A Little Bit Longer escrita por Clara B Gomez Sousa


Capítulo 3
Eu Quero Enfiar a Cabeça Num Buraco




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Minha mãe me acalmou depois de eu ter começado a chorar na lanchonete, e ficamos assim por mais algum tempo. Talvez segundos, então ela pagou a conta, e fomos embora. Quando cheguei no hotel, continuei a ler o tal site que tinha aberto, sem esquecer aquelas palavras: "A little bit longer and you'll be fine". Me fizeram me sentir um pouco melhor, minha mãe é o máximo. Sempre consegue me acalmar. Enquanto eu lia o que estava escrito no site, eu pensava:

Será mesmo "mais um pouco"? Se depender, até o meio do ano e eu já estou morto!

Ok, pare, pare, Justin! Não exagere!

Entrei em pânico ao ler a seguinte frase:

"A vida de soropositivos é complicada, além dos vários preconceitos neles firmados, orisco de vida é grande, algumas pessoas só sobrevivem em poucos meses contaminados."

Fechei o computador, aterrorizado. Preconceito? Risco de vida? Poucos meses? Só podiam estar mentindo! Ou era algum programa de pegadinhas!

– Sério, galera, não faz isso comigo, não me matem de desespero... – Gaguejei, baixando a cabeça. Mas eu sabia que não era brincadeira. E eu não sabia o motivo de eu ter começado a dar tapas na minha própria cara. Eu acho que foi querendo ansiosamente acordar. Só sei que a minha mãe teve que me segurar pelos braços e eu fiquei com a bochecha toda vermelha. E eu estava atrasado para ir para o soundcheck do show que eu ia fazer naquele dia... Ah, pô, maneiro, eu acabei de descobrir que tinha Aids e tinha que fazer show!

Mas de qualquer maneira, com Aids ou não, estando em depressão ou não, com a cara vermelha ou não, eu amava fazer shows. Me sentia feliz e o pagamento não era lá tão mal e era a única coisa que eu fazia na vida além de estudar e arrumar a minha cama. Kenny nem estava no hotel, que beeelo segurança pessoal. Brincadeira, ele já estava no estádio, eu que dispensei o cara de manhã. Então, eu me liguei no horário e disse que estava atrasado para a minha mãe. Ela me mandou tomar banho. Tomei um o mais rápido possível, lá eu tomava uma "ducha geral", que se danasse. Depois, perguntei para ela se podia ir sozinho. Ela permitiu e eu saí correndo com as chaves na mão.

Uma coisa que eu fazia muito, mas eu odiava fazer, era chegar atrasado em alguma coisa. Show é pior ainda. Cheguei o mais rápido que podia, e fui reto, sem falar com ninguém, até o meu camarim, onde meu padrasto Scooter (é, ele está namorando a minha mãe. Ele se divordicou da Carin para ficar com ela. Particularmente eu tenho muita culpa nisso, eu que cupidei Scooter e minha mãe, eu que quebrei a perna num tombo de uma árvore na qual eu escalei para ver se o encontro deles no segundo andar de um restaurante estava dando certo, e tal. Ok, vou calar a boca) já me esperava há um tempo. Ele já sabia da Aids. Quando abri a porta, ele só se levantou e me abraçou bem forte. Ele sempre pareceu um segundo pai. Só que eu sempre ficava retraído em dizer: "Você é meu pai de consideração". Mas de resto? Eu ria com ele, chorava com ele, desabafava, discutia...

– O quê eu vou fazer? – Disse, com os olhos molhados. Era uma pergunta que não calava em mim, e eu só consegui pôr pra fora com ele.

– Eu não sei... – Ele respondeu. A primeira vez que ouvi aquilo dele, naquele tom. – Não sei. Talvez se cuidar.

Fiquei quieto. Já tinha ouvido aquilo antes.

– Scooter, uma pergunta: Eu posso tirar algo bom disso? Na real? – Perguntei.

– Dá. – Ele disse, um tempo depois. – Você pode tirar algo de bom.

– Tipo... O quê? – Perguntei.

– Você vai descobrir quem te ama, de verdade, os verdadeiros amigos, as verdadeiras fãs.

– Todas as minhas fãs são verdadeiras. – Retruquei.

– Sinto- lhe dizer, mas quer apostar que você vai perder fãs por causa do preconceito? – Ele disse.

– Não vou perder! Até por quê ninguém vai saber disso! – Eu rebati.

– Quer tentar esconder? – Scooter perguntou.

– Quero, e vou.

– Justin, isso é impossível! Se eles descobrem aonde você vai por meses, meses, como não vão descobrir isso? – Scooter retrucou.

– Eu sei lá, mas eu não vou deixar que descubram isso! – Quase gritei.

– O quê aconteceu com "A verdade sempre é descoberta"? – Ele respondeu, lembrando do que eu dizia a ele quando ele tentava fazer algo escondido.

– Isso não importa agora! Eu não quero que descubram que eu tenho... Tenho... – Não conseguia falar a a palavra AIDS. – Isso!

– Justin, qual é o problema de se ter Aids? – Ele rebateu.

– Qual é o problema? Qual é o problema? Se você descobrisse que tinha, ia ficar que nem eu! Você não está com o que eu estou, você não está sentindo o que eu estou sentindo! – Gritei.

Começamos a discutir, e, uns minutos depois, eu percebi que discutir com o meu empresário não ia mudar em nada a minha situação. Eu ia continuar soropositivo, eu ia continuar correndo risco de morte. Então, só abri a porta e fui embora, emburrado. Realmente aquele NÃO era um dos meus dias bons... Realmente não, definitivamente. Enquanto eu passava pelos corredores, fui pegando as coisas que entregavam pra mim: Meu fonezinho bonitinho amarelo, aquele treco que é uma caixinha, e você pôe no bolso, que até hoje eu não sei pra que serve.

– Justin, Justin! Por quê chegou atrasado? – Era o Dan me cutucando.

– A parada dos exames pra liberar meu visto. – Respondi, sem parar de andar.

– Calma, garoto, que pressa é essa?!

– Estou atrasado, lembra?!

– Tem razão, eu também... – Ele me ultrapassou e olhou para a minha cara. – Uau, que cara é essa?

– Briguei com o Scooter. – Respondi friamente.

– Caramba, você briga com ele mais do que come doce! – Dan disse. Era verdade. Mas de qualquer maneira, não deixei de me irritar. Qualé, como a esposa gata dele se apaixonou por ele? Ele toca bem (muito), mas é engraçado, mas, quando quer, ele é um mala!

E é verdade. Mas voltando á história:

– Dan, o que é entre eu e Scooter é entre eu e Scooter, falou? – Resumindo: Não te interessa o quanto eu brigo com ele!

– Tá, extressado... – Por dentro sim. – Pronto pro soundcheck?

– Tenho que estar, né? – Gaguejei.

– Sabe que elas vão te pedir o Dougie, né? – Perguntei.

– Sei. – Falei. E isso é um pesadelo. A cada tentativa minha de "Dougar", eu caía no chão, há umas três semanas isso vinha acontecendo. Eu estava travado. E odiava isso. Chegamos perto da entrada para o palco. Era orar e pedir que elas, ao me verem, não começarem a berrar "Dougie, Dougie, Dougiiieeee!!".

– Eu... Estou... Lascado. – Murmurei, antes de entrar no palco.



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Notas finais do capítulo

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