Acima do Dever escrita por Flavia Souza


Capítulo 3
Capítulo 3




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"Aquele que desperdiça o dia de hoje, lamentando o de ontem, desperdiçará o de amanhã, lamentando o de hoje." ( P. Raskin )

O interior da residência continuava exatamente como Edward se lembrava. Sempre a achara seme­lhante a uma casinha de brinquedo, com ambientes pequenos, acon­chegantes. Flores decoravam cada mesa e havia almofadas colori­das em todas as cadeiras. O clima era despojado, acolhedor, com um leve perfume de lavanda no ar parado. Paredes azul-claro su­geriam um dia de verão ameno, os móveis confortáveis convidavam as visitas a se demorarem. Não havia nada que ele desejasse mais.

Só que os quatro brutamontes fitando-o do outro lado da sala baniam qualquer sensação de conforto.

Edward não imaginava o que fizera para merecer tanta hostilidade, mas não se intimidaria. Endireitou o corpo e ergueu o queixo roxo. Permanecia febril com o efeito do beijo e enfrentaria qualquer um para ficar com Bella.

Inconscientemente, imitou a atitude dos irmãos, cruzando os braços, afastando as pernas, emitindo um brilho desafiador no olhar. Um de cada vez ou os quatros juntos... Que viessem, porque ele estava pronto.

─ Bella?    Chamou Jacob.   ─ Acho que devíamos...

Edward experimentou satisfação ao notar o lábio dele cortado e um olho ficando roxo. Ao ver um boné do urso Smokey no sofá, adivi­nhara que o irmão mais velho de Bella era instrutor de treinamento. Já desconfiara ao ouvi-lo falar, a voz rouca de tanto gritar, dirigindo-se à irmã como se desse ordens a um recruta.

E, pelo que se lembrava do temperamento de Bella, valia a pena ver a reação dela.

─ Jacob, acho que já fez o bastante para um dia.   Ralhou ela.

─ Ora, não foi culpa de Jacob.   Defendeu um dos trigêmeos. Ela estreitou o olhar sobre os três idênticos.

─ Tem certeza? Quem foi que começou?

Jacob desviou o olhar, e Edward ocultou o sorriso. Era ótimo ver Bella em ação. Para uma baixinha, ela valia por três mulheres. E vê-la impor seu temperamento a quatro irmãos protetores era uma diversão e tanto.

Entretanto, não ficaria ali parado enquanto ela o defendia de sua família.

─ Seja lá qual for o seu problema, é comigo.   Declarou, encarando Jacob.

    Ficaria contente em acertar nossas diferenças.

O outro homem ficou tenso.

─ Quando quiser.

─ Ótimo.    Respondeu Edward, arregaçando as mangas. Vamos.

─ Ninguém vai a lugar algum.   Decretou Bella, olhando-os severa.

─ Isabella.    Rosnou Jacob, naquele tom de instrutor.   ─ Estamos esperando para falar com ele há muito tempo.

─ Eu também, ora!

─ Calma, gente, agora estou aqui.     Edward alternou o olhar entre Jacob e Bella. Estavam todos tão ocupados conversando entre eles e sobre ele, que ninguém conversava com ele, e um alerta surgiu. Algo definitivamente estava acontecendo, e ele gostaria de saber o quê.

─ Que tal se alguém me contar qual é o problema?

Bella voltou-se e, pela primeira vez, Edward notou o quanto estava tensa. Parecia preocupada. Mas com o quê?

Jacob já ia se manifestar quando Bella lançou-lhe um olhar que teria fritado um homem mais fraco. O irmão franziu o cenho, mas ficou quieto.

─ Não está acontecendo como planejei.    Lamentou ela, voltan­do-se para Edward sem disfarçar a ternura.  ─ Quero que saiba disso. Tentei me livrar deles, mas se recusaram a ir embora.

Edward tentou ignorar os irmãos, o que não era fácil, pois pareciam ocupar toda a sala. Mas, se ela conseguia, ele também conseguiria.

─ Faça de conta que eles não estão aqui, Bella. Vamos conversar.

Ela respirou fundo e expirou, cansada, agitando os cachos na testa. Quantas vezes ele não recordara aquele movimento típico dela? Quantas noites não sonhara em estar bem ali... Naquela ca­sa... Com ela? Bem, chegara, mas até então a realidade não reproduzirá nenhum de seus sonhos.

─ Tem razão.    Concordou ela.  ─ Isto é entre mim e você, independente do que eles acham.    Com mais um olhar severo aos irmãos, pegou a mão de Edward e tomou o corredor, onde davam dois pequenos quartos.

Edward sentia a fúria dos irmãos queimando-lhe as costas, mas não se preocupou. Lembrava-se da última vez que passara por aquele corredor... com Bella nos braços, aninhada a seu peito. Podia quase sentir as batidas do coração dela contra o seu. No quarto, ele a pousara na cama e então se entregara a seus braços quentes, acolhedores.

Fora à última noite juntos. A noite mais intensa de sua vida, im­pressa em sua memória de tal forma que, mesmo naquele instante, atacado pelos irmãos dela, sentia a urgência do desejo se impondo. Mas tudo acontecera havia muito tempo, e estavam no presente.

Edward ouviu uma melodia suave e sentiu um aroma que não re­conhecia. Era suave, agradável e levemente familiar, embora não conseguisse identificá-lo. Ao perceber que os quatro homens os se­guiam, desejou ter uma arma ou sua equipe de apoio.

Deu-se conta então da mão de Bella, morna junto à sua, e esqueceu os brutamontes, concentrando-se na amada. Ante o gingar dos quadris femininos, sentiu outra pontada de excitação. O que quer que houvesse entre eles, continuava forte, concluiu, aliviado. Sua reação extrema com a simples presença dela, enquanto rodea­dos pela família hostil, era prova bastante.

Desperdiçavam tempo, pensou ele, louco para tomar Bella nos braços e matar toda a saudade. O beijo do reencontro só lhe atiçara o apetite, e Edward sabia que não se satisfaria enquanto não se unisse a ela, enquanto a confirmação da paixão de ambos não afastasse todas as incertezas. Bella era a única mulher capaz daquilo, pen­sou. Somente com Bella, conseguira encontrar o tipo de paz que a maioria das pessoas achava que caía do céu.

Edward não era do tipo que planejava o futuro. Aprendera, havia muito, a contar apenas com o agora. Com o hoje. Planejar para os dias seguintes que poderiam não acontecer parecia perda de tempo. Mas planejara aquela folga de trinta dias, sem dúvida: passaria o tempo todo com Bella. Queria mergulhar de cabeça naquela relação e acumular mais lembranças, pois, findo o período, partiria nova­mente e precisaria de material para recordar, para suportar a so­lidão até o próximo reencontro.

Ela olhou por sobre o ombro e sorriu. Edward sentiu um fogo crescer dentro do peito, e todos os pensamentos se esvaíram. Tudo o que queria, tudo que precisava era ela. Senti-la. Saboreá-la. Trêmulo de desejo, pensou numa maneira de se livrar daqueles irmãos dela.

Bella abriu uma porta e entrou num quarto de paredes amarelo-claro. Edward sentiu toda a excitação desaparecer, como num passe de mágica.

Primeiro, viu apenas o berço e sentiu um aperto no peito. Antes que imaginasse por que Bella tinha um berço em casa, o bebê fechou as mãozinhas nas barras do cercado e se levantou. Era uma linda criança de cabelos cor de bronze, olhos verdes e sorriso largo. A garotinha os olhou, balançou-se algumas vezes e se deixou cair de volta ao colchão, risonha.

Edward olhou para Bella, mas as palavras não vinham. Ela era a mãe do bebê? Bella se casara? Olhou para a mão esquerda dela, não viu aliança e se aliviou um pouco. Mas havia ainda muitas perguntas sem respostas para que relaxasse. Se Bella tinha um bebê, onde estava o pai? E por que mostrava a criança a ele? Raios, ela não podia tê-lo preparado melhor para aquilo?

─ Edward... Esta é Emily.    Apresentou ela, meiga.

─ Emily.    Repetiu ele, espantado por recuperar a voz. Sentia um nó na garganta e engoliu em seco. Havia mais. Ele sabia. Sen­tia e preparou-se.

Apesar de preparado, as palavras seguintes tiraram seu chão.

─ É sua filha.   Acrescentou Bella, o golpe final atingindo-o em cheio no peito. O ar sumiu dos pulmões, e ele não tinha certeza se conseguiria inflá-los novamente. Muito bem, não esperava por aqui­lo. Mas o fato com certeza explicava a atitude dos irmãos dela.

Se era mesmo o pai daquela criança, compreendia que os quatro tios quisessem matá-lo. Não podia culpá-los.

Sua filha! Céus... Não podia ser pai. Era fuzileiro naval. E gerara uma garotinha? O que sabia de garotas... Exceto, claro, quando em versão adulta? Não. Havia algum engano ali.

─ Minha filha?    Repetiu, feito bobo.

─ Pode apostar.    Confirmou Jacob, da porta. ─ O que vai fazer a respeito?

Muito bem, entender a raiva dos quatros era uma coisa, aceitar provocação era outra, bem diferente. Edward voltou-se.

─ Pode me dar mais que dez segundos para me acostumar com a idéia?

─ Qual é o problema?    Replicou Jacob. ─ Você tem uma filha. A menos que tente negar...

─ Jacob!    Censurou Bella, avançou para cima dele. Com os punhos cerrados, golpeou-o no tórax e o fez recuar dois passos.

─ Isto é um assunto de família.   Declarou outro irmão, man­tendo a voz cuidadosamente neutra.   ─ Temos o direito de saber quais são as pretensões desse...

Ela ia discutir, quando Edward se manifestou:

─ Ele tem razão. Seus irmãos têm o direito de saber o que pretendo fazer a respeito.

Jacob surpreendeu-se e pareceu ficar satisfeito. Até Edward continuar:

─ Mas primeiro quero conversar com Bella. A sós.

─ Isso mesmo.    Bella começou a enxotar os irmãos. ─ Rapa­zes, vão embora para que eu e Edward possamos conversar.

Um dos trigêmeos avisou:

─ Está bem. Nós vamos. Mas ele que se comporte.

Edward volveu os olhos ao teto, farto das bravatas. Então, voltan­do-se para o berço, esqueceu-se de tudo o mais. Mal acreditava na guinada que sua vida acabara de sofrer.

Tinha uma filha.

Nunca lhe ocorreu duvidar da palavra de Bella. Ela não era o tipo de mulher que mentiria sobre algo tão importante. Se ela afir­mava que ele era o pai, acreditava.

Mas como acontecera?

Tinham sido cuidadosos, lembrava-se bem. Usaram preservati­vos. Raios, gastara tantas camisinhas naquelas duas semanas que até pensara em adquirir ações do fabricante. Sendo assim, como haviam gerado um bebê? Esse tipo de acidente não ocorria com adultos responsáveis. Bebês surpresa aconteciam entre adolescentes, com hormônios demais e juízo de menos.

Voltou-se para Bella, buscando sinais de que ela estivesse, de algum modo, brincando. Talvez estivesse trabalhando como babá, sugeriu uma voz esperançosa, a despeito de o berçário parecer extraído de uma revista de decoração. Podia também ser uma piada. Uma piada forte. Mas não havia divertimento nos olhos de Bella. Só a mesma tensão que ele já notara antes.

Um ano e meio de espera e ansiedade para uma guinada de última hora!

O bebê balbuciou, e Edward aproximou-se do berço, sentindo as per­nas como chumbo. As paredes amarelas refletiam o sol da tarde, iluminando o quarto suavemente. Havia ursinhos e bonecas pelo chão e um móbile de cavalos-marinhos sobre o berço, que se agitava emitindo a melodia suave que ele ouvira pouco antes.

Sentiu medo. Um bebê. Na casa de Bella. Um bebê de cabelos bronzes e olhos verdes. Um bebê que se parecia muito com ele mesmo.

Diante do berço, firmou as mãos na grade e fitou a criança, confuso, só com uma pitada de pânico.

A garotinha ergueu as perninhas e bracinhos para ele, sorrindo. Edward emocionou-se, mais do que imaginava ser possível.

Uma criança.

Tinha uma filha.

Coitadinha.

Livre dos irmãos, Bella respirou relaxada pela primeira vez na­quela tarde. Teria sido difícil contar a Edward sobre o bebe sem quatro irmãos furiosos querendo acertar as contas com ele no muque.

Mas agora eram só ela e Edward. Não se sentia à vontade. Seria mais difícil do que imaginara. Edward parecia ter sido atingido na cabeça por um taco de beisebol. E não podia culpá-lo.

─ Desculpe-me pelo choque.   Pediu, sem saber como começar aquela conversa tão importante.

─ Choque?    Murmurou ele, meneando a cabeça.  ─ É uma boa palavra.

─ Eu teria lhe contado antes, mas não sabia como entrar em contato.   Explicou Bella, caminhando até o berço.

Diante da filha, sentiu o coração se derreter, o que sempre ocor­ria quando olhava para Emily. Era espantoso que um ser tão pe­quenino pudesse gerar tanto amor.

Desde o momento em que descobriu estar grávida, Bella amara aquela criança com uma intensidade de que nunca se imaginava capaz. Mas o pai era Edward, integrante de uma equipe de reconheci­mento dos fuzileiros navais, deslocado com freqüência, envolvido em ações perigosas.

Guardara todos os cartões-postais que ele lhe mandara no últi­mo ano e meio. Sem remetente. Não havia como entrar em contato. Chegara a procurar a base, aflita para localizá-lo, mas lhe disseram apenas que ele estava em campo.

─ Mas eu telefonei... Há seis meses. De Guam.   Lembrou ele, confuso.

─ Um telefonema de cinco minutos, Edward.    Descreveu ela, em defesa própria. ─ Cinco minutos, e a ligação estava péssima.

Mal reconhecera a voz dele, tão distante, tão fraca. Interferência e chiados dificultavam demais o entendimento. Quisera revelar, então. Contar-lhe sobre Emily. Mas como, estando ele tão longe, talvez prestes a realizar uma missão perigosa?

Não quisera abalá-lo. Desconcentrado, ele poderia se ferir, pôr em risco os companheiros...

Edward apertava tanto as mãos no cercado do berço que tinha os dedos brancos.

─ Quanto tempo levaria para dizer "temos uma filha"?    Bella sentiu raiva.

─ Mais do que cinco minutos.   Assegurou.   ─ Não podia sim­plesmente anunciar a existência de Emily, sem poder ver seu rosto, com o risco de a linha cair...

─Raios, Bella. Eu tinha o direito de saber.

─ Sim, tinha. Mas como eu podia localizá-lo para lhe contar?    Edward respirou fundo.

─ Está bem. Não teve como me contar antes. Então, conte ago­ra. Como isso aconteceu?

Ela reagiu incrédula.

─ Como? Edward, fizemos amor quase todos os dias durante duas semanas!

─ Sempre com preservativos.

─ Aparentemente, um deles não funcionou.

─ Não funcionou? Como? É a única tarefa deles!

Bella riu. Ela mesma não se fizera as mesmas perguntas após o primeiro de muitos resultados positivos de gravidez? Depois, con­formara-se, pois estava feito. Que adiantava processar o fabricante dos preservativos?

─ Isso importa agora?

Edward suspirou e fitou a criança que assistia à cena com seus grandes olhos verdes.

─ Acho que não. Mas raios, Bella, não era isto que eu esperava no nosso reencontro.

─ Eu sei.    Bella lhe tomou a mão.

Ele deu uma risada que denunciava seu estado abalado.

─ Pelo menos, agora sei por que seu irmão tentou arrancar a minha cabeça.

Edward não sabia nem metade da história. Ao saber da gravidez, seus irmãos juraram matar o responsável.

─ Não ligue para Jacob.   Aconselhou. ─ Meus irmãos sempre tentaram me proteger... Mesmo contra a minha vontade.

─ Não posso culpá-los.    Ponderou Edward.   ─ No lugar deles, teria ficado zangado também.

─ Por mais que eu os ame, não importa o que eles dizem. Emily é nossa filha. Nós decidimos o que fazer e para onde ir, daqui para a frente.

─ Tem razão.   Edward concordou, finalmente conscientizando-se da realidade. ─ Vamos já procurar um juiz de paz.

─ O quê?

─ Vamos nos casar.


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