Scarlet Romance escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 5
Capítulo 5




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"Konya mo chi ga hoshii."
Esta noite eu também quero sangue.
BUCK-TICK - ROMANCE


          O zunido parecia próximo, quase dentro do seu ouvido, afastando-se para bem longe depois. Imai contraiu o rosto, resmungando alguma coisa incoerente antes que o barulho irritante retornasse para bem perto, o zumbido insistente sendo cortado por uma única palma.
          O caixa de supermercado piscou, seus olhos escuros abrindo com uma lentidão notável; ele não reconhecia o cômodo onde estava, mas isso não era novidade dado os últimos acontecimentos. Lembrando de tudo com força, inclusive da grotesca cena que ele não sabia se havia imaginado ou presenciado com ele mesmo como protagonista, Imai se levantou com ímpeto na cama onde estivera repousando até então, sentindo sua cabeça doer ao executar esse gesto.
          - Imai! Hey, Imai, não faça isso. - veio uma voz conhecida e preocupada chegou até ele, mas o caixa de supermercado não conseguiu abrir os olhos para confirmar a identidade de quem agora o empurrava de volta para o leito, suavemente. Quando estava novamente deitado, o homem de trinta e cinco anos tentou abrir os olhos de novo, focalizando por fim o rosto de Hide.
          - Hi... Hide? - ele murmurou, sentindo sua garganta seca. Era quase como se ele tivesse gritado por muito tempo para produzir aquele resultado.
          - Sim, sou eu. Você me deu um susto e tanto, Imai! - o outro respondeu, sentando-se logo ao lado da cama do caixa. Imai então notou que estava em um quarto simples de hospital, as paredes brancas oprimindo-o ali dentro. Desconfortável, ele se virou de lado apenas o suficiente para encarar melhor o rosto cheio de rugas de preocupação do amigo.
          - O quê aconteceu?
          - Ah... Eu já tinha chegado em casa e estava fazendo o jantar quando me telefonaram. Disseram que encontraram você caído na rua, na chuva, e trouxeram você para cá. Meu telefone era um dos primeiros na agenda do seu celular e ligaram para mim.
          Imai ficou quieto, apenas murmurando algo que indicava que havia compreendido a informação. Suspirando de forma quase imperceptível, ele tentava a todo custo se convencer de que os acontecimentos anteriores haviam sido apenas um delírio, porque aquele... Aquele homem que havia mordido Atsushi não poderia ser ele. Ele não lembrava de nada daquilo, muito menos da criatura misteriosa que vinha lhe perseguindo. Homem esse, no entanto, que tinha um nome que ele se recordava.
          E agora ele estava reconhecendo que aquele estranho ser tinha um nome: Atsushi. E ele sabia que quando se começa a chamar as coisas por uma denominação específica e única delas, era porque estava se formando uma conexão entre esses dois pólos.
          Ligação essa que o caixa não desejava.
          - Você está legal, Imai?
          - Hmm? - ele ergueu os olhos, encontrando novamente o rosto do amigo - Estou... Estou bem.
          - Eu não consegui comer em casa então eu acho que vou até a lanchonete... - ele se levantou e pôs a mão no bolso da calça, retirando a carteira e conferindo o dinheiro - Quer alguma coisa?
          - Iya, arigatou. Não estou sentindo fome.
          - Tudo bem então. Já volto!
          Hide encostou a cadeira onde estivera sentado no lugar original da mesma contra a parede, saindo silenciosamente pela porta do quarto. Imai virou-se na cama então, olhando para o teto. O mesmo parecia uma tela branca, logo preenchida pelas cenas que não deixavam na sua cabeça, sempre se repetindo com a mesma riqueza de detalhes, com as mesmas reações, com o mesmo sorriso que beirava o insano... No seu próprio rosto.
          Não era possível.
          A porta então se abriu lentamente, suas dobradiças rangendo como não haviam feito quando Hide saíra minutos antes. Imediatamente em alerta, Imai sentou-se devagar na cama, tomando cuidado para não sentir muita dor como da vez anterior.
          Simplesmente ninguém havia entrado no quarto.
          Um arrepio leve desceu a espinha de Imai, a sensação de frio anormal que sempre ocupava o ambiente mais uma vez se apoderando do quarto. Ele já sabia o que iria acontecer.
          Mas mesmo tendo certeza do que estava para se desenrolar, ele não conseguiu evitar os arrepios cada vez mais fortes que sentia ao ouvir as luzes do corredor do hospital apagando-se sozinhas, uma por uma. Do seu ângulo na cama, ele via a claridade artificial do lado de fora do seu quarto diminuir com cada estalido que indicava que mais uma lâmpada havia morrido.
          Quando a luminária imediatamente na frente da porta do seu quarto se apagou, Imai jurava que o barulho fora maior. Embora as luzes estivessem apagadas, um brilho fraco e avermelhado ficara no lugar da claridade de antes, como se luzes de emergência estivessem acesas.
          Suando frio e respirando rápido, Imai ficou sentado na cama, apenas esperando pelo inevitável. Era estranho como ele não conseguia se mexer, não obtinha sucesso em mover qualquer músculo do seu corpo para escapar do que sempre se configurava em um pesadelo para ele.
          E a cada segundo, parecia que aquele sonho ruim e visões macabras assumiam mais e mais o caráter de realidade para ele.
          Um barulho de espanto morreu na garganta do caixa quando alguém finalmente cruzou a porta aberta do seu quarto, trajando negro como em todas as vezes anteriores. Porém, antes da pessoa, uma bengala havia sido introduzida no seu campo de visão, fazendo um barulho suave contra o piso do hospital conforme batia contra o mesmo.
          Com alguns passos, a figura parou de frente para a sua cama. Um terno preto, impecavelmente cortado, agraciava a figura pálida daquele que não poderia ser outro senão Atsushi. Sua mão direita estava apoiada na bengala, e seus olhos estavam cobertos pela sombra que um elegante chapéu fazia sobre seu rosto quase sem cor, emoldurados pelo cabelo escuro e curto que ficava rente ao seu ombro.
          Atsushi então partiu seus lábios sedutores devagar e caprichosamente, deixando sua língua sair apenas o suficiente para lamber o contorno da sua própria boca. Um sorriso firmou-se então naquele rosto que ainda não tinha olhos, a figura de negro se aproximando de Imai que ainda estava congelado sobre o seu leito.
          - Atsushi...
          O nome da estranha criatura deixou os lábios de Imai antes que ele percebesse o gesto, arregalando os olhos quando notou o que havia feito. O mencionado homem alargou o sorriso ao ouvir aquilo, chegando ainda mais perto do caixa cujo tórax subia e descia numa velocidade impressionante, impulsionado pelo medo que substituíra o sangue.
          - Hmmmm... - o outro murmurou, sua voz grave produzindo um sentimento agradável e indescritível que, no entanto, não retirou Imai da sua postura rígida - Faz muito tempo que eu não escutava meu nome dessa forma.
          Foi então que o caixa de supermercado tentou analisar o jeito como ele havia pronunciado o nome do outro, ficando horrorizado ao perceber que a mais distinta nota de desejo havia estado presente. Como aquilo era possível? Imai nunca chegou a concluir o raciocínio, sendo repentinamente puxado para a frente pela curva que a bengala de Atsushi fazia na ponta.
          O pálido homem então avançou o pouco espaço que havia restado entre os dois rostos, utilizando a mão esquerda para dar um toque suave no seu chapéu negro que tombou para o lado oposto, possibilitando então a visão dos seus olhos profundos que pareciam conter uma chama ardente no fim dos mesmos.
          - Imai. - foi a vez do outro sussurrar e puxar o rosto do assustado homem de encontro ao seu, com força dessa vez. Se os encontros entre aquelas duas bocas anteriormente haviam sido breves e delicados, foi exatamente o oposto que ocorrera naquele instante; Imai sentiu seu corpo ir de encontro à parede, Atsushi abrindo espaço na cama do outro homem com a mão que tinha livre e subindo no leito em seguida.
          A bengala caiu na cama quando o intruso no quarto deixou de puxá-la para si, ocupando-se exclusivamente com os lábios do caixa. O charmoso homem abriu sua boca e utilizou sua língua para forçar o mesmo gesto em Imai, que separou lábios que estiveram imóveis até aquele momento mais para emitir um ruído de pavor ou surpresa do que para conceder aquele pedido silencioso do misterioso ser.
          Um arrepio dos mais fortes desceu a nuca de Imai, espalhando-se para as extremidades do seu corpo quente; a língua de Atsushi era habilidosa, porém incrivelmente gelada. Foi então que o caixa se deu conta de que suas mãos estavam nos ombros cobertos pelo caro tecido negro que envolvia o outro homem, e que nenhum calor chegava aos seus dedos.
          Era perturbador saber que alguém que parecia congelado e que não respirava estava atacando sua boca e fazendo coisas que Imai não julgava possíveis até aquele segundo; mas era, de certo modo, fascinante também. O gosto suave de cigarros e algo que ele não conseguia decifrar estavam presentes nos lábios sedutores e tão vermelhos de Atsushi, que não haviam se descolado dos seus depois do que parecia toda uma eternidade.
          De repente, o caixa sentiu algo fino e pontiagudo ser pressionado contra a pele delicada do seu lábio inferior. Imai instintivamente foi para trás, notando tarde demais que o movimento era impedido pela parede branca do hospital. Aterrorizado e sem idéia do que havia acontecido, ele finalmente utilizou as duas mãos para empurrar para longe o intruso do seu quarto, conseguindo que ele interrompesse o contato.
          O queixo do atormentado caixa de supermercado caiu ao ver que algo estava diferente no rosto do sedutor homem. Atsushi sorria, mas de um jeito que era evidentemente insano, finalmente erguendo a cabeça devagar até o estranho brilho avermelhado que vinha de fora ser capaz de iluminar sua boca.
          Sangue. Havia sangue nos lábios lascivos do outro homem. Em pânico, Imai trouxe dois dedos à sua boca e descobriu de onde ele havia aparecido, sentindo a minúscula depressão de dois furos contra sua boca. Ele não teve tempo de fazer a ligação óbvia entre as marcas e Atsushi, que havia puxado sua mão direita na altura dos próprios lábios.
          Foi então que o caixa assistiu passivamente ao outro homem arregalar os olhos ante as gotas escarlate que estavam nos seus dedos, o charmoso homem colocando a ponta dos dedos manchados de sangue dentro da sua boca e lambendo os mesmos devagar, contornando-os com perfeição e mandando as mais estranhas sensações de volta para o moreno que estremecia contra a parede.
          Atsushi desceu da cama, cortando qualquer contato físico com Imai e limpando o sangue que havia ficado no seu próprio lábio com um gesto elegante e fugaz. Em um literal piscar de olhos ele tinha a sua bengala de madeira de volta na mão direita, o chapéu preto inclinado mais ou menos do jeito que estivera antes, cobrindo apenas um dos seus olhos hipnotizantes.
          - Eu virei buscá-lo como me pediu, mestre. Até muito breve...
          A voz sedosa pareceu se dissolver no estranho silêncio sepulcral que havia tomado conta do hospital; Atsushi saiu com movimentos que pareciam inumanos, cheios de uma graça e rapidez que não poderia ser copiada por qualquer outra pessoa. Assim que ele saiu, a porta do quarto se fechou fazendo o mesmo rangido amedrontador, o quarto subitamente banhado pela luz normal outra vez.
          Mal a iluminação havia retornado a porta se abriu de novo, Imai se virando na direção da única entrada daquele cômodo com reflexos aprimorados pela adrenalina que ainda corria no seu sangue. Hide, assustado, encarou o amigo de volta com olhos questionadores:
          - Imai? O que aconteceu enquanto eu estive fora? Você está... Pálido.
          O caixa suspirou com grande alívio, balançando a cabeça negativamente. Não adiantava contar nada para o outro homem; se ele não havia percebido a presença de Atsushi quando ambos deveriam ter se encontrado do lado de fora, então qualquer questionamento era inútil.
          - Você se mordeu?
          Piscando, Imai levou novamente a mão direita ao seu lábio inferior, olhando para os dedos que haviam sido lambidos pelo charmoso homem momentos antes. Era estranho; ele podia jurar que com uma forte concentração nas cenas vividas há pouco, ele poderia sentir todos os arrepios deliciosos que Atsushi lhe havia proporcionado, bem como a dor rápida que lhe havia atingido quando seu lábio fora machucado pelo outro.
          Lambendo o local ferido que ainda tinha algumas gotas de sangue, Imai reconheceu então o gosto que não havia identificado quando Atsushi o beijara: cigarros e sangue.
          Seus olhos meio arregalados fitaram o muffin de chocolate que Hide comia distraidamente, o caixa de supermercado notando então que ele não tinha o menor desejo de comer qualquer coisa que fosse vendida numa lanchonete, supermercado ou padaria; uma estranha vontade de experimentar mais daquele gosto metálico, levemente adocicado e de cor escarlate havia substituído qualquer desejo costumeiro de Imai.
          Do lado de fora, Atsushi abriu um sorriso largo, ele mesmo experimentando uma última vez o que havia sobrado do gosto do próprio sangue do seu mestre na sua boca, seu corpo inteiro formigando com uma excitação que beirava o doentio.
          Faltava pouco.



Continua...


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