Ameaça escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 6
Capítulo 6




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          Contando nos dedos, Kaoru chegou a conclusão de que já havia sido avisado quatro vezes. Isso era um mês inteiro. Franzindo a testa, o guitarrista suspirou. Isso não era um bom sinal.
          Poderia significar que a ameaça seria cumprida dentro de pouco tempo. E ele estava com medo. Mais do que nunca.
          Mas não era medo de morrer. O que mais assustava Kaoru era a possibilidade de ser morto e não conseguir concluir todos os seus planos; de não chegar com o Dir en grey a todos os lugares que gostaria de ir; de desapontar familiares e amigos partindo desse jeito.
          Sobretudo... Deixar Toshiya.
          Hara Toshimasa assumiu um posto importante na vida do líder da banda quando entrou para a mesma, mostrando que em matéria de talento, beleza e competência, ele era definitivamente agraciado por algum ser divino. Toshiya era uma bênção na vida de Kaoru e no início tão conturbado da carreira do Dir en grey, e com o tempo, ele sentiu que a importância do baixista era maior do que ele supunha.
          Ele havia conquistado um posto importante no coração de Kaoru também.
          Durante anos, o líder da banda acreditou que não nutria mais que uma forte amizade pelo lindo colega de trabalho, mas não conseguia continuar firme nessa idéia. Mesmo admitindo estar apaixonado pelo seu baixista, ele não encontraria um jeito para se declarar nunca.
          Porque a banda estava acima de tudo, e ele jamais faria algo que colocasse em risco a estabilidade do Dir en grey. Que nas atuais circunstâncias, já estava bastante debilitada.
          Sem saber o que fazer, Kaoru afundou o rosto nos braços dobrados sobre a grande mesa do estúdio, vazia àquela hora. Mas que estaria completa com os cinco integrantes se tudo estivesse normal na sua vida, e não estivesse sendo ameaçado de morte.
          Fechando os olhos, o guitarrista esperou encontrar conforto no seu sono. Ele não sabia quem o perseguia. Ele não sabia por que ele havia sido o escolhido para alvo.
          Mas ele sabia por que não queria morrer.

          - Shin... Você concorda?
          - Hai.
          - Mesmo?
          - Mesmo. Afinal, foi o meu batom, certo?
          Os outros quatro integrantes restantes do Dir en grey conversavam na sala em anexo à que se encontrava Kaoru. Toshiya olhava de dois em dois minutos para a porta, claramente dividido entre a idéia de ficar ali dentro e de vigiar Kaoru.
          - Bom, então vamos repassar o plano: hoje o Kaoru vai para a casa do Kyo depois do ensaio, e se tudo correr bem, amanhã ensaiaremos normalmente.
          Os outros três concordaram com a cabeça, mas sabiam que as palavras de Die tinham um otimismo falso. Ninguém ali dentro acreditava que escapariam depois de um mês dessas ameaças.
          - E se não correr... - Toshiya parou de falar por alguns segundos, mordendo o lábio inferior e depois continuando sua linha de raciocínio - Amanhã de manhã, terça-feira, estaremos no posto policial mais próximo, certo?
          - Hai. Eu vi que começaram a espalhar boatos...
          - Boatos?
          - Sim. Por que o lançamento do novo single foi adiado... - Die andou até uma cadeira, onde estava uma pasta que ninguém havia prestado atenção antes - Olhem só, andei por fóruns na internet, listas de discussão e sites. Parecem que acreditam que ou alguém se casou, ou alguém está mal... Ou até mesmo que algum de nós morreu.
          Os quatro ficaram em silêncio. Silêncio que foi curto, quebrado por um barulho de Kyo.
          - Já chega dessas besteiras. Vamos logo. Aposto que Kaoru acabou dormindo na mesa. E vocês tão preocupados com ele...
          - Kyo, não comece. Estamos todos tensos.
          O vocalista começou a andar na direção da porta que dava para a sala conjugada, e com a mão sobre a maçaneta, replicou:
          - Correção: vocês estão tensos.
          Saindo sem barulho pela porta, os outros três homens se entreolharam.
          - Alguém entendeu?
          - Iie.
          Die suspirou.
          - O Kyo está muito estranho. Eu acho que é melhor deixar o Kao com o Shin...
          - Mas lembre-se que nada do Kyo foi utilizado até agora para ameaçar o Kaoru.
          - Verdade. Então...
          Os três trocaram olhares aflitos novamente.
          - Vocês... Não acham que o Kyo é quem está fazendo isso, acham?
          A pergunta de Toshiya ficou sem resposta.

          A caminhada para o apartamento de Kyo se deu em silêncio, sendo este ocasionalmente quebrado por barulhos que vinham das ruas ou então alguma pergunta simples do vocalista. Kaoru se sentia estranho ao lado do homem mais baixo.
          Era quase como se cada olhar que Kyo dirigisse a ele passasse pela sua carne e chegasse à sua alma. Como se ele soubesse de tudo e não quisesse divulgar nada. Como se ele...
          ...Esperasse por alguma coisa? Balançando a cabeça lentamente, Kaoru não acreditava nisso. Havia algo esquisito em seu vocalista e isso era indiscutível, assim como o fato de que ele não sabia definir exatamente o quê era isso. Mas uma coisa era certa: ele não se sentia assim antes, somente depois das ameaças.
          Lembrou do que Toshiya lhe confidenciara antes. O baixista achava que a pessoa que os ameaçava estava entre eles, muito próximo deles mesmo. Familiar o suficiente para ter que disfarçar sua caligrafia.
          Letras de música. Kyo compunha e escrevia bastante. Ele poderia ter feito isso. Ele tinha condições para tanto. E em um mês exato, estaria ele indo para o covil do monstro?
          Kaoru quis se bater mentalmente, tamanho absurdo estava pensando do seu amigo de tantos anos e problemas. Não era possível que tudo isso estivesse acontecendo por culpa do homem mais baixo. Que sentido isso fazia?
          O guitarrista quase pulou de susto quando sentiu a mão fria do outro homem no seu ombro. Sem palavras, os dois desceram do carro e tomaram o elevador para o apartamento de Kyo.
          Embora Kaoru não quisesse aceitar que talvez o seu vocalista fosse o responsável por tudo, ele tinha que admitir que parecia provável. E o olhar constante e clínico do homem loiro sobre si não era o que o líder do Dir en grey chamava de confortável.
          Segundos depois, o guitarrista adentrava o apartamento escuro de Kyo. E ele sentiu uma profunda sensação de pesar e arrependimento por estar ali dentro.
          Por ter tantos receios e porque esses mesmos receios eram gerados por um de seus melhores amigos.

          Kyo roncava no sofá da sala, a televisão sem som exibindo um filme aleatório legendado. O vocalista nem havia tirado os óculos escuros ou trocado de roupa depois de chegar em casa e jantar com Kaoru, caindo no sono pouco depois do filme ter começado. O guitarrista se retirara para o quarto que seria seu na casa de Kyo, não desejando ver o filme que iria passar.
          O ronco do vocalista continuava alto quando alguém se locomoveu do quarto ocupado por Kaoru para o vizinho, entrando no mesmo. Momentos depois, a mesma pessoa deixava o segundo quarto, e silenciosamente, destrancou a porta principal da casa, saindo para o hall do apartamento do vocalista. Os roncos continuavam.
          Aproximadamente quinze minutos depois, a mesma pessoa retornava ao apartamento, tomando cuidado para que as chaves não fizessem muito barulho quando batiam na porta. Trancou a porta principal exatamente como estava e refez o caminho na ordem contrária, parando no cômodo que estava em reformas na casa de Kyo e em seguida indo para o quarto de Kaoru.
          Na sala, os roncos do vocalista foram ficando mais fracos, até pararem por completo. Mas em nenhum momento, ele estivera realmente adormecido. Kyo estava bem acordado, e havia visto tudo.

          Não esperando muito, o vocalista desligou a televisão e se levantou do sofá, abrindo a porta da sua casa sem cerimônias. Do lado de fora, na parede oposta à sua porta, letras horrendas haviam pintado uma mensagem com tinta vermelha.

"MY COMEUPPANCE AND YOUR IGNORANCE.*
A punição pela sua ignorância chegou, Kaoru."


          Balançando a cabeça depois de reler a frase três vezes, Kyo voltou para dentro da sua casa. Trancando a porta, ele entrou no quarto ao lado do que Kaoru estava ocupando. Ele pretendia fazer um escritório pessoal ali, e tinha decidido reformar e pintar as paredes, sendo duas de preto e duas de vermelho. Porém, ele tinha pouco tempo para isso e desde que os problemas com o seu líder de banda começaram, a situação não havia melhorado em nada.
          Andando pelo piso coberto de plástico para evitar manchas, Kyo encontrou a lata de tinta vermelha com um pincel descansando em cima. A tinta do pincel estava fresca. E a lata havia mudado de lugar.
          Esfregando os dedos da mão direita que havia encostado na tinta, Kyo entrou no quarto de Kaoru sem se anunciar e sem fazer ruído algum. A figura alta do guitarrista estava parada, olhando pela janela para fora do apartamento.
          Kyo removeu os óculos do rosto, dobrando as hastes e colocando o objeto no bolso. Nesse momento, a pessoa se virou para ele. O vocalista acendeu um abajur do seu lado, que iluminou ambos o suficiente.
          A pessoa que havia se virado tinha a altura de Kaoru; o seu porte, os seus gestos. A mesma cor de cabelo, a mesma roupa que Kaoru estivera usando quando foi dormir por não querer ver o filme. As feições do rosto eram as do seu amigo.
          Exceto os olhos. Os olhos que piscavam para Kyo, iluminados pela luz do abajur, não eram os de Niikura Kaoru.
          Eram os olhos de uma outra pessoa.
          Suspirando profundamente, Kyo cruzou os braços.
          - Quem é você?
          Os lábios da pessoa se curvaram em um elegante e terrivelmente provocante sorriso. Jogando uma mecha de cabelo para trás, o homem retrucou.
          - Quem você acha?
          - Eu não sei quem você é... - Kyo começou, andando para perto da cama e se sentando na mesma - Mas eu quero Kaoru de volta. Agora.
          - Você sabe que o tempo dele acabou.
          - Não. O tempo dele acaba quando ele ler a última ameaça. E se ele quiser, ele deixará a vida dele ir embora. E você sabe disso. Agora, responda: quem é você?
          - Eu? - o sorriso se alargou - Eu sou a parte que sempre foi escondida. Porque eu sou tudo aquilo que na verdade é Kaoru. Mas que ele se recusa a aceitar. E ele não merece viver sendo do jeito que é.
          Do lado de fora, uma chuva fina começou a cair. Os olhos estranhamente cruéis naquele rosto sempre concentrado e sério criavam um contraste que Kyo não imaginara ver no seu amigo nunca.
          Nesse momento, Kyo viu que Kaoru segurava uma faca na sua mão. Ele apenas ergueu os olhos da faca, questionando o homem em seguida.
          - Você ia roubar. Ia tentar acabar com tudo antes da última ameaça.
          - Porque é revoltante viver com alguém que não sabe fazer as coisas, Tooru. - o homem se aproximou de Kyo, levantando o rosto do vocalista com a mão livre da faca - Mas apenas porque você descobriu tudo, Kaoru ganha um dia de vida. Um dia e nada mais que isso. Se ele resolver tudo, melhor para seu amigo. Ele continua entre os vivos. Caso contrário...
          A mão com a faca se aproximou do rosto de Kyo e cortou a face do mesmo, fazendo um corte fino e longo. Suficiente para marcar e deixar sangue escorrer, mas não forte o bastante para causar dor.
          - E se ele não conseguir?
          - Então ele morre. - e o homem se afastou em definitivo do vocalista, fazendo um corte em um dos próprios pulsos, lambendo o fino filete de sangue que havia surgido na pele branca de Kaoru. De repente, os olhos de Kaoru se fecharam, e ele caiu sobre a cama. A sua mão se abriu e a faca rolou para o chão.
          Kyo se levantou da cama e colocou o corpo do guitarrista sobre a cama por inteiro, deixando o lençol por cima do corpo do mesmo logo depois. Examinando o pulso cortado, viu que o corte já estava parando de sangrar sozinho, e não fez nada a respeito dele. Apanhou a faca no chão e saiu do quarto, jogando a mesma logo depois na pia da cozinha.
          O homem de baixa estatura mas dono de inteligência e observação aguçada encarou o relógio na parede da sala. Duas horas da manhã.
          Kaoru tinha menos de vinte e quatro horas para escapar da morte. Que, se acontecesse, seria causada por ele mesmo.
          O vocalista voltou para o sofá, só então se lembrando do corte no próprio rosto e não tomando absolutamente nenhuma providência para estancá-lo. Dessa vez, ele adormeceu de verdade em minutos.
          Tudo dependia da força de vontade de seu amigo agora. A vida ou a morte de Niikura Kaoru estavam nas suas próprias mãos.



Continua...


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Notas finais do capítulo

* A tradução seria: "Meu castigo e a sua ignorância". É um trecho da música Machiavellism.



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