The Last Kiss escrita por Emmy Tott


Capítulo 1
Capítulo 1




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Estava escuro. O tempo lá fora prenunciava uma noite tempestuosa e gelada. Deitada em sua cama, ela sentia que não era apenas a noite que estava gelada. Dentro dela, podia pressentir o que ainda estava por vir. Não tinha medo. Não chorava. Há muito que as suas lágrimas já haviam se extinguido por completo. Mas ela não se importava mais consigo mesma. Sabia que não tinha mais nada que pudesse ser feito por ela. Agora tudo o que restava era tentar consertar os seus erros do passado, que não eram poucos.

“Em 15 minutos, ele estará aqui.” Pensou, os olhos fixos no relógio pendurado na parede cor de pêssego enjoativo à sua frente. A solidão era insuportável. Tudo naquele quarto a entediava. Naquela noite, porém, tudo estaria acabado. E ela nem sequer poderia se despedir de seu quarto verdadeiro, das coisas que ela tanto amava em tempos mais felizes. Nem uma última olhadinha em seus CDs, nem nada. Mas não tinha pena de si mesma. Sabia que fora forte, que já tinha ido longe demais para uma garota de apenas 16 anos. Provara a todos que não era mais nenhuma menininha ingênua e medrosa.

Tinha perfeita consciência de seu estado. Em todo o seu corpo, havia tubos e mais tubos. Tubos que se infiltravam como intrusos dentro de si, que a violavam, que a machucavam, que invadiam suas veias e artérias sem a menor cerimônia. Sua pele estava seca e sem vida. Nos últimos dias, todos a tratavam como uma máquina. Ela se resumia a um ser a quem eles tentavam embutir vida artificial, sem se dar conta de que, talvez, essa não fosse a sua vontade. Como ela gostaria de ser tratada como um ser humano. Como uma pessoa com sentimentos. Uma pessoa que ainda abriga dentro de si um coração pulsante, apesar dele já não possuir a mesma vivacidade de antes. Era como estar presa dentro de uma jaula sem nenhuma esperança de liberdade. Queria gritar, mas já não tinha forças. Queria fugir, mas suas pernas jamais a obedeceriam.

Os últimos dias tinham sido muito dolorosos para ela. A vida lhe preparara uma vingança muito mais cruel do que a que ela imaginara. Até mesmo o direito à vaidade haviam tirado dela. O grande amor da sua vida estava a caminho e ela não podia nem passar um brilho em seus lábios para melhorar um pouquinho a aparência. Lentamente, ela deslizou a mão direita sobre a cabeça raspada. Desejou que tivesse ao menos um lenço para cobri-la. Devagar, ela foi erguendo a cabeça, a procura de algo que pudesse usar para tapa-la. Um pano, talvez. Mas logo ela se deu conta de que aquela não fora uma boa idéia. Sentiu seu estômago se comprimir dentro de seu corpo. A garganta ficou seca de repente e ela tossiu. Rapidamente, ela comprimiu seu lenço de cabeceira sobre seus lábios, tentando fazer a tosse parar. O médico a havido avisado que não fizesse qualquer tipo de esforço, mas ela não podia evitar. Depois de alguns segundos tossindo, ela sentiu a respiração se normalizar. Com um susto, percebeu que o lenço estava sujo, com uma enorme mancha vermelho-escura maculando o linho branco. Mais uma vez ela havia expelido sangue. Sabia o que aquilo queria dizer.

Distraída com o pequeno pano em suas mãos, ela só percebeu que tinham batido à porta quando ela já estava sendo aberta. Em um gesto abrupto, ela escondeu o lenço manchado em baixo de seu travesseiro, bem em tempo. Matt não viu o lenço, mas logo percebeu que algo não estava certo.

-O que você estava fazendo? – ele questionou, preocupado.

-Que jeito estranho de cumprimentar uma moribunda – ela sussurrou. Sua voz saía com extrema dificuldade.

-Não diga isso, você não é nenhuma moribunda! E não mude de assunto, eu vi quando você se movimentou, o médico disse que...

-Eu sei o que o médico disse, eu não preciso de alguém que me lembre da minha condição a toda hora – ela contrapôs, a voz saindo bem mais firme do que antes.

Ele se assustou um pouco com aquilo. Ela estava se esforçando demais para falar e isso não era nem um pouco bom. Por isso, tentou ser o mais breve possível.

-Tudo bem, me desculpe por isso. Eu sei o quanto está sofrendo com essa doença e tudo o mais.

-Você não sabe, Matt! Ninguém sabe tudo o que eu tenho passado!

-Mas é que eu me preocupo com você...

-Pois então devia se preocupar mais consigo mesmo, afinal, não tem nada que você possa fazer por mim. E eu não preciso da sua compaixão!

Ela foi dura com ele. Talvez fosse mais fácil fazer o que tinha que ser feito se o que Matt sentisse por ela fosse ódio ao invés de pena.

-Não é compaixão! Você sabe que eu te amo!

Ela logo percebeu que aquela tática não poderia dar certo. Matt era bom demais, puro demais para deixar que algumas poucas palavras interferissem em seus sentimentos. Talvez tenha sido exatamente esse o motivo dela ter se apaixonado pelo namorado de sua melhor amiga.

-Não, você não me ama, só está tentando ser gentil comigo porque sabe que estou à beira da morte.

-Não diz isso! Eu te amo com todas as minhas forças e seria capaz de fazer tudo para não te perder.

-Então nós precisamos conversar sobre esse amor.

-Não, eu não quero que você se esforce por minha causa! Você tem que descansar...

-Não, eu já descansei tudo o que tinha para ser descansado. O que eu preciso agora é consertar os meus erros do passado antes que seja tarde demais.

-Você não vai...

-Não, me escuta, Matt! Eu só te chamei aqui hoje para terminarmos o nosso namoro, que, aliás, nunca devia ter começado...

-Você não pode fazer isso, não pode – ele se aproximou de seu leito. Parecia desesperado. Os olhos brilhavam mais do que nunca e ela desejou que ele parasse de ser tão carinhoso, o que só tornava as coisas ainda mais difíceis.

-Você tem que voltar com a Alice! É com ela que você tem que ficar, e não comigo. Ela sim, vai poder te dar todo o amor que eu não pude por causa dessa doença maldita.

-Não! É você que eu amo, é com você que eu quero ficar! – Matt se curvou para ela, lhe afagando a face descascada. O brilho de seus olhos agora escorria pelo seu rosto bonito e saudável em pesadas lágrimas. Ela o afastou delicadamente com as mãos.

-Nós não podemos mais! Será que você não entende?

-Nós podemos sim! Você vai ficar boa, eu sei que vai! E nós ainda vamos ter a vida inteira pela frente para nos amar e construirmos uma família juntos.

-Não, Matt! Você pertence à Alice, sempre pertenceu, e eu não tinha o direito de me intrometer entre vocês dois...

-Você não sabe o que diz...

-Escuta, Matt, eu fiz coisas erradas para ficar com você... coisas muito erradas...

-Isso não importa mais! O passado ficou para trás, para que remexer nisso de novo?

-Eu preciso... será que você não entende? Preciso reparar meus erros antes de partir...

-Você não vai partir! Eles vão te operar e você vai se curar! Amanhã tudo isso vai estar acabado e você vai poder voltar pra casa.

-Porque você ficaria com uma pessoa como eu? Olha só pra mim! Olha só como eu estou!

-Eu não me importo com a sua aparência! Eu te admiro pelo o que você é, uma pessoa forte, corajosa, que não se deixar abater por nada. É por isso que eu te amo tanto!

-Você não pode mais me amar. Eu não quero que você estrague a sua vida por minha causa, eu não valho a pena.

-Não diga...

-Não, Matt! Olha, nós não temos mais muito tempo, e tem umas coisas que eu preciso te dizer antes de entrar na sala de cirurgia. Você promete que vai me escutar? Promete que não vai me interromper?

-Eu...

-Por favor, Matt! Isso é muito importante para mim!

-Está bem... eu estou ouvindo...

-Eu e Alice nos conhecemos desde quando éramos crianças. Sempre estivemos juntas, fazíamos tudo junto. Com o tempo a nossa amizade foi se fortalecendo cada dia mais. Criamos laços muito fortes. Mas a vida é uma caixinha de surpresas e nós nunca sabemos o que virá mais à frente. Nós crescemos e mudamos, como todo mundo. Alice logo conheceu você e começaram a namorar. Eu tive inveja disso. Tive inveja dela por estar com um cara legal enquanto que eu não conseguia arrumar ninguém. Tive inveja por ela ter se transformado em uma pessoa melhor do que eu. Eu sabia que aquele era um sentimento torpe, que só iria nos machucar, mas eu simplesmente não podia evitar. Você aparecia em todos os meus sonhos, como um anjo lindo que veio na Terra para me salvar. Você era tudo o que eu queria, era tudo o que eu sempre quis: era bom, gentil, carinhoso, humilde, generoso, e eu faria de tudo para ter você ao meu lado. Comecei a envenena-la contra você. Disse que você a traía com outras garotas, que ela iria se arrepender muito por estar com você. Mas é claro que ela nunca me deu ouvidos. Estava apaixonada e nunca acreditaria em nada do que eu disesse. Foi aí que eu me aproximei de você, me insinuando. Eu sabia que Alice estava prestes a chegar, e te agarrei. Você era bom demais para entender o que eu estava fazendo, ou para me afastar. Ela chegou e viu tudo. Vocês logo terminaram e o caminho estava livre para mim. Mas eu sabia que não seria tão fácil conquista-lo, afinal, você ainda gostava dela e estava disposto a lutar pelo seu amor. Eu tinha que agir rápido.

“Foi então que veio a oportunidade de que eu precisava. Meus pais iriam viajar para a Europa a negócios e eu ficaria sozinha em casa. Liguei pra você. Disse que estava mal, que estava sofrendo, arrependida por tê-lo separado de Alice, que estava disposta a contar a ela toda a verdade. Você acreditou, é claro, e foi correndo me ver. Eu coloquei uma boa dose do calmante da minha mãe no suco de laranja e te ofereci. Você bebeu tudo e logo apagou no sofá. Eu estava desesperada e não pensei em recuar nem uma vez sequer, mesmo sabendo que aquilo iria magoar muito a minha melhor amiga. Te carreguei para o meu quarto e o coloquei deitado sobre a minha cama. Despi suas roupas e as minhas e adormeci ao seu lado. No dia seguinte você me acordou, assustado, e entrou em pânico quando eu disse que tínhamos passado a noite juntos. Você não sabia o que fazer, estava em estado de choque, e eu disse que não queria que ficasse comigo a força, que entendia que era a outra que você amava e que eu entenderia se você decidisse ficar com ela. Você não disse nada e foi embora, atordoado. Eu nem acreditei que tinha conseguido. Depois disso foi fácil. Eu disse que estava grávida e você se prontificou a assumir a sua responsabilidade e a ficar do meu lado. Mas eu sabia que qualquer exame que fizesse iria dizer que eu estava mentindo. Então eu caí da escada de propósito e fingi que tinha perdido o bebê. Eu fingi que estava muito abalada com aquilo e você continuou do meu lado. Achava que tinha uma parte de culpa por eu estar sofrendo daquela forma e me amparou. Eu nem me importava por ter brigado com a Alice, eu só conseguia pensar em você e no meu desejo doentio. Eu destruí a nossa amizade, acabei com anos de cumplicidade e agora a vida está me castigando por ter sido tão ingrata.”

Agora Matt chorava como uma criança em busca de colo. Ela finalmente falara tudo. Despejara tudo aquilo que a atormentava há tanto tempo. Se sentia mais leve agora. Enfim, estava pronta para a derradeira “hora da verdade”. Ou quase...

-Matt, agora que você já sabe de tudo, eu quero que você prometa que vai voltar com a Alice. É ela que você ama, sempre foi. Eu fiz tudo errado, meti os pés pelas mãos e fiz todo mundo sofrer.

-Eu... não posso voltar para a Alice...

-Quê? Mas era tudo mentira, você não escutou tudo o que eu disse?

-Escutei sim...

-Mas então...

-Você não vê que já não importa mais? Não importa o que você fez no passado, importa o que nós sentimos no presente... Eu te amo!

-Você não pode estar falando sério...

-Estou, sim! Eu acabei me apaixonando de verdade por você, não pelas coisas que você fez pra ficar comigo, eu sempre soube que tinha algo de errado nisso tudo, mas pela garota que eu via quando estávamos juntos. Eu podia ver em seus olhos que falava a verdade quando dizia que me amava. Era você o tempo todo, e não ela. Você mexia comigo de um jeito que nenhuma outra garota jamais mexeu. Alice era doce, era meiga, mas com você era totalmente diferente.

-Matt... eu sempre te amei... mas temos que esquecer isso... Alice vai cuidar de você quando eu já não estiver mais aqui...

-Para de dizer isso, você é forte, vai ficar boa! A cirurgia vai dar certo, o médico disse que...

-Matt... mesmo que ela dê certo... mesmo assim, eu não tenho o direito de atrapalhar a vida de vocês... talvez agora isso soe estranho, mas você tem que voltar pra ela...

-Não, isso está errado!

-Você tem que ir embora... eles já devem estar chegando...

-Eu não vou! Vou ficar do seu lado!

-Você não pode... você tem que sair daqui antes que eles cheguem, as visitas estão proibidas.

-Eu não me importo com isso, vou ficar com você até o fim!

-Não, Matt, eu não quero que você fique... eu preciso passar por isso tudo sozinha. Vai embora daqui, vai viver a sua vida...

-Tem certeza que é isso mesmo que você quer?

-Tenho... mas antes, eu queria te pedir uma última coisa...

-Que coisa?

-Um beijo... um último beijo de despedida... eu preciso... sentir os seus lábios sobre os meus... antes... antes de entrar naquela sala...

Agora ela falava com extrema dificuldade, a voz um pouco acima de um suspiro. Matt achou que ela não deveria ter se esforçado tanto, mas não podia ir embora sem antes atender o seu pedido. Curvando-se sobre a cama da garota, ele selou seus lábios em um único beijo quente e apaixonado. Ela sentiu o gosto salgado das lágrimas do amado em sua boca seca, e sentiu seu corpo reanimar momentaneamente. Agora sim, ela podia morrer em paz. Quando ele se afastou, a porta do quarto foi aberta violentamente, e eles viram entrarem no recinto uma equipe médica com máscaras nos rostos e luvas de plástico. A enfermeira injetou uma substância na garota, enquanto o médico censurava o comportamento de Matt:

-O que pensa que está fazendo aqui? Ela deveria estar descansando para a cirurgia, além do mais, você pode contamina-la, ela está muito vulnerável. Isso é uma irresponsabilidade sem tamanho!

-Eu tinha que ver ela uma última vez! Será que você não entende? Essa garota é tudo pra mim...

Agora Matt parecia um louco, os olhos arregalados, ele gritava desesperado, como se os seus gritos fossem capazes de salva-la de alguma forma.

-Você tem que sair daqui imediatamente! Nós já vamos leva-la para a sala de cirurgia.

A equipe já tinha transferido a garota para uma cama móvel, com rodinhas, e a levava para fora do quarto. Matt foi atrás, lutando contra a interferência e os avisos do médico. Com dificuldade, ele achou um espaço entre aquelas pessoas e conseguiu segurar a mão da amada, e ainda pode discernir suas últimas palavras:

-Matt... vai... Alice...

Ele não sabia se era por causa do remédio ou por causa da doença, mas ela parecia delirar, os olhos totalmente desfocados e o corpo rígido. Um movimento brusco fez com que suas mãos se separassem das dela. Desesperado, ele gritava, chamando a atenção do hospital inteiro:

-Ela não pode morrer! Vocês têm que salva-la! Têm que salva-la! Ela é tudo pra mim! Ela é tudo o que eu tenho na minha vida!

Eles entraram com a cama em uma sala exageradamente branca e toda aparelhada. O médico fechou a porta às suas costas, deixando Matt para trás, antes de dizer:

-Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance! Tente se acalmar!

Depois disso, a porta se fechou, separando definitivamente Matt da garota. Ainda chorando copiosamente, ele levou as mãos sobre a cabeça. Nunca havia passado por uma situação de total desespero como aquela. Dentro de uma hora, ele saberia, enfim, o que o destino havia preparado para os dois...


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