• POV : Sou.

    E lá estava eu, correndo contra o tempo para me arrumar. A droga do despertador não tocou e se eu não fosse rápido o suficiente, estaria super atrasado.  Depois de um período de férias, iria retornar para a escola e rever meus amigos. Confesso que eu não agüentava mais de tanta ansiedade, ficar tanto tempo em casa estava me deixando maluco.

Com minha roupa um pouco amassada, arrumei minha bolsa e saí o mais rápido que podia. Com sorte, consegui pegar o metrô na hora certa e me sentei em um lugar qualquer. Enquanto ouvia algumas músicas em mp3, fiquei pensando se nesse ano teríamos alguma novidade ou mudanças. Estou desejando muito que mudanças aconteçam. Eu preciso que algo mude.

   O ano anterior não tinha sido bom...  Estava tão desatento que minhas notas caíram bastante, além do que meu último relacionamento também não foi de bom proveito. Perdi a amizade de algumas pessoas próximas a mim, e não pude fazer nada para evitar isso. Esse ano eu queria fazer tudo diferente, e preservar a amizade dos meus melhores amigos: Ryuto e Ban. Sentia falta de quando  fazíamos brincadeiras bestas durante as aulas mais chatas na escola, e fico até rindo ao lembrar de cada uma delas.

   Fui entrando depressa assim que cheguei, passando por cada pessoa pelo pátio até chegar ao mural onde se encontravam os nomes e as seguintes salas de cada um.  Vários alunos estavam juntos, fazendo um certo tumulto para ver em quais salas ficaram, e como eu sou ... err... “desprovido’’ de altura, não consegui ver nada. Saí de perto deles, e decidi esperar que ficasse mais calmo por lá.

   Lembrei-me de meus amigos, eu ainda não os tinha visto por ali e nem perto do mural. Fui andando pelo lugar, olhando em volta e para cada um que estivesse perto, até que senti algo esbarrar em mim. Alguém estava bastante distraído assim como eu, e esse alguém não olhou para frente enquanto andava, mas foi rápido o suficiente para segurar meu braço antes que eu caísse.

   – Olha por onde an... – interrompi o que ia dizer ao ver o rosto da tal pessoa. Era mais alto do que eu e parecia ser um pouco mais velho também, com cabelos lisos e descoloridos em um tom loiro não muito mais claro que o meu. Os lábios eram definidos, e pude ver em seu rosto que estava confuso com todos ao redor.

    – Ah, me desculpe... De verdade. – e dizendo isso, retirou-se arrumando a bolsa em suas costas. Pareceu-me tão apressado quanto eu hoje mais cedo, e fiquei olhando-o andar até onde todos os alunos estavam.

    Enquanto caminhava, vi muitas meninas cochicharem entre si, obviamente sobre ele, e com olhares que demonstravam interesse. O loiro desconhecido foi até o mural, seu olhar passando por cada folha exposta ali. Mas é claro, ele era um aluno novo e devia estar perdido no meio de tanta gente.

   Fiquei parado observando, até que algo pesou sobre mim. Os braços conhecidos me envolveram com força por trás, e tive que me equilibrar para não cair.

    – Soooou-saaan~~ – ah, essa voz... Era a voz do Ban. Ele tem que parar de me “cumprimentar” desse modo. Sempre levo sustos e ele nunca entende.

    – Ban, quanto tempo! – sorri ao ver meu amigo, que finalmente parou de me apertar. Ban continuava o mesmo de sempre, porém os cabelos loiros estavam maiores do que da última vez que o vi.

    – Já olhei seu nome na lista, você está na mesma sala que eu. Isso não é legal? – falou animado, o sorriso quase que de orelha a orelha.

    – Oh, sério? Que ótimo, não ficaremos separados como no ano passado. – respondi sorrindo, mas lembrando-me em seguida do garoto que esbarrou em mim minutos atrás. A imagem dele não saía da minha mente... E eu sequer sabia seu nome.

    – Finalmente encontrei vocês!

    – Ryuto! – abracei meu amigo, que havia aparecido ao meu lado. Ban o cumprimentou em seguida, e me senti bastante feliz em vê-los novamente.

    –  Ryuu-san, você está na mesma sala que nós. – disse Ban, que não conseguia esconder o quanto estava contente.

   Voltei meu olhar em direção a todas as pessoas e ao mural do colégio. Não o vi mais ali, provavelmente foi para sua sala. Também não sei qual série ele faz, e essa curiosidade só estava aumentando.

    – O que você acha Sou ?

    – Ah, sim concordo. – respondi a pergunta de Ryuto, sem nem ao menos saber o que ele disse. Estranhamente, meu maior interesse era o aluno, que supostamente devia ser novato. –  Vamos para nossa sala então ? O dia será longo.

~

   Escolhemos nossos lugares, que eram mais atrás na sala de aula. Fiquei vendo todos se sentarem, e enquanto isso ouvia Ban e Ryuto conversarem sobre as férias de cada um. Ban sentou-se ao meu lado, e Ryuto atrás de Ban. Ryuto nunca gostava de se sentar mais a frente, e por essa razão sempre nos sentávamos atrás.

    – Sentem-se, por favor.  – nosso professor Yamada chamou nossa atenção, esperando que fizéssemos silêncio. – Esse ano nós teremos um aluno novo... – congelei com essas palavras. Vi o garoto de hoje mais cedo entrar, enquanto meu professor terminava de apresentá-lo para a sala. – Então Ryosuke, tem um lugar vago atrás do Sou, sente-se, por favor.

   “Então, seu nome é Ryosuke...” falei mentalmente enquanto via Ryosuke andar até a cadeira desocupada atrás de mim. Permaneci imóvel em meu lugar, raciocinando cada detalhe.

    – Então, vamos começar a aula. Peguem seus cadernos. – pediu o professor Yamada. Todos os alunos abriram suas mochilas para retirar o caderno, exceto eu, que fui o único a permanecer paralisado sem reação alguma. Estava me sentindo desorientado, e um tanto quanto estúpido. Por que diabos Ryosuke havia chamado tanto a minha atenção ?

    As aulas correram normalmente como antes, mas ainda me sentia estranho por dentro. Ryosuke não deu uma palavra sequer, e as garotas da sala não sabiam disfarçar o interesse delas nele, o que estava me incomodando.

    O alarme para o intervalo tocou. Nunca pensei que iria ficar aliviado em ouvir esse barulho tão irritante.

    – Que bom que tocou, estava morrendo de tédio aqui. Vamos logo comprar algo pra comer. – falou Ban, que se levantou e foi em direção à saída bocejando. Acompanhei Ban e Ryuto, mas olhei para trás procurando por Ryosuke, e o vi permanecer em seu lugar arrumando suas coisas.

    Algumas meninas foram em sua direção e começaram a puxar assunto, todas rindo bobamente para ele, que olhava parecendo surpreso, porém com um sorriso simpático em sua boca. Irritado, saí da sala sem olhar para trás. Aquelas garotas pareciam mais urubus do que qualquer outra coisa.

   Durante o intervalo, ficamos sentados no mesmo local de sempre, perto de umas escadas que faziam uma ligação do andar cima com o pátio. Simultaneamente, nós três paramos de comer para observar o aluno novato, que foi sentar-se sozinho em um banco. Não demorou muito para que certos "urubus" aparecessem: as garotas da minha sala de aula.

    – Aquele novo aluno deve ser metido. Olha só quantas meninas ali, e ele nem liga. – observou Ryuto enquanto segurava seu lanche.

    – Você acha que ele não liga? – perguntei sem sequer saber o motivo de estar tão curioso.

    – Ele não deve ser metido... E não parece ligar mesmo, aparentemente só está sendo educado. Deve ter namorada. – concluiu Ban, voltando a comer sem olhar mais para Ryosuke.

   – Ahh... Sei. – falei meio desanimado. O que Ryuto disse faz sentido, mas se ele tivesse mesmo namorada, já teria dito para aquelas meninas e elas já teriam saído de lá.

   – E por que esse interesse, Sou? – interrogou Ryuto, que agora me fuzilava com os olhos.

   – Ah, eu? Nada ué. O tal novato deve estar com problemas e... Ele ainda não fez nenhum amigo. Nós sentamos perto dele, poderíamos nos aproximar, não? – falei rapidamente, fingindo displicência. Apesar da possibilidade do loiro estar com dificuldades, minha vontade de falar com ele era quase nula. Ryosuke me incomodava por alguma razão que eu não conseguia definir.

– É, pode ser. Falaremos com ele hoje, certo? – acenei positivamente para Ban, que se levantou depois que o alarme tocou. Era hora de voltar para a sala.

~

    – E aí cara, beleeeza ? – a “hospitalidade” do Ban me assusta. Chegou rapidamente perto do Ryosuke, que estava sentado em seu lugar na sala, e lhe deu um tapinha nas costas. – Prazer, eu me chamo Ban! E você, é Ryosuke, certo?

    – Sim. – Ryosuke deu um sorriso sem graça, parecendo tímido. – Prazer em conhecê-lo também.

    – Esses aqui são meus amigos, Ryuto e Sou. – falou Ban, que apontou para nós de maneira meio "yankee". Sorrindo, Ryosuke passou seu olhar por Ryuto, até chegar em mim. Parou de sorrir quando me viu, e olhou parecendo interrogativo.

    – Ah, você não foi o menino que esbarrei sem querer hoje mais cedo? – Ah que legal, ele se lembra de mim. “O menino que esbarrei” definitivamente não me atrai.

   – Sim. – respondi curto e grosso. – Seria bom que tivesse um pouco mais de atenção.

   – Tem razão, me desculpe. – disse Ryosuke, que agora sorria ainda mais sem graça que antes. – Não vai acontecer de novo.

   – Espera, então já se conheciam? Por que não nos contou Sou?

   – Ah, não Ryuto... Nós nos esbarramos antes que eu encontrasse vocês, só isso. – expliquei calmamente, mas Ryuto não amenizou a expressão.

   – Sem problemas Ryosuke. Pode esbarrar no Sou mais vezes se quiser. – brincou Ban, que me deixou envergonhado com o comentário, mas arrancou um sorriso bobo de Ryosuke. – Porque nós seremos amigos agora, certo? – Ryuto  tentou sorrir, porém era visível a irritação em seu rosto. 

    Logo após, o professor entrou novamente em nossa sala, e voltamos para nossos lugares para o ínicio da aula. O tempo pareceu passar voando com a presença do Ryosuke, e quando dei por mim, as aulas tinham terminado. Ryuto parecia estar mais socializado com ele, e Ban ainda mais... Combinaram até de irem para a casa do outro.

   É estranha a capacidade que o Ban tem de ficar amigo das pessoas tão rápido. O máximo que falei com Ryosuke até agora foi sobre nosso encontro e a maneira estranha como nos conhecemos. Do jeito que estou agindo, ele provavelmente deve pensar que eu estou sempre de mau humor ou algo do tipo.

    – Mas então Ryosuke, por que veio estudar aqui? – perguntou Ryuto enquanto andávamos em direção ao metrô, já a caminho de ir embora. Ban e Ryuto conversavam empolgadamente com Ryosuke pelo percurso, enquanto eu tentava parecer distraído com o movimento na rua. Na verdade, eu estava atento a cada fala dos outros três, embora demonstrasse o contrário.

   – Bom... Eu moro com meu pai. Ele vive mudando de cidade por causa do emprego, essas coisas. Aí ele teve que se mudar para cá, e acabou me matriculando nesse colégio mesmo. – respondeu Ryosuke, parecendo um pouco desanimado.

   – Impressão minha ou você não gostou de ter vindo? – questionei por impulso, e durante segundos me arrependi de ter falado.

   – Eu até gostei daqui, mas já mudei tanto de cidade por causa dele, que já não me importo mais. – respondeu-me com um leve sorriso. – Eu perdi contato com muitas pessoas importantes por causa dessas mudanças, foi muito ruim no início, mas agora estou bem. Acabei aprendendo a não me “apegar” ao que está em minha volta.

   Senti tristeza no comentário de Ryosuke. Ele parece não estar satisfeito com o que acontece com ele, mas aparentemente não há nada que possa fazer. O sentimento incômodo que eu tinha em relação ao mesmo amenizou, e eu tive vontade até de abraçá-lo. Ficamos em silêncio por um breve momento, cada um absorto em seus próprios pensamentos.

    – Ei, ficaram calados por que? Parece até um funeral.  – brincou Ryosuke na tentativa de quebrar o clima estranho que havia se formado. 

   – Ah Ryosuke, seria legal se você saísse com a gente nesse final de semana, é sempre legal sair em grupo, e aí aproveitamos para te mostrar a cidade. Você topa? – sugeriu Ban animado, como se quisesse mudar de assunto.

   – Sim, por mim tudo bem. Durante a semana combinamos o horário.

    E então nos separamos, pois cada um pegaria um rumo diferente. Durante a volta para casa, fiquei pensando no que Ryosuke tinha nos dito minutos atrás. Talvez eu tenha sido um pouco babaca em ter formado uma má impressão dele sem nem ao menos ter conversado.  Eu e meu péssimo hábito de tirar conclusões tão rapidamente... Tsc. Tenho que parar com isso.

   Espero ter uma chance para conversar melhor com Ryosuke, e sei que terei. Estudamos no mesmo colégio, na mesma sala, e sentamos perto um do outro. Oportunidades não faltarão, de fato.