Olhos Negros escrita por MLCarneiro


Capítulo 1
Olhos Negros


Notas iniciais do capítulo

**Fic agora betada pela Last Rose of Summer :D



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Cada gota de chuva batendo contra a janela do gabinete me faz tremer.

Minhas mãos não param de suar e minha letra está ficando ilegível enquanto eu tento redigir minha carta de despedida. O que mais me aflige não é o medo, não é isso que está tornando o ar à minha volta pesado como um tanque. Não é a certeza de que não haverá mais vida para mim. Ou melhor, que eu destruí a minha. Nem mesmo o fato de que esse ideal, que defendi por tantos anos, se tornou pó. Não é nada disso.

São aqueles olhos.

A lembrança daqueles olhos me perfura como uma rajada de tiros. Aqueles olhos que me trouxeram para a realidade, que me mostraram a monstruosidade do que eu estava fazendo. Medo. Decepção. Raiva. Angústia. Ódio. Tudo o que eu vi naqueles olhos me atacou e acabou com toda minha fé. Prefiro ser atingido por uma bomba a sentir aquele olhar novamente.

Ninguém, nem mesmo no mais efusivo dos discursos a favor dos direitos dos trouxas e traidores do sangue, conseguiu me convencer de que eu estava errado, de que a diretriz do Führer era cruel, errada. Era como deveria ser, eu pensava. Limpar o mundo daqueles sem o nosso dom e criar um novo estado de excelência. Um estado de perfeição.

A minha Andrômeda que era perfeita, droga!

Mas era uma traidora do sangue.

Aqueles olhos negros, fixos em mim, agora não saem de minha memória. Encharcados pelo medo, imploravam por clemência. Pediam socorro àquele rosto amigo, o primeiro num mar de crueldade. Exigiam que eu tomasse alguma atitude, que acabasse com aquela loucura. Mas eu não fiz nada. Quando o soldado pediu minha autorização, dei.

Não tive coragem.

Poderia ter parado tudo aquilo, cancelado a operação, dado alguma desculpa, mas não o fiz. Podia ter mandado todos de volta a seus postos e culpado a chuva que não parava de cair. Certamente seria punido, e muito provavelmente perderia o comando do Campo. Mas fui covarde. Mantive meu posto e perdi meu amor. Não haverá barganha pior em minha vida, ou tempo que consiga arrancar essa culpa de meu peito.

Um trovão me traz de volta à realidade de meu gabinete. Assim como em todo o último mês, a chuva está caindo torrencialmente sobre Auschwitz. Melhor assim. Desse modo ninguém vai ouvir nada. Termino a carta que estava escrevendo a meus pais e amigos, explicando o que aconteceu, e vou até minha coruja, enviá-la. Caso deixe o envelope em minha mesa e alguém o abra, minha família será caçada, toda minha reputação irá para o lixo e o meu corpo será jogado nas valas, junto dos trouxas, e queimado ao pôr do sol. Nem no fim de tudo eu tenho coragem de enfrentar o Führer.

Abro a janela e o vento empurra a chuva, molhando meu rosto e meu uniforme negro. Prendo a carta na perna de Giulla, minha coruja. Olhando e piando para mim uma última vez, ela levanta vôo em direção ao oeste.

Lembro-me de quando Andrômeda conheceu Giulla. Esta era apenas um filhote e nós não tínhamos mais que nove anos. Vivíamos num subúrbio de Berlin e éramos amigos desde que ela se mudou para lá, aos seis anos. Meus pais eram muito amigos de sua família, mas não gostavam que eu brincasse com ela, já que estava sempre rodeada de trouxas. A amiga dos sangue-ruins, era como a chamavam. Lucius Malfoy, o filho do poderoso Abraxas Malfoy, não poderia se misturar com sangue-ruins como ela fazia. Mas, mesmo assim, eu fugia para encontrá-la sempre que podia. Quando ganhei minha coruja no natal, fui direto à casa dela mostrar a novidade. Andrômeda se apaixonou por Giulla. Sempre trocávamos cartas por ela, mesmo morando um ao lado do outro, e muitas vezes Giulla passava alguns dias com minha amiga. Posso parecer um tolo ou um fraco, mas não consigo impedir as lágrimas que escorrem por meu rosto, misturando-se à chuva que açoita meu rosto. Não sei se são de saudade, culpa ou vergonha, mas não consigo evitá-las.

Não lembro bem ao certo quando me apaixonei por Andrômeda. Talvez tenha sido quando nos conhecemos, ou talvez quando eu quase me afoguei no rio e ela me salvou. Talvez eu sempre a tenha amado, mesmo antes de conhecê-la. Mas o mais provável é que tenha sido quando vi aqueles olhos negros. Os olhos que mostravam toda a beleza e a pureza de sua alma, que refletiam tudo de bom que havia nela, tudo que a diferenciava da outra parte da família. Os olhos que me repreendiam quando eu fazia alguma besteira e que me hipnotizavam quando eu me fixava neles. Os olhos, negros como a noite, da garota que eu amava.

Os mesmos olhos negros que me assassinaram.

Sim, pois eu já estou morto. Morri assim que vi aquele olhar, quando ela era levada para a câmara de gás. Aquele olhar foi mais nocivo do que qualquer bruxo daquele Campo poderia ser, pior até que o próprio Führer. Eram espadas trespassando meu corpo.

Não posso continuar vivendo com isso. É uma não-vida. É nada.

Não tenho coragem de continuar nesse papel. Enviando trouxas para a morte e lembrando, em cada face, cada rosto desesperado, de minha Andrômeda. Em cada expressão desolada eu me lembro de seu olhar e isso me mata, cada dia mais, como um leve veneno tomado diariamente. Ao mesmo tempo, não tenho a coragem de enfrentar o Ministério, de contradizer Voldemort e de destruir toda a minha reputação e a de minha família. Um completo covarde, é o que eu sou. Sempre fugi das difíceis decisões, dos desafios. Nunca enfrentei o perigo de frente, nunca enfrentei meus medos. Sempre fugindo.

Agora estou aqui, pronto para fugir da vida. Pronto para deixar este mundo, este projeto de perfeição que está sendo criado e que não tem mais sentido para mim. Fujo da vida na esperança de que essa dor passe, que essa angústia desapareça e que essa culpa se apague. Esperando que, do outro lado, eu encontre minha Andrômeda e que, com seu coração sem tamanho, ela venha a me perdoar e me aceitar de volta.

Dou adeus a este mundo na esperança de achar algo melhor, na esperança de um mundo onde eu possa recomeçar. Não preciso de um mundo sem trouxas ou traidores de sangue. Preciso, apenas, de um mundo onde não cometa os mesmos erros novamente e onde eu possa ter minha Andrômeda de volta.

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Escrivaninha. Gaveta. Arma.

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Em um estalo de pólvora um homem pode achar o fim para toda a sua angústia e eu, os olhos negros que me foram tirados pela fraqueza.

O ambiente exala a pólvora. Minha mão amolece. A arma cai.

Não tenho coragem.

Lágrimas escorrem geladas.

Qualquer homem pode achar paz em uma bala, mas nem isso me é permitido. Os oficiais já devem estar chegando para descobrir que barulho foi esse e vão querer saber o que é esse buraco de tiro em minha parede. A culpa me corrói o peito, deixando uma ferida que nunca cicatrizará. Mas preciso me recompor e mostrar um bom exemplo.

Não é hoje que poderei te encontrar novamente.

Sinto muito, Andrômeda.


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Notas finais do capítulo

Para esclarecer a dúvida que ficou para algumas pessoas, o Lucius chega a pegar a arma e tentar se matar, mas não consegue e desvia a arma de sua cabeça, então ele acaba não se matando. No fim, ele foi tão covarde que nem se matar ele conseguiu.

Se gostaram, ou não, se têm algo dizer, deixem um comentário! Ficarei imensamente feliz em saber o que vocês acharam :)