Scarlet Romance escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 3
Capítulo 3




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"Konya mo chi ga hoshii."
Esta noite eu também quero sangue.
BUCK-TICK - ROMANCE


          Imai ocupou o seu lugar como caixa pouco depois das duas horas da tarde, suspirando pesadamente antes de apertar um pequeno botão próximo à caixa registradora que acendia uma luz logo em cima dele, sinalizando que ele estava aberto para os clientes efetuarem suas compras.
          No entanto, enquanto o funcionário trabalhava, ele tinha a sensação de estar sendo observado atentamente por alguém logo atrás dele. Dados os eventos daquela manhã mais os da noite anterior, Imai não conseguia se convencer de que tudo era apenas uma impressão, apesar de ser alguém muito prático e sobretudo cético.
          Por causa desse desconforto, o caixa virou-se por várias vezes para trás durante seu expediente, seus olhos rondando qualquer canto do seu local de trabalho que poderia ser suspeito de abrigar o dono dos lábios vermelhos que o perseguiam. No entanto, suas tentativas de encontrar aquele homem foram todas frustradas, o que não tirou dele o receio de que ele ainda estivesse inevitavelmente por perto.
          Seu comportamento estranho durante seu turno chamou a atenção de um dos seus colegas, Hoshino Hidehiko, que sentava geralmente à sua direita. Assim que ambos encontraram uma brecha entre um cliente e outro do supermercado, o preocupado funcionário chamou o outro:
          - Hey, Imai. Você parece muito cansado hoje... Dormiu direito?
          O caixa piscou ao ouvir a voz de Hide, como costumava chamar o homem de feições calmas e cabelo escuro que era seu companheiro no supermercado todas as tardes:
          - Ah, não. Não dormi muito...
          Aquela era a melhor resposta que podia ser dada. Ele simplesmente não iria sair comentado que um homem estranho andava atrás dele, sem contar que, provavelmente, ele era o único a vê-lo e a notar as oscilações de energia elétrica ou então súbitos sumiços da luz da lua. Sem esquecer de sonhos agitados e visões durante o dia.
          - Você saiu muito tarde com aquela troca de turno. Por que não deixa de fazer o treinamento dos novatos? Você parece esgotado.
          - Não, não posso largar o treinamento. Yagami-san não gostaria disso.
          - Ah, Imai. Ele vai entender se você explicar tudo direitinho...
          Os dois tiveram de cortar a conversa quando mais pessoas se aproximaram dos caixas com seus carrinhos, Imai trabalhando mecanicamente e murmurando as perguntas de praxe que os funcionários eram obrigados a fazer sobre o atendimento e a disponibilidade de produtos dentro da loja.
          De repente, do lado de fora, o estrondo de um trovão foi ouvido, dando a impressão de que toda a estrutura do prédio que abrigava o supermercado havia reverberado juntamente com o som. Instintivamente, o pobre caixa olhou ao redor, procurando uma janela e confirmando seu medo de que uma verdadeira tempestade estava por vir.
          Hide, ao seu lado, reclamou de não ter trazido um guarda-chuva consigo aquele dia, mas as preocupações na cabeça de Imai eram um pouco diferentes. Na sua adolescência ele não havia assistido muitos filmes de terror, mas se lembrava de que por algum motivo sempre chovia neles. E aquilo não lhe pareceu um bom presságio.

          Naquele dia Imai deixou o seu serviço no horário de sempre, por volta das oito horas da noite. No entanto, ele não conseguiu chegar na estação de trem na hora que queria porque Hide havia pedido uma pequena carona até seu prédio.
          O outro caixa de supermercado não morava muito longe, mas obrigou Imai a caminhar por ruas um pouco mais escuras para cortar caminho e chegar logo à estação, coisa que ele não gostou. Andando com passos resolutos na chuva que não parecia querer dar trégua, o alto homem de cabelos curtos parou por um momento na ruela em que caminhava.
          Era impressão sua ou ele estava ouvindo passos atrás de si?
          Ele gastou alguns segundos em silêncio na pequena rua que era iluminada somente por um poste alguns metros à frente; embora não fosse tão tarde, era de se esperar que mais pessoas estivessem pelas ruas como ele, mas não era o caso.
          Como que por instinto, Imai usou o braço que não carregava a haste do guarda-chuva e envolveu a parte da frente do seu corpo com ele do jeito que foi possível, sentindo a sua espinha gelar novamente; talvez aquilo tudo fosse apenas efeito da chuva, que mudava sem aviso de direção e acabava molhando suas pernas e costas com alguma freqüência.
          Finalmente o caixa de supermercado quebrou o silêncio da pequena rua quando decidiu seguir caminho, seus pés produzindo um ruído característico toda vez que se encontravam com a água que parecia inundar o pavimento da calçada por ali. Nem bem dez dos seus passos ritmados haviam sido dados quando ele ouviu distintamente outra pessoa caminhando, o andar desse segundo indivíduo fazendo barulho no contra-tempo do seu caminhar.
          Imai parou novamente e virou-se para trás com rapidez recorde para seus movimentos calmos, sentindo o coração dentro do seu peito acelerar e começar a bombear sangue com mais eficiência para as suas extremidades: era seu corpo biologicamente se preparando para descarregar uma dose absurda de adrenalina nas suas veias e impulsionar uma provável fuga.
          Seus olhos, no entanto, nada encontraram na ruela que pudesse confirmar seus medos; o local continuava deserto, contando apenas com a água que caía no chão e escorria pelas paredes das antigas construções da rua para dar algum tipo de vida aquele lugar.
          - Quem está aí?
          A sua voz saiu com o mínimo de volume que era necessário para que fosse ouvida, devido à chuva e ao medo que parecia querer tomar conta do caixa de supermercado. Sua mão direita apertou com mais força o guarda-chuva, preparando-se para retomar seu caminho quando ouviu os passos novamente.
          Estático, congelado no lugar onde se encontrava, os olhos escuros de Imai apenas acompanharam uma garota que apareceu do mesmo lado da calçada em que estava, caminhando apressadamente para passar por ele e logo depois virar à esquerda na próxima esquina, sem sequer lançar um olhar para ele. Suspirando com alívio, o caixa de supermercado finalmente retomou seu curso, massageando a sua testa com a mão livre e murmurando pequenos xingamentos. Ele estava realmente ficando paranóico.
          No entanto, o seu relaxamento não durou muito tempo, ao tentar virar no mesmo local em que a garota havia sumido mais cedo e encontrando seu caminho bloqueado por uma parede de tijolos.
          A luz do único poste da rua estava mais próxima, de forma que ele pôde realmente conferir que uma espécie de muro se encontrava onde deveria haver uma outra rua. Piscando, ele tocou aquela parede que não deveria estar ali com a ponta dos dedos, sentindo a umidade da chuva e a consistência dos tijolos e percebendo que, infelizmente, aquilo tudo era perfeitamente real.
          O som de uma porta pesada se abrindo lentamente foi o que tirou Imai dos seus devaneios sobre o muro, fazendo com que ele olhasse na direção de onde havia vindo aquele ruído estranho de dobradiças antigas. A rua, agora, não continuava para frente como antes e parecia fechada com uma pequena construção que certamente nunca estivera ali, assim como o muro. 
          A chuva começou a cair mais forte, a ponto de Imai sentir os pingos que batiam contra o seu guarda-chuva com nitidez. Assustado e sem entender se a garota ou o beco era a ilusão, ele voltou para a rua e caminhou na direção da nova fonte de luz na ruela: a porta que ele havia acabado de escutar ser aberta.
          Era a entrada justamente da construção que ocupava o fim do beco e bloqueava o caminho; a porta, grande e de uma madeira escura, dava para o interior de uma loja, ou pelo menos era isso que parecia. Logo ao lado da entrada havia uma vitrine que mostrava o interior de um cômodo, mobiliado com alguns objetos que pareciam antigos.
          Olhando a rua na direção de onde havia vindo, a sensação que Imai tinha era que o caminho que ele percorrera havia desaparecido. A luz do poste não incidia mais pelo local e quanto mais distante as coisas estivessem da porta aberta às suas costas, mais difusas elas ficavam até finalmente se converterem em uma escuridão impenetrável.
          Imai ouvia o seu próprio coração bater, sentido-se acuado em uma situação terrível: os únicos caminhos eram voltar por uma escuridão que parecia ser sobrenatural ou prosseguir para dentro da loja que havia fantasticamente aparecido na frente dos seus olhos.
          Respirando fundo e tentando controlar o nervosismo, o caixa de supermercado fechou o guarda-chuva e entrou na loja, rezando silenciosamente para que ele conseguisse chegar em algum lugar com barulho de carros, pessoas conversando e placas de sinalização que o mandassem para a próxima estação de trem. Consultando seu relógio de pulso, ele percebeu com desânimo que o mesmo havia parado, deixando-o sem idéia do tempo real que havia transcorrido desde a sua saída do emprego.
          O piso no interior do estabelecimento era engraçado, formado por vários losangos: uma linha dessas figuras brancas era logo seguida por outra composta pelas mesmas formas geométricas, porém em preto e vermelho, sempre se alternando. Apoiando seu guarda-chuva contra a parede e movendo-se para perto de uma mesa que parecia ocupar o centro daquele cômodo, Imai percebeu que aquilo não era uma mesa, e sim um mostruário com um tampo de vidro, parecido com o que ele costumava encontrar em suas visitas ocasionais a museus.
          Protegidas por uma tampa de vidro empoeirada estavam utensílios que pareciam ter saído da mesa de jantar de um antigo nobre europeu: cálices, pratos, talheres e uma garrafa de vinho completava o conjunto, o rótulo da mesma já meio apagado por causa do tempo e não permitindo a Imai que ele conseguisse identificar a safra da bebida.
          Uma corrente gelada de ar fez com que o caixa de supermercado abraçasse seu próprio corpo antes de virar o rosto na direção de onde havia sentido o vento, encontrando um corredor estreito e iluminado que parecia ir mais para o fundo daquela loja ou antiquário. Caminhando devagar e tentando não fazer ruído conforme seus sapatos molhados entravam e saíam do contato com o piso de losangos, Imai viu uma porta fechada no final do corredor e uma outra próxima dela, à sua direita.
          Ele rapidamente tentou girar a maçaneta que provavelmente o conduziria para fora do corredor e talvez em direção a outra saída, mas a porta estava trancada. Piscando, ele observou a sua mão direita depois de ter tentado passar por aquele lugar e percebeu que ela estava escura, suja de poeira. Ninguém mexia naquela maçaneta há muito tempo.
          Não restando saída a não ser a outra passagem que agora estava à sua esquerda, Imai foi até ela e viu que, ao contrário da outra, a maçaneta dourada estava limpa, embora estivesse ligeiramente opaca e descascando em alguns pontos. Foi com grande apreensão que ele abriu a passagem, surpreso ao não ouvir nenhum ranger de dobradiças.
          A visão que encheu os olhos do caixa foi no mínimo peculiar. O cômodo um pouco maior do que a sala de entrada da loja estava iluminado por velas, a maioria apoiada em castiçais dourados bonitos e bem trabalhados, deixados sobre duas mesas ou então sobre o próprio chão. O piso era igual ao que pavimentava todo o lugar, embora aparentasse estar um pouco velho.
          Imai não sabia se as paredes um dia tinham sido cinzas e os pedaços brancos que ele via agora estavam visíveis porque a tinta havia descascado ou se era o inverso. Sobre uma mesa, próxima a um lindo candelabro, estava um vaso um tanto quanto estranho que servia de recipiente para uma dúzia de rosas vermelhas e abertas, no auge do seu frescor, contrastando fortemente com a atmosfera antiga daquele quarto.
          Próximo a uma janela que estava fechada, enfeitada com cortinas de um branco envelhecido e muita renda que iam até o chão empoeirado, estava um divã vermelho, no canto mais afastado da luz das velas. Porém, nada naquele lugar chamava tanta atenção quanto quem ocupava o mesmo divã.
          Reclinado com charme e elegância sobre aquela peça de mobília encontrava-se o homem que o estivera seguindo e aparecendo para ele nos locais mais improváveis. No entanto, ao invés das roupas de antes, ele usava um terno preto simples, bem cortado, que deixava ver uma camisa com um estilo de renda discreta e da mesma cor do terno.
          O cabelo liso, cortado próximo aos ombros do estranho tocava o tecido da sua roupa suavemente, dando a impressão de que a sua textura era igualmente macia. A luz das velas fazia com que os fios negros reluzissem em alguns pontos, e também contribuía de forma a deixá-lo menos pálido, diminuindo o desconforto que Imai tinha ao vê-lo.
          No entanto, duas das suas características mais marcantes estavam presentes: a luminosidade anormal dos seus olhos e a vivacidade do vermelho que coloria seus lábios, torcidos para cima em um sorriso quase imperceptível que havia surgido ali quando o caixa de supermercado entrara no quarto.
          - Eu estive esperando por você, Hisashi.
          O referido homem não percebeu que a porta atrás dele havia fechado sem fazer barulho, completamente hipnotizado pelo movimento da boca do outro e também pela sua voz; voz essa que embora fosse marcante, despertou no caixa algo de diferente quando ouviu seu nome deixar aqueles lábios lascivos:
          Familiaridade.
          E antes que ele conseguisse entender por que seu nome soava normal de um segundo para outro na voz daquele homem de preto, ele se viu pronunciando um nome:
          - Atsushi...
          De repente, o estranho havia deixado de ser totalmente estranho a Imai.



Continua...


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