Des:contados escrita por Miss D


Capítulo 2
Eu, Julieta


Notas iniciais do capítulo

Dia das crianças chegando... não podia faltar o MEU presente para (poucas de) vocês, né? Quis escrever a história do ponto de vista da Ana. Mas, apesar ser o parecer dela, essa é por todas as que desistem por amar demais. Bem triste. Mesmo. Ainda estou chorando.



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  Penso que não poderia entender o motivo de Julieta ter tirado a própria vida se não estivesse aqui, pretendendo o mesmo. Não sou Julieta, e minha história está bem longe de ser bela e profunda como a sua. Talvez seja mais como um estereótipo por escolhermos o mesmo destino, o mesmo fim. Sim, nós escolhemos. Chegamos rápido demais até ele, pegamos um atalho. Mesmo meu pretexto para isso não sendo tão nobre quanto o dela. Todos chegam até a morte em algum momento. Para mim, seria impossível esperar mais.

  Não pretendo chamá-lo de meu Romeu. Ele jamais o foi. No entanto, eu o amei, ainda assim. Mais que a mim mesma, mais que minha própria vida sem sentido. Amei-o com todas as forças do meu ser, com cada partícula minúscula de meu corpo. E ainda o amo.

  Mas ele nunca foi meu realmente. Menos ainda um Romeu. Não sei se algum dia já nutriu sentimentos tão fortes quanto os dele, ou mesmo os meus.

  Sei que devia ter escutado minhas amigas ­– as verdadeiras – quando me alertaram dizendo que ele só queria brincar comigo, me usar. Eu só não... consegui. Parecia impossível lembrar que ele poderia estar me usando enquanto me beijava, quando me apertava contra si. Enquanto estávamos tão unidos que éramos como um só. Porque ele era todo o meu ar, toda minha existência. Eu não poderia existir sem ele.

 E esperei tanto tempo... Sofri tanto por parecer invisível a seus olhos, passei por inúmeros e angustiantes dias sentada, chorando, fitando o vazio e ansiando que entrasse por minha porta dizendo que também me amava, que queria apenas a mim, e nada mais importava além disso.

  Ele não apareceu.

  Meu sentimento não era platônico, nocivo, como meus pais afirmavam ser. Eles nunca entenderam, nunca entenderiam. Por que era doentio? Será que era tão difícil aceitar que era amor, um amor tão ardente, tão genuíno, tão descomunal que pesava como chumbo dentro do peito? Intenso, pesado, insuportável, difícil de carregar? Ainda é custoso respirar com isso aqui, dentro de mim, queimando até minhas entranhas, apertando meu íntimo.

  Todas estavam certas, porém. Todas. Eu devia ter dado ouvido a elas, mas ignorei a razão. Amor não é racional, não se pode quantificar, não é lógico. É um sentimento. Então eu apenas senti. E durante aquele tempo, mesmo que diminuto, minha vida foi de tal modo perfeita, completa, indescritível que até mesmo Julieta sentiria inveja.

  Então veio a dor. Aquela dor insuportável, demasiada, que cravou suas garras enormes e afiadas em minha alma e me dilacerou por inteiro.

   Ele nunca me quis. Nunca desejou ter aquele amor absurdamente imenso que eu sentia por ele. Tudo o que queria era meu corpo. Um entretenimento. E eu entreguei a ele, tudo. Entreguei a mim mesma e a coisa mais valiosa e insubstituível que podia ter em uma bandeja. Para que hesitar? Ele era toda minha vida, era com quem eu queria estar, era a quem eu pertencia. E depois fui jogada fora, arremessada para dentro desse poço de aflição, de desespero. Onde nada se distingue. Onde não existem mais cores, somente o cinza opaco. Nada faz sentido, não existe porquê. É confuso. Eu sinto dor, sinto medo. Eu não queria isso, não queria esse rasgo no meio do coração. Nem o sinto mais. É como se tivesse sido arrancado. Não agüento, está me matando por dentro, matando o fragmento de alma que ainda possuo.

  Agora... Agora carrego comigo os estilhaços de mim mesma. Meus pedaços, meus cacos. As lágrimas se foram todas, mas mesmo assim tudo ainda parece embaçado. Eu não enxergo. Soluçar tornou-se minha segunda respiração. Porque apesar de eu sentir o ar entrando e saindo cadenciado de meus pulmões, o sangue circulando por minhas artérias, não há vida. Ela esvaiu-se de mim no momento em que ele me deixou. E, se ainda estou viva, apesar do sofrimento, do desespero, se ainda puder chamar esse estado deplorável de vida, então não a quero mais. A morte é mais aprazível a isso.

  Enquanto estou aqui, olhando para essa lâmina que reluz malignamente para mim, encontro-me em um dilema. Vida sem alma, morte sem dor. Não parece tão difícil escolher. Pois eu sei que a dor dos cortes nos meus pulsos será ínfima perto desta que estou sentindo, dessa ferida aberta e invisível dentro de mim. Tudo que preciso é fazer direito, rasgar a pele, fazer jorrar o sangue. Fazê-lo escorrer passando por minha pele, chegando a terra e regando-a como água, plantando como semente. O meu sangue. E então sentir, lentamente, a pulsação parar, a respiração se extinguir, e o coração, já sem vida, desistir de uma vez. Deixar tudo para trás.

  Por outro lado, sinto que posso vir a machucar algumas pessoas. Meus amigos, meus pais. Seria certo fazer isso com eles? Sei que poderiam sobreviver sem mim. Logo serei apenas uma lembrança vaga do passado, como uma foto antiga que é guardada dentro de um baú. Se eles soubessem do meu sofrimento, não seria o mais certo que me deixassem libertar-me? Não pertenço mais a esse lugar. Só há escuridão para mim aqui. Não vejo nada, não sinto nem a mim. Os pedaços estão aqui, espalhados por todo o lugar. No chão, na cama, na sala, espalhados pela rua. Fora de meu corpo, onde deveria haver um espírito. Que está dilacerado, quebrantado.

  Só irei completar meu quase óbito. Terminar o que já está selado, o que já é certo. Acabar de vez com a vida, se ainda a tenho. Quem diz que é preciso coragem para se matar é mentiroso, ou certamente está equivocado. É preciso apenas um motivo, e o meu não é tão bom. Apesar de que para mim, é suficiente. Não consigo mais existir, não tenho forças. Sou fraca demais para resistir, para continuar. Eu não desisti da vida, foi ela quem desistiu de mim. E eu sou muito covarde para viver sentindo essa dor, sabendo que perdi tudo que tinha. E o que jamais terei.

   Por isso, com o último desejo sendo sufocar o desespero, me despeço de meu resquício de espírito, que ainda me liga fracamente à vida. Despeço-me de mim mesma.

 

 


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Maior deprê, né? Espero que minha capacidade de escrever one-shots esteja melhorando. Ainda não tenho certeza.

Obs.: Comentem, please. Eu já tô no meio da fossa. Sem reviews acho q vou afundar nela. Cês tão venu como a coisa tá feia... 100 ponts de pop? o que me dizem?