certeza.
          De repente, os kanjis que formavam seu próprio nome saltaram aos seus olhos, acompanhados de uma indicação simbólica do ano do seu falecimento. De acordo com aquela lápide, Imai Hisashi havia falecido no longínquo ano de 1602, época da permanência portuguesa no arquipélago japonês e de óbvia influência cristã em vários rituais, incluindo aqueles após a morte... O quê explicava também o estilo ocidental e católico daquele local.
          - Não... - Imai replicou em voz baixa, balançando a cabeça negativamente e dando alguns passos para trás - Isso é impossível, é só alguém com o mesmo nome. Eu lembro dos meus pais, lembro da minha infância na escola, dos finais de semana na praia, dos passeios...
          - Meras alegorias, mestre. - a resposta rápida por parte de Atsushi veio de algum lugar que o caixa não conseguia identificar, seus olhos ainda pregados na placa que confirmava a sua morte com autoridade - Você quase foi destruído por um caçador há trinta e seis anos e o único jeito de salvá-lo foi movendo a sua alma para um corpo humano... O corpo do Imai Hisashi deste século. Você nunca foi humano, mestre; eu estava apenas esperando a sua recuperação completa para transformá-lo de volta como me pediu.
          O pobre homem deu meia-volta no seu próprio eixo, encontrando o vampiro parado atrás de si. Naquele momento, o seu pupilo era iluminado pela luz da lua e parecia mais belo do que nunca, seu rosto de traços perfeitos eternizados na palidez etérea que a sua natureza sobrenatural lhe conferia. As mãos longas e brancas de Atsushi pousaram nos ombros de Imai, ficando ali por breves segundos enquanto o dono das mesmas se aproximava até ficar bem rente ao seu mestre:
          - Volte para mim, Imai... Fique ao meu lado para sempre mais uma vez. - os murmúrios naquele tom de voz tão particular fizeram com que o caixa sentisse sua força de vontade se esvair por completo, seus olhos se fechando e virando telas de projeção para cenas que ele nunca havia vivido... Naquela existência, pelo menos - Nós nunca deveríamos ter sido separados.
          As presas afiadas de Atsushi se enterraram no pescoço do outro homem sem aviso, perfurando a pele delicada com habilidade e desejo incontestes; o caixa urrou de dor, seu corpo inteiro recuperando os movimentos que havia perdido para tentar empurrar o vampiro para longe e escapar daquela ameaça tão óbvia à sua vida, mas sem sucesso; a linda criatura que sugava seu sangue tinha força ímpar e com certeza além daquela natural de um homem comum, conseguindo dominá-lo sem esforço ao prensá-lo contra o seu próprio túmulo.
          Cada gole de sangue que passava do corpo de Imai para Atsushi levava um pouco da força para resistir ao ataque e trazia memórias vívidas como o dia; imagens de grandes navios que cruzavam o oceano, paisagens européias que ele nunca havia visitado e sobretudo milhares de locais e sensações envolvendo o lindo vampiro que sugava a sua vida tão deliciosamente enchiam sua cabeça e pareciam inundar seu cérebro.
          A linda criatura da noite então parou, erguendo a cabeça e usando os próprios caninos para abrir duas minúsculas perfurações no seu lábio inferior antes de colar a sua boca à de seu mestre, murmurando com prazer quando sentiu o corpo inteiro do outro tremer. Como por mágica, Imai passou a sugar avidamente aquele líquido escarlate e tão viciante que vinha dos cortes abertos voluntariamente por seu pupilo na própria boca.
          De repente, a figura alta e graciosa de Atsushi foi jogada sem cerimônias sobre o túmulo contra o qual Imai estivera sido prensado até então, o caixa ficando por cima do corpo do vampiro enquanto atacava-o agora também na atraente curva do pescoço, as mãos pálidas do outro mantendo-o próximo e incentivando seus movimentos. Toda uma eternidade se passou até a hora em que os dois se separaram, sangue ainda colorindo as bocas de ambos e tornando o sorriso de desejo no rosto de Atsushi ainda mais atraente.
          - Mestre...
          Uma das mãos do vampiro desceu da nuca do outro para acariciá-lo na face, erguendo o rosto do seu mestre para fitá-lo melhor e encontrando ali uma curva nos lábios de Imai que era a perfeita tradução da satisfação pessoal.
          - Atsushi. - veio a voz do outro, tão diferente mas tão igual. Os olhos de Imai brilhavam de uma forma que jamais seria possível, fosse ele ainda humano - Eu estou de volta. Vamos retornar à civilização.
          O antigo caixa desceu do seu próprio túmulo com uma leveza e agilidade que eram obviamente sobrenaturais, usando as costas da sua mão direita para limpar o sangue que havia sobrado nos seus lábios para depois lambê-lo. As marcas no seu pescoço haviam sumido como se nunca tivessem existido naquela pele tão pálida que parecia ser da mesma cor do próprio luar.
          Atsushi aceitou com graça a mão que seu mestre havia lhe estendido, também saboreando o resto de sangue que havia ficado na sua boca antes de se colocar de pé com a ajuda de Imai. Assim que ambos voltaram a pisar no solo, a luz da lua refletiu os contornos das duas figuras no túmulo de granito marrom ao lado, o rosto do mais novo das duas criaturas sobrenaturais cheio de devoção e desejo, mas o outro...
          - Boa noite, Imai. - o recém-transformado vampiro cumprimentou seu reflexo com jovialidade, acenando com ânimo para a imagem que tinha as palmas viradas para ele, como se tateasse por uma superfície invisível e buscasse uma saída daquele destino cruel - Sou eternamente grato pela sua hospitalidade enquanto estive me recuperando, mas é hora de ir. Até mais!
          Os gritos aterrorizados do reflexo foram calados brutalmente quando o agora vampiro Imai subiu rapidamente pelo ar noturno com seu discípulo, deixando de ser refletido em qualquer superfície. Em pleno ar e enquanto retornavam à capital japonesa, mestre e discípulo trocaram um longo beijo apaixonado e cheio de todo o tipo de promessas que aguardavam por ambos depois de décadas de separação forçada.
          A recém-transformada criatura abriu um sorriso que só podia ser descrito como malicioso, apertando a mão elegante e pálida de seu discípulo entre seus dedos; aquela havia sido apenas a primeira de muitas outras noites onde ele não desejaria outra coisa que não se saciar por completo no sangue da sua mais perfeita criação, a personificação de um romance pintado em todos os tons de vermelho de uma paixão que nem mesmo os séculos puderam apagar.


FIM


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