Queria sair dali, queria deixar aquela maldita vila e voltar para a cidade; estava estudando muito para isso. Havia apenas uma coisa que não gostaria de deixar para trás, ou mais precisamente, alguém de quem não queria ficar longe: Tohru-chan. Seu único amigo, a única pessoa com quem realmente se importava naquele lugar. Mas não era só isso que ele representava, Natsuno sabia que não, e surpreendentemente, não se importava.

   Mas algo o estava atormentando ultimamente: já fazia um tempo que sentia aquela presença, já fazia um tempo que sentia estar sendo observado, e de alguma maneira, sabia por quem. Aquela garota, Shimizu, sempre o ficava espionando pelo lado de fora da janela, escondida entre as folhagens, mas não era possível que fosse ela; ela tinha morrido. Mas Natsuno de certa forma acreditava que não era impossível, que aquela garota poderia ter ressuscitado. O resultado dessa constante sensação não deixava o rapaz dormir, o que o fazia ir buscar refúgio na casa de Tohru-chan. Ao menos algo bom disso tudo.

   - Natsuno, você não está estudando demais? - Tohru-chan perguntou preocupado.

   - Eu estou bem - respondeu tentando se manter acordado.

   Estavam no quarto de Tohru-chan, jogando video-game; havia fugido para lá outra vez. Em todas as memórias que tinha daquela vila, Tohru-chan estava presente, e Natsuno gostava da presença dele, mesmo que fosse apenas como amigo. " Talvez eu seja apenas um covarde " pensava. Ficar próximo ao outro bastava para Natsuno, mas naquela noite percebeu que nem mesmo isso seria possível.

   Estava dormindo no chão, ao lado da cama de Tohru-chan, quando sentiu aquela presença novamente; podia sentir " ela " entrando na casa, subindo as escadas, se aproximando do quarto até que... A porta se abriu. Mas a garota parada na porta era a irmã de Tohru-chan, que os olhou por um instante e foi embora. Natsuno suspirou aliviado. Porém, esse alívio durou pouco, muito pouco, cessando por completo quando virou a cabeça e viu embaixo da cama de Tohru-chan.

   Ela estava lá. Os olhos mais escuros do que antes, a pele mais clara e quase cantando o nome de Natsuno. Shimizu saiu debaixo da cama se arrastando, com a cabeça virada para trás e sem nem mesmo mover os braços. Natsuno tentava, mas não conseguia se mover.

   Ela virou para o rapaz que continuava adormecido e falou com a voz carregada de desprezo - Eu odeio esse cara. Ele é a pessoa mais próxima do Yuuki-kun - e abriu um sorriso nem um pouco simpático - Então acho que vou matá-lo - e se inclinou sobre ele.

   Natsuno tentou levantar, tentou gritar, mas já era tarde; a garota levantou, um fio de sangue escorrendo de sua boca...

   - AHHHH! - Natsuno levantou assustado, molhado de suor. Shimizu não estava no quarto.

   - Natsuno? - Tohru-chan chamou sonolento.

   Natsuno segurou os ombros do outro, olhando bem para ele - Tohru-chan! Você está bem?

   - Hã? - resmungou confuso e logo voltou a dormir. " Foi um sonho? " indagou Natsuno aliviado, voltando a deitar.

   Mas não havia sido um sonho.

   Nos dias que se seguiram, Tohru-chan estava diferente, não parecia ele mesmo. Em um dos dias, Natsuno estava indo para a casa de Tohru-chan como de costume quando viu o doutor da clínica Ozaki chegando na casa. Um pressentimento terrível tomou conta dele. Correu para o interior da casa; todos lá pareciam preocupados. Subiu as escadas o mais devagar que pôde, com medo do que encontraria. Entrou no quarto bem na hora de ouvir o pai de Tohru-chan dizer com a voz trêmula: " Tohru... Tohru está morto ". Foi como se tudo ao seu redor congelasse, ficasse em preto e branco, e tudo o que estivesse nítido fosse a visão, novamente, de Shimizu com um fio de sangue escorrendo pela boca. O sangue de Tohru-chan.

   Queria sair daquela vila, agora tinha mais um motivo para sair dali o quanto antes, mas algo o impedia. Seriam as memórias de Tohru-chan? Nem uma vez sequer, desde a morte de Tohru-chan, nem quando viu seu corpo, ou mesmo no funeral, Natsuno chorou pela perda. Não conseguia sentir que ele estava realmente morto, como se ele pudesse levantar a qualquer instante... Exatamente como Shimizu. Então talvez o que o prendia lá era a esperança.

- x - 

   Natsuno pesquisou, procurou todo tipo de informações, e por fim descobriu a verdade por trás do que acontecia naquele lugar: Okiagaris, ou vampiros mesmo. Havia deduzido algo do tipo, mas agora tinha certeza.

   Em uma noite, Natsuno sentiu uma presença do lado de fora da janela; já o haviam procurado antes, então não foi nenhuma surpresa para ele essa nova " visita ". O rapaz se posicionou ao lado da janela segurando uma chave inglesa, pronto para resistir. Mas aquela voz o paralisou.

   - Natsuno - a voz chamou. Reconhecia aquela voz. Como poderia não reconhecer? Havia apenas uma pessoa que o chamava assim. Derrubou a ferramenta no chão, de repente sem forças para segurá-la, e hesitante, abriu a janela. Uma mão agarrou seu braço, uma mão pálida e fria como gelo. O dono da mão tentava esconder seu rosto, mas Natsuno sabia quem era e o forçou a se mostrar. Era ele mesmo... Era realmente Tohru-chan... Achou que fosse ficar aliviado, feliz, se Tohru-chan voltasse, mas agora, não conseguia  distinguir o que sentia. Estava tudo misturado, tudo bagunçado, ele não sabia qual sentimento era o mais forte. Felicidade, por poder rever o outro? Tristeza, por Tohru-chan provavelmente ter sido enviado para matá-lo? Alívio, por ser Tohru-chan o encarregado de sua morte, e não aquela garota? Medo, por estar sendo alvo daquelas criaturas? Ou raiva, por terem transformado Tohru-chan em um criatura que vive matando os outros? Não sabia, e com Tohru-chan tão próximo dele, sendo um vampiro ou não, não conseguia se concentrar para tentar descobrir.

   Assim que seu rosto foi exposto, Tohru-chan saiu correndo para a floresta. Natsuno o seguiu, mas por fora das árvores, chamando o nome do outro pela estrada a beira da floresta. Mas ele não respondia.

   - Yuuki Natsuno-kun? - um homem estranho perguntou, se aproximando dele. Ele era da mansão dos Kirishikis. Natsuno percebeu de imediato que não conseguiria escapar, ainda mais quando Shimizu também apareceu. Recuou. Mas então sentiu mãos geladas o envolverem e as presas de Tohru-chan em seu pescoço. Era uma sensação estranha, seu sangue estava sendo sugado, era o primeiro passo em direção à sua morte, mas de verdade, não se importava. Sentia as lágrimas de Tohru-chan escorrerem por seu pescoço conforme ele sugava seu sangue. Estava nos braços de Tohru-chan, ia ser morto por ele, mas mesmo se quisesse, não conseguia resistir...