Toquei no pequeno desenho.Estava bem guardado.Um desenho muito intrigante,onde alguém me escreveu umas palavras...especiais.

Alguém que eu ainda não sabia quem era...

Devia ser tarde.

Três,quatro horas da manhã.

Um grito.E,logo a seguir,um novo grito,intenso,varou a noite.Mais outro...Porque é que a enfermeira demorava tanto?Finalmente,ouvi os seus passos apressados no corredor.Tentei adivinhar para quequarto se dirigia.Tardou a chegar.Talvez tivesse ido para o último ou o penúltimo,antes do átrio onde estavam os elevadores.Quem terá gritado?Seria aquela senhora que entrou,ao fim da tarde,para a cama dois?Ou a velhinha da cama três?Ouvi dizer que estavam mal,muito mal.

Os gritos continuaram.Virei-me na cama para o lado direito e tapei o ouvido esquerdo com a mão.Mas,embora um pouco menos,continuem a ouvir os queixumes.

Tentei habituar-me.

Não conseguia.

O sofrimento dos outros fizia eco dentro de mim.Um eco prolongado.Magoava-me.Dei mais voltas e reviravoltas na cama.Não encontrava posição.

Toquei novamente no desenho.Acarinhei-o.Quem teria escrito aquela frase tão perturbadora?

Detive-me a observar,mais uma vez,o quarto onde,nessa tarde,tinha sido internada.As paredes e a escassa mobília eram branca.Só a cor que vinha das colchas,de uma tonalidade rosa forte,aquecia um pouco o ambiente.Uma espécie de mesa-de-cabeceira separava as duas camas.

  Apesar de existir lugar para outra doente,estava sozinha.Quando entrei,disseram-me que,por enquanto,não iria ter companhia.

  A pequena luz de presença,vermelha,colocada por cima da cama,incomodava-me.Mantinha-me atenta,acordada.Apeteceu-me pedir a enfermeira para a apagar,mas acanhei-me.Puxei então o aconchego,mas nada.

   Não era capaz de readormecer.

Toquei,mais uma vez,no pequeno desenho que alguém,misteriosamente,tinha enfiado na minha saca.E foi naquelas palavras tão singulares que senti algum aconcheo.Acariciei o desenho.Escondi-o ainda mais dentro da minha mão.Precisava dele.Fazia-me companhia.O mistério de quem teria imaginado,tambem...